Papai não estava em casa quando cheguei, mas havia deixado um prato para mim no micro-ondas. Tomei um banho demorado de banheira depois de comer, tentei não pensar em um certo neurocirurgião enquanto abafava meus gemidos com a mão livre, porém não tive êxito. Quando se tratava dele, meu corpo me traía, minha mente me traía.Deixei a cama preguiçosamente e peguei a primeira calça de ginástica e camiseta que encontrei. Tinha risoto quente em uma panela no fogão, o chuveiro estava ligado, o que me fez concluir que papai estava no banho e, pela bolsa feminina sobre a mesa, ele estava acompanhado, logo a imagem que me veio a mente quase me fez desistir do jantar. Sai com os fones de ouvido a postos, e na mão carreguei um livro aberto na página de procedimentos, publicado há sete anos, cuja fotografia na contra-capa trazia o rosto imberbe e mais jovem de alguém que me atormentava até em sonho. Você era melhor sem barba, ri do próprio pensamento.
— Posso te pagar um drinque? — perguntei ao anestesista quando nos cruzamos na porta da Emergência. — Você está de saída, e eu cheguei uma hora adiantada...
— Está flertando comigo, novata? Porque saiba que...
— Você gosta da Camille, todos sabem. — Ele pareceu desconcertado e apontou o Ian's. — Além do mais, você não faz meu tipo, prefiro homens grandes.
— Meço um e noventa e quatro.
— Eu disse grandes, não altos.
O segui, pensando que entraríamos no bar com o qual já estava habituada, mas ele parou diante de um portão próximo a entrada do estabelecimento e tirou um chaveiro do bolso.
— Tenho uma grade de cerveja intacta lá em cima e coca para você. Müller tem um olfato ótimo — acrescentou, aconselhador.
— Melhor não — considerei analisando o apartamento dele sobre o bar.
— Não vou te atacar. — Riu da própria garantia. — Você não iria me propor um drinque se não quisesse conversar.
Concordei, dei de ombros e subimos as escadas, ele tomou a frente depois que destrancou a porta e avançou sala à dentro, recolhendo embalagens vazias de comida e roupas, que estavam espalhados pelo sofá. Disse para eu ficar à vontade enquanto se dirigia à cozinha, de onde voltou com uma garrafa de cerveja e uma lata de refrigerante na mesma mão, na outra, trouxe partes do que logo deduzi ser um cachimbo d'água. Sentou-se na poltrona do outro lado da sala e começou montar o narguilé, tirou um longo gole de sua garrafa e se afastou mais uma vez, para buscar pequenos pedaços de carvão em brasa. A boca, agora contornada por uma barba por fazer ao invés do cavanhaque, tragou demoradamente, logo soltando a fumaça.
— Cereja — conclui a respeito da essência, revirando os olhos em seguida.
— Você deve saber que quando algo aleatório te faz lembrar alguém é porque tem sentimento envolvido. — Isaac me estendeu a fina mangueira.
— Tem sim, mas nenhum positivo. — Traguei sem receio.
Ultimamente sequer cogitava resistir à vontade, mesmo sabendo que era o vício me ludibriando com a falsa sensação de relaxamento. Sempre soube que me autodestruía a cada nova tragada, fingindo que era a última ou que era só para diminuir o estresse.
Isaac livrou-se do blazer cinza, ficando apenas com a camiseta de gola V preta e jeans da mesma cor, o que trazia o foco para seu rosto, os olhos pareciam mais azuis e o cabelo mais claro ainda.
— Como a pessoa que passa mais horas com o Müller em cirurgia, qual você acha que é o procedimento preferindo dele?
Aquela era a pergunta de alguém desesperado, agora não se tratava apenas de juntar pontos para a competição de Camille, e sim continuar na neurocirurgia.
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Não perca o Controle
Romance[Obra Registrada] Medicina nunca foi o sonho de Melanie Thompson, mas desde a infância foi incumbida a acreditar que um dia seria. Depois da morte da mãe, a garota se viu obrigada a atender seu último pedido. No entanto, a neurocirurgia foi apr...