Cariad

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Já anoitecia quando o último sinal tocou naquele dia, avisando que os alunos estavam dispensados da aula. Albus nunca ficara tão feliz em ouvir um sino tocar, durante aquelas semanas que haviam passado, aquele som era o eu favorito entre todos os outros, oque finalmente o deixava livre para ir jantar e se distrair com os cansativos treinos de quadribol, espantando da cabeça tudo que lhe levava a Scorpius desde aquela noite quando pensara, por um instante, que tudo estava bem novamente. Seu erro fora esclarecido na manhã seguinte, quando ao acordar a cama de Scorpius estava vazia e ele parecia ter sumido entre as paredes de Hogwarts, só sendo visto a noite quando já estava dormindo. Desde então, Albus não o via comer, nem passar pelos corredores em direção a aula, e isso o entristecia, porque de todos, ele nunca pensou que seu melhor amigo fosse o primeiro a o evitar de todas as formas.
Como sempre, ao chegar no Salão Principal, Albus passou direto para onde ele e o time normalmente se sentavam antes do treino, quase na ponta da mesa. Segurando a vontade, ele não procurou Scorpius, continuou seu caminho diretamente para Simon, Susan, Rick e Mark, o garoto escalado no ano anterior para ficar no lugar de Kevin. Ele se sentou ao lado de Susan, que lhe dirigiu um sorriso assim que o viu.
-Kevin me mandou uma carta hoje. -disse animada, exibindo seus dentes perfeitamente alinhados. -Ele foi chamado para tentar uma vaga no Appleby Arrows. -Susan enfiou a mão sob a capa e tirou um envelope cheio de corações, amassado e dobrado no meio. -Eu não soube guardar muito bem, mas a foto Ainda esta linda. -ela tirou o papel da carta igualmente amassado e uma foto, que surpreendeu Albus por ainda estar inteira, apenas dobrada ao meio. Ele a pegou das mãos dela e a abriu, lá estava Kevin no meio de um campo de quadribol, vestindo o uniforme azul claro dos Appleby e segurando uma vassoura na mão esquerda e um pomo na direita.
-Finalmente ele conseguiu. -sorriu Albus a devolvendo. -Ou ia continuar mandando cartas depressivas.
-Não eram tão tristes assim. -reclamou Susan voltando a guardar o papel amarrotado.
-Por Dumbledore, Susan, aquilo era quase escrito com lágrimas. -disse Rick, tirando do rosto uma mexa do cabelo castanho que estava crescido até os ombros. -Kevin me deve, eu que ajudei ele a entrar no nosso time, se não fosse isso ele não teria tido coragem.
  Perdidos em conversas sobre Kevin e quadribol, o jantar logo começou, as seis as mesas foram preenchidas pelas travessas de comida e jarras de suco. Albus se apressou em comer, porque realmente já estava sentindo falta de jogar, de se sentir longe do chão e dos problemas, sonhando que podia ir mais alto até tocar as nuvens, apesar de que Simon sempre o mandava descer. Com os dois treinos que haviam tido até ali, ele ainda não se sentia satisfeito, queria treinar mais e aperfeiçoar as técnicas de goleiro que havia adquirido durante os anos que esqueceu, mas continuavam guardadas ali. Quando terminou de engolir os últimos bocados de comida, ele esticou as costas, elas estralaram por estar a muito tempo ligeiramente inclinado para o prato, Albus se levantou e Simon o olhou desconfiado.
  -Vou esperar vocês no vestiário. -disse chamando a atenção dos outros que antes estavam focados no jantar. -Não precisam se apressar.
  -Por que essa pressa? -perguntou Mark, que havia se aproximado mais nas ultimas semanas, tanto que Albus já estava se acostumando com sua presença alta e cacheada entre os amigos. -Coma outra coisa.
  -Quero... ficar sozinho, já ouvi muito barulho por um dia. -ele acenou com a cabeça para os amigos e deu as costas, caminhando pelo corredor entre as mesas.
