🔴Capítulo 15/2

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     Submersa até o pescoço na água da minha banheira, encarei o teto enquanto apreciava a música nos fones sem fio.

      Não importava o que fizesse, nada me faria esquecer a bonita mulher, alta e esbelta como uma modelo, também não aparentava ter muito mais que quarenta anos, os lisos cabelos que iam até a cintura era tão negros quanta a noite lá fora. O que havia dito e, principalmente, a forma como disse me serviu de alerta. Eles se conheciam. E o terror nos olhos de Müller, deu a entender que ela havia se materializado direto do seu pior pesadelo para sua frente.

      Já havia lhe visto de várias formas, como as metáforas do Isaac, até mesmo nas mais vulneráveis, mas nunca paralisado de medo. Ele deu as costas a todos e fugiu sem ao menos tentar confrontá-la, como se a mulher fosse a própria reencarnação de lúcifer.

    “Psicopata” a voz da estranha ecoou no vazio do quarto quando me deitei, rolei na cama incomodada. Era um título amargo demais para ser usado sem que houvesse um motivo específico.

      As muitas teorias me tiraram o sono, deixei o quarto, indo de encontro a uma garrafa de rum esquecida no fundo do armário da cozinha. Servi-me uma dose generosa, debrucei no parapeito da janela para fumar um cigarro. A visão do meu pai trocando saliva com a namorada na portaria do prédio, me fez apagar o cigarro contra um vazo de planta, apenas duas tragadas depois.

      — Onde passou a noite retrasada? — questionei quando  o homem trancou a porta e atravessou o apartamento para beber água.

      — Eu sou o pai, e você a filha, não ao contrário. Mas estava com a Lucy, se isso te tranquiliza.

      — Não entendo porque ela tenha me mandado mensagem durante a madrugada dizendo que veio aqui, e você saiu sem o celular. — Peguei a garrafa e preenchi o copo até passar da metade. — Ela disse que a pia estava respingada de sangue.

      — Tive uma tontura enquanto cortava os legumes e a faca escorregou. Não quis te preocupar, docinho.

     — Foi por isso então que foi ao hospital de toca e óculos escuros, como um criminoso? — Ele abaixou os olhos. — É, eu te vi. Estava atendendo um infarto e quando voltei não estava mais lá.

     — Foi só uns pontinhos, Mel.

     — Deixa eu ver — pedi, fazendo ele estender a mão receoso. Era uma técnica de sutura específica que havia visto apenas dois médicos usar, e apenas um deles estava de plantão naquela noite. Lembro-me bem, pois ainda estava me ignorando quando dividimos o elevador, a caminho da Emergência. — Olhei seu histórico. Tem ido muitas vezes ao hospital, e em todas elas foi atendido por um único médico. Um que não costuma dar plantão no PS, o que me deixa sem entender como pode ter sido chamado para um sangramento nasal mais cefaleia, três cefaleias desassociada de outros sintomas, uma hemorragia nasal persistente e uma pequena laceração cutânea.

     — Foi só problema com um vasinho, que já foi cauterizado. E o restante é culpa de um caso difícil no escritório, muita privação de sono, café e álcool. — Ele pegou minha garrafa, a tampou e devolveu ao armário. — Não pode me julgar enquanto fizer o mesmo, doutora.

      Meu pai se recolheu ao quarto do lado direito do corredor, terminei minha bebida e me joguei no sofá para assistir tevê. Adormeci entre o primeiro e o segundo episódio de uma série aleatória de suspense que estava em destaque no aplicativo de streamer.

     O fato de dormido mal corroborou para meu atraso no dia seguinte, contudo, na cirurgia cardiotorácica não receberia bronca de alguém complexado com o tempo.
Sequer me dei ao trabalho de subir ao sexto andar, a enfermeira-chefe contou sobre o incêndio na fábrica de tecido da cidade e que precisavam do máximo de gente possível na ala de queimados. Tirei o jaleco da bolsa que trazia nas costas e usei as escadas para chegar ao segundo andar.

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