🟢Capítulo 9/1 - Müller

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     É inegável que uma pequena ação pode ter consequências de magnitude catastróficas, e, automaticamente, meu pensamento regrediu a esta teoria durante todo o tempo que minhas mãos usavam uma broca cirúrgica para perfurar o crânio de uma criança, em um cúbico no pronto-socorro.

     — Eu assumo daqui — anunciou Perry, passado pela porta irritado, na companhia da residente, que fitava-me como se eu fosse um degenerado.

      Retirei as roupas de proteção e deixei a baia sem fazer objeção alguma. Enquanto caminhava a passos apressados em direção ao elevador mais próximo, preocupava-me apenas em respirar pausadamente, na tentativa falha de me livrar da pressão comprimindo meu tórax. Fazia pouco mais de seis anos desde a última vez que tive uma vida tão jovem nas mãos.

     Os dedos ao redor do meu pulso, não pareciam tentar deter-me, e sim chamar minha atenção. Logo, quando virei-me, sabia exatamente quem meus olhos encontrariam.

     — Qual é seu problema comigo? — vociferou Thompson. Arqueei a sobrancelha, e ela emendou serenamente desta vez: — Não me ouvi chamar?
Limitei-me a uma negação modesta.  Manter os lábios vedados impediria que uma resposta desagradável escapasse.

     — O Enzo disse que vai reportar o que você fez, para o Marshall.

     — Vai dizer que impedi que um garotinho morresse, porque ele estava no casino durante o plantão?

   A residente pareceu surpresa.

    — Ele mencionou o fato de você ser proibido de atuar em casos pediátricos. — Seus olhos evitaram os meus de propósito, fingindo interesse no jardim além da vidraça.

     — Vai ser hilário vê-lo tentar provar isso. — Ela não conseguiu disfarçar a confusão que consumia-lhe o semblante quando sua atenção voltara para mim. — Não querer, é bem diferente de não poder fazer.

     — Ele não tem o que usar contra você. — Concordei com a afirmação, e ela achou necessário explicar: — O que é bom. Muito bom.

    — Obrigada. Mas acredito que perdeu uma cirurgia importante para vir me avisar. — Dei-lhe as costas, porém continuei observando-lhe de soslaio. — Vou dissecar um meduloblastoma às dez da noite. Se conseguir chegar a tempo, pode auxiliar.

    — Isso é algum tipo de recompensa? — indagou incrédula.

    — Não. Se está aqui agora, significa que minha outra opção está operando com o Perry.

     — Isso faz mais sentido vindo de você — retrucou com humor ácido e seu sorriso singular. 

      Ela retornou à Emergência, e eu subi até a biblioteca. Depois nos encontrarmos no lavatório da sala de operatório, e dez horas e treze minutos mais tarde, ponderei assumir a árdua tarefa de transformar Thompson em uma neurocirurgiã.
Suas mãos eram ágeis demais, a forma como visava a praticidade dificultava a precisão necessária para a neurocirurgia, checando a ser um pouco desleixada até. A habilidade em chegar a diagnósticos na área era outra coisa que precisava ser lapidada. Todavia, sua linha de raciocínio geral, apesar de díspar à minha, estava quase sempre colidindo com ela nos resultados.

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