🟢Capítulo 7/2

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      Vinte e uma horas sem cirurgias, foram o suficiente para me deixar a um triz de perder o controle novamente. Tinha um motivo para me empenhar em manter a minha mente ocupada: não pensar na dor que punia meu corpo, incessantemente. Optei por manter-me ocupado de outras formas, algumas delas um tanto desesperadas, tenho que admitir. Rondas extraoficiais pela pediatria; assistir a uma dissecção da aorta feita pelo Campbell da galeria enquanto terminava meus argumentos para o caso Walsh e; até consultei alguns pacientes no ambulatório usando a minha especialidade clínica.

Apesar do amor por operar, precisava deste tempo para recordar de que nem sempre fui cirurgião. É claro que, há dezesseis anos quando me formei e decidi fazer uma especialização ao invés de começar a residência em cirurgia, eu não tinha uma coleção de placas e pinos de titânio sustentando minha coluna, que, subsequentemente, proporcionou-me uma dor crônica e uma dependência em morfina.

Assumir o controle me proporcionou uma abstinência dolorosa. Mas seria hipocrisia ignorar o fato de que, constantemente, me via diante do espelho do banheiro, suado e ofegante, como se repetira naquela noite, desejando uma dose do pequeno franco transparente, guardada na gaveta da pia. Tivera vezes que, uma parte irracional de mim, até chegava a barganhar por apenas metade da dosagem, todavia jamais sucumbi à tentação, que mantinha propositalmente perto.

Ao fim do meu mantra de autocontrole, abri os olhos, fitando novamente meu reflexe, por ora, mais plácido. Logo, se a noção de espaço que tinha daquele cômodo não estivesse codificada no meu subconsciente devido a repetição, teria errado o vaso e precisaria limpar o vômito da parede antes de entrar no banho.

Água quente e massagem em uma zona sensível pelo acumulo de sangue, era a combinação perfeita para reduzir os níveis elevados de cortisol, o que suavizaria meu estresse, e ainda me recompensariam com algumas endorfinas, neurotransmissores anestésicos, que, mesmo que momentaneamente, bloqueariam a algia crônica entre minhas vertebras. Com a testa apoiada no vidro gélido do box, me permiti desfrutar do, não tão nobre, desfecho induzido por um hormônio, enquanto sentia outro inundava minhas veias, elevando a temperatura corporal dada a velocidade que o sangue percorria o interior dos vasos, assim também descompassando a bomba de musculo cardíaco no centro do gradil costal.

O sabor metálico aguçou meu paladar, a mucosa do lábio inferior, que sequer havia curado completamente da última vez, fora reaberta pelo canino afiado, gerando uma resposta controversamente prazerosa. O gemido áspero irritou minha garganta ao escapar, e não fora resultado da quiromania, mas sim do susto ao vê-la ali, sobre a pia, com os olhos de cor diferente me fitando em um momento tão íntimo. Todavia, o motivo para a nova foto de perfil da residente estar estampada na tela do meu celular só podia ser por conta de uma ligação, pois lembrava-me perfeitamente de ter saído de sua página no Instagram antes de ir dormir e, inclusive, de ter excluído a pesquisa.

Desliguei o chuveiro, puxei a toalha pendurada do suporte com impaciência, sequei as mãos e a passei ao redor da cintura, prendendo o tecido felpudo sobre o membro rijo e deixei o cubículo consumido pelo vapor. Aproximei-me da bancada de mármore e recolhi o iPhone, deslizei o indicador pela tela, recusando a ligação, tão logo retornei através de uma chamada de vídeo. Thompson titubeou, atendendo apenas entre o quarto e quinto toque.

— Espero que seja importante.

Com os dedos mesmo, penteei os cabelos encharcados para trás, depois escorreguei a mão pelo rosto, tirando o excesso de água da barba e, subsequentemente do pescoço e do peito, enquanto atribuía à residente o fato de não ter podido me enxugar.

— Desculpa, mas o caçador, na Emergência, com um chifre de alce atrasado no crânio parece importante.

Certamente, isto se comparava ao adolescente trazido, pessoalmente, pela doutora Smith em seu primeiro dia no Metropolitan, há sete meses atrás, com um pedaço da asa do avião preso ao crânio.

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