🟢Capítulo 7/1 - Müller

8.9K 801 283
                                    

❄️

     O cubo de açúcar começou a dissolver-se lentamente entre a língua e o meu palato, a doçura subitamente estimulou as papilas gustativas e, como resposta, a saliva inundou tudo, adiantando ainda mais o derramamento. Sorvei um gole da bebida fumegante no interior da xícara lilás, que pertencia a psiquiatra sentada diante de mim em uma poltrona de couro da mesma cor, e em três segundos o cubo de uma simetria perfeita já não existe mais no interior da minha boca.

    — Acredito que o Cortez não tenha te feito me encaixar na sua tão requisitada agenda só para me servir chá. — Mudei, desnecessariamente, o sachê para a borda oposta da xícara. — Que a propósito está muito bom.

    Inclinei-me o suficiente para que conseguisse pegar outro cubo de açúcar no delicado recipiente de porcelana sobre a mesinha e o levei à boca, como havia veio com o anterior, porém não esperei que dissolvesse e triturando-lhe imediatamente.

     — Vejo que aumenta o consumo de glicose na minha ausência, Nathan — Aspirei, cuidadosamente, a bebida cálida e aromática. Mesmo que a infusão não se comparasse à essência exalada das miúdas flores europeias quando frescas, ainda sim era uma doçura ao paladar, como combinar um pouco de jasmim com mel e notas tênues de folhas amassadas. — Como médico, devia saber que substituir um vícios por outro não é o mais adequado.

    — Por isso o chá de tília? Também leu os artigos sobre a eficiência dela na diminuição dos níveis de glicose no sangue?

    — Como sempre, desviando desse assunto — observou Rivera.

      — Já falamos sobre tudo isso em outras sessões. Será que pode ir direto para o motivo pelo qual minha cirurgias eletivas foram canceladas?

    A psiquiatra cruzou as esguias pernas, de forma que qualquer homem pudesse considerar sedutora, todavia eu deveria ser uma decepção para o gênero.

    — Como queria. Quanto tempo faz desde a última vez que tiveram que pintar as paredes da biblioteca?
Depositei a xícara sobre o tampo de vidro da mesinha, tão logo relaxando no centro do encosto do sofá de três lugares.

     — Quatro meses e dezessete dias. — O movimento na cortina roubou minha atenção por seis segundos. — Aquela cor irritava meus olhos.

     — Você ficou feliz por as terem pintado de outra cor?

    — Não — retorqui lacônico.

     — Mas a anterior te incomodava. Não foi o que você acabou de dizer?

     — Poderia conviver com ela para sempre se isso significasse não perder nenhum paciente.

     — E você julga normal cobrir as paredes com sequências de números, que só você entende, cada vez que perde um paciente? — Rivera inclinou para lhe servir de mais chá. — Deveria comprar uma lousa, vai economizaria as centenas de dólares que gasta com tinta anualmente para a biblioteca.

     — Lousa são fáceis de apagar, não quero que meus pacientes pensem  que suas existências serão apagadas facilmente. — Endireitei a postura, alinhei o colete e abri os dois botões superiores da camisa que usa por baixo dele. A sala parecia ter ficado subitamente quente. — Cada camada de tinta guarda as provas de que não existia outra equação, cujo resultado seria diferente da que eu escolhi.

     — Não posso te liberar para voltar a operar enquanto não te julgar psicologicamente apto.  

     — Eu entendo, é o seu trabalho. Só não sei como me dar um tempo maior estabelecendo vínculo com os pacientes, pode me ajudar com a questão da hipersensibilidade à perda.

Não perca o Controle Onde histórias criam vida. Descubra agora