A vontade de deixar o hospital com o conjunto de moletom branco e preto, com que cheguei para dar início ao plantão há mais de vinte horas, era grande, enorme na verdade. Embora fosse mais quente e mais confortável, não era a roupa mais apropriada para a ocasião, então me limitei a tirá-lo para conseguir pegar o jeans escuro, o suéter de lã e o casaco, que estavam amarrotados no fundo do armário há um bom tempo.
Quando puxei, a parte de baixo do moletom, se prendeu a uma das repartições do armário, justo a que eu havia improvisado, ou seja, uma que não era parafusada. A estrutura cedeu, trazendo consigo tudo que tinha colocado sobre ela. Algo pontiagudo, uma escova de cabelo com cabo de madeira, atingiu meu olho sem que eu tivesse oportunidade de me esquivar, ou sequer fecha-lo. Senti a dor se misturar com a ardência, logo se transformando num intensa gastura que me impedia de abrir os olhos lacrimejantes, quanto mais colocar a lente de contato, que havia tirado antes de entrar no banho.
Irritada, tateei a prateleira do meio, à procura do estojo de couro, que preservava algo que não usava há muito tempo. Suspirei diante do par de lentes grossas, que contava com uma armação exagerada e de cor gritante, como mandava a moda. Com sorte os óculos seriam o suficiente para roubar todas as atenções para si, ofuscando a anomalia do olhos, que, desta vez, não podia ser camuflada pela lente de contato feita sob medida, ou melhor, na cor certa.
Sai do hospital pela emergência, Guerra fez uma gracinha quando passei por ele, mas nem desviei a atenção do celular para olhar em sua direção, precisava me certificar que o Uber ainda aguardava por mim, além de digitar uma desculpa para Lisa que explicasse o porquê de não ter chego ainda.
O endereço que Lisa havia me passado não ficava tão distante do Metropolitan, todavia tivemos que cruzar a ponte dourada do centro, onde o engarrafamento nos tomou mais tempo do que esperava. Quando deixei o táxi de frente ao prédio luxuoso, foi inevitável não me impressionar com quantidade de andares a perder de vista, tanto pela altura quanto pela penumbra da noite. O elevador panorâmico proporcionava uma deslumbrante vista de cidade, das luzes dela pela menos, principalmente do andar mais alto, a cobertura no décimo oitavo, onde ficava o apartamento da médica. A porta do elevador se abriu em um longo corredor, que continha apenas duas portas, uma de cada lado. Toquei a campainha daquela cuja marcação na porta indicava ser o quinquagésimo.
— Entra! — a anfitriã berrou, para que sua voz sobressaísse a música, que não parecia estar tão alta antes dela abrir a porta. Lisa logo me puxou para um abraço, que foi seguido por um beijo na bochecha. — Vamos pra cozinha, John e Louis estão lá também, fazendo companhia para o Nathan.
Louis era aquele tipo de nome que você demorava para associar a alguém, principalmente quando estava acostumada a ouvir este alguém sendo chamado de Isaac. Assim, fazendo com que me esquecesse com facilidade que Isaac era apenas um redutivo de Isaacson, seu sobrenome, e não seu primeiro nome.
Atravessamos a sala, que embora não fosse pequena, parecia ser dada a quantidade de mobília que limitava o espaço. Era mais que desnecessária a quantidade de aparadores e estantes, abarrotados com os mais diversos itens de decoração, fazendo com que eu precisasse bem mais que nossa breve caminhada para poder olhar cada um deles.
Da entrada da cozinha, lancei o olhar através dos balcões de mármore rodeado de banquetas, onde John e Isaac estavam sentados, e parei exatamente entre os armários planejados em tons claros de branco e creme, quando o vi parado diante da geladeira. O cozinheiro da noite, irmão de Lisa e dono de um belo bumbum, que era moldado por um jeans preto. Me deparei com suas costas largas, abraçadas por uma camisa xadrez e delineada por um colete social usado sabre ela. Por alguns milésimos de segundo, o colete até me fez lembrar alguém, alguém que nunca usaria xadrez ou jeans, alguém em quem eu não deveria estar pensando.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Não perca o Controle
Любовные романы[Obra Registrada] Medicina nunca foi o sonho de Melanie Thompson, mas desde a infância foi incumbida a acreditar que um dia seria. Depois da morte da mãe, a garota se viu obrigada a atender seu último pedido. No entanto, a neurocirurgia foi apr...