"E você, tornou-se o adulto que sonhou ser quando criança?"
Jogo a revista sobre a mesa de centro da sala e solto um longo suspiro, incapaz de continuar lendo mais uma linha sequer sobre a vida perfeita, de pessoas perfeitas. Não sei ao menos porque me dei ao capricho de folhear uma revista tão previsível como essa.
Me pego pensando então, em como a vida de alguns parece tão certa, enquanto a de outros não passa de uma grande e inacabável confusão.
Você está pensando demais.
Ouço uma voz dentro de mim sussurrar e mesmo sabendo que pode ser perigoso, já é tarde demais: estou me lembrando de quem eu costumava ser. A garota doce, de futuro promissor, que ainda sonhava, que ainda acreditava...
Você era assim no passado, mas já não é mais!
Obrigo-me a concordar com o meu eu interior. Situações duras fazem as pessoas mudarem e, automaticamente, as tornam duras também. Foi isso que me tornei. Apenas uma pessoa fria, incapaz de sentir certas coisas.
Acredito que seja por isso que é tão difícil de deixar o passado para trás, se consideramos que o presente foge completamente do que foi planejado.
— Lara? — levo um susto ao perceber que não estou mais só.
— Que bom que você voltou! — abraço o único homem que permito continuar na minha vida. — Como estão os negócios?
Sentamos no sofá e Yago me conta sobre umas das filiais de sua casa de show, localizada no Rio de Janeiro. Deixo com que ele fale, apenas fazendo pequenas interrupções quando julgo conveniente. Decididamente prefiro pensar nos problemas dos outros ao invés dos meus.
— Você sabe que dia é hoje, não? — por fim ele pergunta, depois que nossa conversa sobre à casa de shows se encerra.
— Claro. — respondo contra a vontade. Eu esperava que ele tocasse no assunto, mas isso não significa que eu esteja pronta para falar sobre ele.
— Dois anos que você veio morar aqui. Passou rápido...
Uma das descobertas que fiz nesses últimos anos é que tempo não é capaz de resolver problemas ou curar todas as feridas. Existem coisas, que passe o tempo que for, continuarão presentes na sua memória, por mais que você deseje esquecê-las. Há feridas que não cicatrizam e ponto final.
— Já está tarde, acho que vou me deitar. — tento dar a Yago um sorriso convincente, porque no fundo só quero ficar sozinha. Estou exausta demais para continuar conversando sobre o passado.
No entanto, quando me deito, parece ainda mais difícil de evitar que os pensamentos tomem um rumo indesejável.
Automaticamente volto para quando eu tinha 19 anos. Yago sempre fora meu amigo, mas se mostrou um verdadeiro irmão quando mais precisei. Desde aquela noite, há dois anos, quando ele me encontrou completamente bêbeda em um barzinho, ele vem cuidando de mim.
Admiro muito a pessoa que ele é. Em como sente empatia pelos outros e que apesar das constantes viagens devido aos negócios, sempre encontra um tempinho para mim, sem nunca pedir nada em troca.
Viro-me para o lado, sentindo que não vai demorar muito para meu corpo ceder ao cansaço. Já sei exatamente o que me espera, então apenas fecho os olhos, esperando que os pesadelos comecem.
Quando desperto, o sol já nasceu lá fora. Meus olhos estão inchados, como se eu tivesse passado a noite inteira em claro. No início, era mais difícil para mim. Passava o dia todo bocejando, com o corpo cansado e com os pensamentos lentos. Mas agora, depois de tanto tempo, já me acostumei com a consequência das noites mal dormidas.
Sabendo que não há muito que se fazer, tomo um banho e vou para a cozinha em busca de um café forte o suficiente para me ajudar a acordar. Uma sensação de culpa se apodera de mim, assim que vejo Yago sentado à mesa.
— Sinto muito. — murmuro, desabando na cadeira ao lado dele.
— Pelo quê? — franze a testa, fitando-me.
— Você sabe... Os pesadelos... Os gritos...
— Deixe disso! Já lhe falei que não me incomodo.
Sei que ele diz isso apenas para me confortar. Nas primeiras semanas em que estávamos morando juntos, era comum ele adentrar meu quarto no meio da noite, com medo de que algo estivesse acontecendo, devido aos meus gritos — mais uma das consequências dos malditos pesadelos.
— Tenho uma coisa muito importante para lhe contar.
Analiso Yago com atenção. Ele parece tenso, certamente está com medo da minha reação em relação ao que vai me dizer.
— Estou ouvindo. — o encorajo, frente a seu silêncio.
— Estou apaixonado. — ele diz depressa, como os olhos fixos na xícara de café que está em sua frente.
— Lhe encontro no fundo do poço! — sorrio na tentativa de deixá-lo mais calmo.
— Estou falando sério, Lara. — ele ralha comigo, mas agora seus lábios formam um discreto sorriso.
— Pois bem, eu também estou.
— Se não estou muito enganado, isso se chama ciúmes. — diz ele, claramente querendo me provocar.
— Ah, francamente! — reviro os olhos, sem querer dar o braço a torcer. — E quem é a sortuda? — indago, porque curiosidade sempre fez parte das minhas características.
— O nome dela é Luiza Bastos. Irmã do meu sócio, Luan. — ele comenta, e vasculho minha memória em busca de alguma lembrança relacionada a ela.
— Acho que a conheço de vista. Ela é bonita, não posso negar.
— Amanhã vamos jantar na casa dela, para de certo modo "oficializar o namoro". — Yago faz uma careta, provavelmente percebendo quão antiquadas as últimas palavras soam.
— Eu realmente preciso ir? — pergunto, sem demonstrar muita disposição.
— Você sabe que não posso contar com meus pais. Eu ficaria feliz se minha única irmã pudesse ir comigo. — ele me fita com expectativa e consigo compreender o que ele sente. Os pais de Yago moram no Rio Grande do Sul e detestam viajar. A perspectiva de encarar a família da namorada sozinho deve ser apavorante.
— Tudo bem. — aceito por fim. — Mas vamos sair hoje a noite para uma espécie de despedida de solteiro, está bem? — proponho, e ele aceita sem qualquer reclamação.
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Revelações
Roman d'amourComo a vida de alguns parece tão certa, enquanto a de outros não passa de uma grande e inacabável confusão? Lara vem se perguntando isso desde que uma grave notícia mudou completamente o rumo de sua vida. A garota doce, de futuro promissor, que sonh...