🔴 Capítulo 1/3

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      Rolei na cama, agoniada. Em menos de nove horas eu teria que me apresentar à bancada avaliadora do Goldenriver, e nem dormi eu conseguia. Talvez seria mais fácil se eu não tivesse exagerado de novo, devorando metade de uma pizza de calabresa e uma garrafa de refrigerante diet, antes de me deitar. Me virei, pondo as costas no colchão, inspirei, livrei-me da coberta, expirei, sentei-me na cama, meu pés tocaram o chão frio e eu os recolhi rapidamente.

      Calcei as pantufas que estavam do lado da cama e deixei o quarto envolvida em um edredom xadrez. Fui até a cozinha e abri os armários, nada além de caixas de cereais, pão de forma e pacotes de macarrão instantâneo para microondas. Fiz o mesmo com a geladeira e só encontrei água e leite. Frustrante. Não havia nenhuma bebida quente nessa casa, nada com um alto teor alcoólico que pudesse me aquecer de dentro para fora e, quem sabe, até me ajudar a dormir.

      Lá fora estava frio demais e era burrice sair em busca de um mísero copo de rum, ou quem sabe até uma dose de uísque, já que eu estava aceitando qualquer coisa que tivesse mais álcool em sua composição do que o enxaguante bucal no armário do banheiro. Burrice ou não, vesti uma calça legging com interior de flanela, uma blusa preta de lã e o sobretudo sujo de sangue teve que ser substituído por uma jaqueta de couro, que não era tão quente quanto ele, mas pelo menos estava limpa. Nos pés, as mesmas botas pretas de montaria.

      Evitei os fones de ouvido dessa vez, não queria ser surpreendida por nada nem ninguém. As ruas estavam escuras e isso já me assustava o bastante. Levantei as golas de couro e apertei o cachecol de tricô ao redor do meu pescoço, como se aquilo fizesse alguma diferença à quase dez graus abaixo de zero. Certo, dez era exagero, menos três ou quatro no máximo, que para mim era quase o mesmo.

      A placa reluzente na fachada do estabelecimento, em frente ao prédio ambulatorial do Metropolitan Goldenriver passava a impressão de que se tratava de um bar de strip-tease, Ian's Golden, porém ao entrar nele me deparei com a réplica de um pub inglês: luz baixa, paredes de tijolos a vista, como do lado de fora; prateleiras de vidro sob medidas, abarrotadas de pequenos barris de chope e garrafas de vidro coloridas; um enorme balcão em formato de "L" todo em madeira polida e vernizada, rodeado por dezenas de banquetas de assentos estofados, revestidos por couro marrom; ao centro do salão, duas mesas de sinuca e uma de pebolim.

      Me acomodei em uma banqueta e pedi uma dose pura de rum. O homem incrivelmente musculoso, de olhos azuis e cabelo oleoso, do lado de dentro do balcão, disse que aquela não era a bebida mais indicada para uma mulher e começou sugerir drinques de frutas com guarda-chuvinhas nas bordas.

      — Patrick — disse lendo no broche junto ao peito dele —, rum sem gelo, por favor.

     Com um sorriso murcho e sem desviar o olhar — que permaneceu cravado em mim — o homem pegou um copo para destilados debaixo do balcão e deslizou-o sobre a bancada na minha direção, segurei-o, usando apenas o dedo indicador enquanto olhava através dele, o espelho na parede, refletindo um pequeno grupo de pessoas aos fundos do lugar, que parecia estar comemorando uma festa de aniversário sobre uma das mesas de bilhar. Me distrai com as palmas e com o irritante parabéns, que não vi o barman se virar para pegar a garrafa nem serviu meu copo, então quando terminou, ele fez questão de avisar, batendo as mãos espalmadas sobre o balcão, me dando um susto que quase me derrubou do banquinho.

       Virei o conteúdo do copo de uma só vez enquanto Patrick ainda ria da brincadeira que havia feito. Minha garganta e esôfago já estavam tão acostumada com aquilo que eu mal sentia queimar. Pedi outra dose, agora uma dupla. O barman me olhou com estranheza, porém acatou meu pedido, desta vez sem dizer nada.

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