🔴Capítulo 1/2

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      Era a milionésima vezes que meu pai me abraçava. Despedidas, sem dúvidas, sempre foram o fraco de Marcus Thompson. Ele sabia que se não entrasse naquela caminhonete e voltasse o mais rápido possível para Miami, acabaria se desmanchando em lágrimas ali mesmo, na calçada.

      — Mel... — Ele me segurou pelos ombros e me afastou o suficiente para me olhar nos olhos. — Você promete para mim que vai se cuidar?

      — Sim, pai. Eu prometo que vou tentar comer comida de verdade com mais frequência; vou dormir no mínimo seis horas ao invés de virar a noite estudando; não vou tomar café para ficar acordada, e nem álcool para dormir; e nunca, em hipótese alguma, usarei água sanitária nas roupas coloridas.

      A forma como aqueles olhos azuis me fuzilaram deixou claro o desagradado do meu pai quanto ao zombeteiro comentário. Talvez, tenha sido de muito mal gosto da minha parte, repetir com tanto deboche aquilo que ele havia frisado com tanta seriedade e preocupação ao longo do caminho.

      — Desculpa — disse com serenidade —, mas não precisa se preocupar comigo, paizinho.

      Com um singelo sorriso nos lábios, ele afagou meu cabelo, depois deslizou os dedos por toda a extensão de um cacho que havia caído no meu rosto, afastou-o e acariciou minha face com sua mão áspera.

      — Eu sei, minha querida, mas não é fácil para mim deixá-la aqui sozinha.

       — Miami fica à algumas horas de carro daqui, pode vir me ver todo final de semana. E quanto ao fato de me deixar só, não se preocupe, porque vou passar a maior parte do tempo no hospital, e lá nunca estarei sozinha.

       Aquilo pareceu ter sido o suficiente para convencê-lo de que eu ficaria bem no meu novo apartamento alugado, a quilômetros de casa. Pois o mesmo me deixou e caminhou em direção ao carro. Entretanto, antes de entrar na caminhonete ele se virou mais uma vez à procura dos meus olhos e fez menção de dizer algo, mas logo reprimiu a ideia e apenas sorriu desconcertado.

      — Sim, eu vou te ligar todos os dias — assegurei, pensando ter previsto o que ele tinha em mente.

      — Na verdade, eu queria saber porque tenho que mentir para o Jack quando ele voltar. Por que seu namorado não pode saber onde você está, Mel?

      — Não precisa mentir, o senhor vai ter tempo para pensar em algo, a pós do Jack prenderá ele no Canadá por mais uns três meses.

      Estava ciente de que fazer aquilo não era obrigação do meu pai, mas se eu tivesse que ficar cara a cara com Jackson, se esvairia minha coragem de por um fim naquele namoro, que já havia se estendido por tempo demais.

      — Como queira, filha — concordou, procurando no porta-luvas por um isqueiro, para acender o cigarro que já se encontrava em sua boca. — Vale mesmo a pena? Você nem terá seu ídolo como mentor.

      Me aproximei da porta, que já estava fechada, estendi o braço na direção do meu pai e tirei calmamente o cigarro aceso de sua boca e trouxe até meus lábios, tirando dele um único trago, enquanto papai assistia incrédulo àquela cena. Logo devolvi o cigarro a ele, que hesitou em pegar, encarando por certo tempo as marcas de batom vermelho que mancharam o filtro.

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