🔴Capítulo 10/1 - Thompson

7.5K 697 321
                                    

🔥


  Embora um pouco mais sutis, os hematomas sob os olhos do meu supervisor e um curativo nada discreto no nariz, eram os únicos vestígios que restaram depois daquele desastroso incidente no coquetel beneficente.

     Com os olhos vidrados nos pingos de água se atirando contra a janela, minha mente divagou para longe, para o décimo oitavo andar de um edifício de luxo a quilômetros da enfermaria, no quinto andar do Goldenriver onde meu corpo estava, e minha cabeça também deveria ter permanecido, principalmente porque estávamos no meio da visita aos pós-operatórios.

     — Nunca viu chuva? — Tive um sobressalto. — Aqui chove frequentemente durante a primavera.

      Congelei. A voz que alimentava minhas lembranças, agora, quase irreconhecível graças um resfriado, me trouxera de volta à realidade, com sussurros falhos junto ao meu ouvido. As imagens todas que consumiam minha mente viram fumaça, e sem pensar, deixei o vidro para encarar os olhos escuros trás de mim.

     O cirurgião estava péssimo. Então me dei conta que fazia dias que eu não o via tão de perto. Os olhos apertadinhos, marejados e vermelhos, não eram só reflexo da gripe, como também do cansaço; o mesmo havia emendado um plantão de dose horas à uma cirurgia longa de emergência. O rubor nas maçãs no rosto gritava em meio a palidez do restante das faces, e barba era a única que parecia normal, pois os cabelos estavam um verdadeiro caos.

     — Algum problema? — perguntou entregando-me um tablet.

    Fiz menção de dizer algo, mas desisti e apenas neguei com a cabeça, até porque eu não diria nada que ele já não soubesse. Estudei o resultado do exame na tela do dispositivo.

     — Joana Larson não é o nome da garota em coma, que apelidamos de Hope? — Balançou a cabeça em afirmação. — Seguiram o protocolo para vítima de estupro. Como ela pode está grávida?

     — Ela está dentro daquele um porcento para qual o medicamento não funciona. — Existiam alguns casos em que ser o “um em um milhão” era péssimo. — A Dra. Daves vai fazer uma ultrassonografia para ver se está tudo bem com o feto dada a exposição à radiação e as drogas que demos para ela sem saber da gravidez. Quer ver?

    Assenti e fomos até a UTI. A obstetra já estava ajudando a máquina quando adentramos o quarto. Os olhos de Müller brilharam e um sorriso, mesmo que sútil, surgir em seus lábios, mas logo pareceu entristecer.

     — O coração dele é bem forte — informei, depois de tocar seu braço para ter sua atenção.

    O bipe do meu pager me obrigou a quebrar o contato visual. Mostrei o código a ele, que me deu permissão para ir.

* * *

     Por volta das dez da manhã, solicitei o elevador, os plantões noturnos nunca acabavam ao nascer do sol. Havia parado de chover, as árvores ainda gotejavam e os carros espalhavam água por todo parte ao passar em alta velocidade nas poças que estavam no caminho.

   Segui pelas calçadas na companhia dos fones de ouvido, em volume máximo. Percebi quando uma moto diminuiu a velocidade, caminhei mais rápido, mesmo ciente de que se fosse um ladrão eu não tentaria nada heroico, minha vida valia mais que um celular com a tela trincada e os treze dólares que tinha no bolso da jaqueta de couro.
Com sutileza, observei-lhe de viés, mas logo tirei os fones do modo mais abrupto possível e maldisse o piloto em um tom audível.

     — Quer uma carona, estressadinha? — perguntou Luiz estendendo o capacete em minha direção.

     — Minhas pernas são funcionais, e se não fossem, eu preferiria me arrastar até em casa do que subir na sua garupa.

Não perca o Controle Onde histórias criam vida. Descubra agora