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   Apenas uma mochila foi arrumada, aparentemente nem Ciel nem Eliot tinham coisas para levar então eu fui a única que levava coisas, o acampamento com chalés ficava em cima de um morro e a descida era inclinada o suficiente para descermos rolando, ou pelo menos era assim do lado que optamos por sair, fomos até onde eu treinava com Charles e seguimos em linha reta pela floresta, Ciel jurava saber qual era o caminho para a cidade e ambos concordaram que por ali não teria ninguém.

Eu era um incomodo. Três dias apenas deitada não fizeram exatamente maravilhas a minhas pernas, e meus machucados ainda doíam, por fim Eliot me carregava nas costas e Ciel a minha bagagem e cuidava da dianteira.

Ao mesmo tempo que sentia minha garganta apertava, me sentia um traidora, abandonara meus amigos ali, assim como tinha abandonado Kate na minha casa, assim como tinha sido abandonada por meus pais quando se divorciaram, sentia meu corpo tremer, mas não era exatamente de frio, o pânico ainda se instalava em mim. Não queria morrer. Ninguém em sã consciência aceitaria isso. Ninguém tinha me contado que aquele era praticamente um plano suicida, e sinceramente eu não queria me arriscar.

Fechei os olhos e sacudi a cabeça. Tinha que parar de pensar daquele jeito ou iria enlouquecer. Eu tinha tomado uma decisão e agora precisava arcar com ela e me concentrar no terreno a minha frente.

Apesar que eu não conseguia ver nada.

Tínhamos esperado até altas horas da madrugada, quando nenhuma pessoa normal estaria acordada, o terreno era íngreme e coberto de vegetação. Eu só sentia Eliot saltando e escorregando com controle sobre a lama, desviando de galhos e raízes com agilidade, mesmo estando a velocidade que nenhum humano normal alcançaria.

Tínhamos percorrido talvez pouco mais de um quilometro quando encontramos o primeiro.

Pessoas normais estavam dormindo, mas aquele não era um lugar desprovido de segurança. Nos desviamos do possível, mas se fosse fácil de escapar daquele jeito seria fácil de entrar também, logo, haveria obstáculos pela frente. O primeiro foi um mago mestiço, aparentemente sua metade era gárgula, pois assim que nos viu sua pele virou pedra e suas feições ficaram grotescas, Ciel, a frente, deixou a bagagem que carregava de lado e assumiu a forma lupina, derrubando o homem-gárgula e fazendo-o descer rolando alguns metros de morro, inconsciente.

Eliot pegou a mochila enquanto corria, praticamente sem diminuir o passo, Ciel emparelhou conosco e ambos pareceram entrar num acordo o qual eu não entendi nada, apenas notei que o berserker diminuiu sua corrida e o lobo agora farejava o ar, começamos a andar mais cuidadosamente, como se optássemos pelo silencio, e logo adiante eu vi. Ou não vi. Estava escuro e eu já não sabia mais o que era físico e o que eram sombras. Mas em meio as arvores a frente parecia que algo se movia.

— o que? ... — arrisquei a perguntar no ouvido de Eliot, mas ele apenas olhou para mim como se precisasse de silencio, então foi o que a ele.

Ciel, que tinha parado ao nosso lado, deu a volta por trás de Eliot até um pequeno barranco e saltou, naquele breu ele era apenas mais uma sombra de muitas, um ponto mais escuro em meio a muitos. Assim que Ciel pulou em suas costas eu pude ver o que era: uma quimera. Porém não ficamos para ver o espetáculo que nos era proporcionado, assim que feito o ataque, Eliot passou a correr velozmente na direção de antes, abandonando o companheiro que lutava para traz.

Mal pude exclamar qualquer coisa, minha mente rondava a mil, já não sabia que era o certo e o errado. Mas eu era tão ruim assim por sentir medo? Eu estava tão errada assim em querer viver de forma pacífica e não me arriscar?

Agarrei mais forte os ombros de Eliot, escondendo meu rosto em suas costas e remoendo minhas desculpas esfarrapadas e alto piedade, pensando o quão covarde eu era agora e se o que eu fazia era o certo.

— chegamos — disse Eliot, me despertando de meus devaneios — esse é o ponto onde está a barreira que protege esse lugar, assim que passarmos daqui todos saberão que fomos embora e também esse é o único ponto onde ainda há volta.

Ciel em forma de lobo chegou correndo ao nosso lado, olhei para a sua forma gigantesca, ele me olhava com astutos olhos amarelos, me incentivando a ir em frente. Desde o princípio ele não queria que eu chegasse perto daquelas pessoas, agora era a primeira vez que eu pensava que, talvez, ele tivesse razão.

— vamos — eu disse, parecendo mais decidida do que realmente pensava.

Eliot pulou, seguido por Ciel, havia um pequeno barranco que limitava o território dos mestiços, e, na beirada desse barranco, altas arvores, todas enfileiradas, parecidas com as da beirada do campo de treinamento se erguiam, imponentes.

Meus ouvidos destrancaram como se tivessem passado por uma mudança de pressão, de alguma forma eu sabia: tínhamos passado a barreira, ela servia para impedir as pessoas de entrar, não de sair.

Mesmo assim eu podia sentir que algo estava de errado no ar. Agora, era quase certeza, Dominik já deveria saber de nossa fuga, ele iria nos deixar ir? Ele iria nos perseguir? Iria nos matar? Eu não duvidava de nada daquele homem.

— estamos quase lá! — disse Eliot animadamente.

Olhei par frente e vi as luzes da cidade pouco abaixo de nós, estávamos indo em direção a ela, em direção a civilização, agora eu sentia um pouco mais livre, mas só estaria realmente aliviada quando chegasse em casa.

Espere... Casa?

Eu realmente tinha uma casa para voltar?

Não tinha mais para onde voltar.

Aquela cidade que eu vivia antes agora era hostil, tudo o que tinha vivido naquele lugar tinha sido uma mentira, inclusive meus amigos. Eu estava sozinha e tinha fugido do único lugar onde poderia pertencer de algum modo. O único lugar onde as pessoas precisavam de mim.

Não! Eu não fraquejar naquele momento! Eu tinha Ciel e Eliot a meu lado, não importa para onde fossemos eles iriam me ajudar e cuidar de mim. Afinal a saúde deles literalmente dependia da minha.

A cidade se aproximava numa velocidade alarmante, eu já não sabia o que fazer, onde ia viver ou sequer dormir aquela noite.

Quando eu passasse par situações ruins e pensasse como eu já tinha passado por piores, eu com certeza me lembraria daquela.


Minh"h

Guerras dos Magos Mestiços I - PassadoOnde histórias criam vida. Descubra agora