  Albus estava trabalhando com o andar calmo, tentando se libertar da paranoia de que todos estavam o olhando, isso o fazia andar rápido sem perceber. Tentava ignorar a sensação de que olhares encaravam suas costas, o julgando, chamando-o de nomes variados e ofensivos, dando-o títulos como muitas vezes faziam com o seu pai. Não queria se tornar um novo Harry Potter, se fosse ter um nome em algum lugar, que não fosse o filho de Harry Potter e sim Albus. Até mesmo seu nome encobertava quem ele era, se chamassem de Albus lembrariam de Dumbledore, se o chamassem de Severus, lembrariam de Snape, e mesmo Potter, não lembrava ele.  Então continuando a suportar sua paranoia, ele chegou nas portas para o Hall de Entrada andando como qualquer pessoa normal. Ele se parabenizou enquanto ia para as portas de carvalho, mas a felicidade momentânea foi substituída pelo susto de receber uma baforada de vento gelado lá de fora, o outono sempre trazia esse clima, cheio de vento e chuva, com folhas caindo para se renovar. Albus decidiu encarar o clima, desceu os degraus segurando as pontas da capa da escola firmemente contra o peito, e correu para cruzar o gramado até o campo, mesmo as folhas passando rente ao seu rosto e o vento deixando seus braços e pernas gelados.
  Chegou perto das arquibancadas quando seus ossos já estavam dificultando a corrida por causa do frio. Ficando bem próximo das arquibancadas que estavam contra o vento, ele contornou o campo até chegar na porta do vestiário, ele a abriu, entrou e fechou o mais rápido que pode. O clima lá dentro nunca fora tão bom quanto naquele instante, quando o fogo da lareira verde esquentou seu corpo, e ele finalmente pode parar de apertar as vestes. Albus passou com facilidade até a salinha dos armários, já que pela primeira vez em muito tempo, o vestiário continuava organizado. Ele foi até o seu armário, pegou o uniforme e se trancou em um box para se trocar. O uniforme de quadribol era mais quente que as roupas da escola, o tecido mais pesado ajudava a não ser tão fácil para o vento desviar os jogadores. Ele se trocou depressa e saiu com a vassoura, deixando um monte com as suas roupas dentro do box. Voltando a sair para o frio da noite, os colegas ainda não haviam chegado, mas sua vontade era maior, ele montou na vassoura e impulsionou os pés, subindo e subindo até o nível dos aros do gol. O vento assobiou nos seus ouvidos, o pio de uma coruja solitária vagou pela floresta Proibida, a Lua parecia mais próxima, tudo parecia mais possível ali de cima.  Ele fez círculos com a vassoura, cortou o vento indo de lá para cá, até cansar e parar para descansar se segurando no aro do meio do gol, enquanto respirava fundo e deixava o vento varrer o suor do seu rosto, ele viu lá embaixo um movimento, e se surpreendeu por não ser nenhum dos outros do time, mas Scorpius. O reconheceu pelos cabelos loiro prateados, que brilhavam na luz da lua, segurava uma vassoura ao lado do corpo e ia em direção ao vestiário, Albus sabia que ele fizera parte do time, mas aparentemente ele havia saído. Jogando o corpo para frente, Albus  fez a vassoura voar até próximo dele, assustando Scorpius. Malfoy arregalou os olhos para ele e pôs uma mão no peito.
  -Não faça isso! -reclamou batendo um pé no chão. -Quer me matar do coração?
  -O que você está fazendo aqui? -perguntou pousando os pés no chão e desmontando da vassoura. -Você saiu do time.
  -Quem disse? Eu só dei um tempo.
  -Ah, ok. -eles ficaram silêncio, novamente o desconforto passava entre eles, e os circulava e impedia que falassem. -Scorpius...
  -Por que está tão cedo aqui? -perguntou evitando a conversa que Albus queria ter. Ele se apoiou na vassoura como se não tivesse nada de errado ali, e Albus se surpreendeu com sua ousadia a si mesmo em o olhar no rosto e os fixar lá, sem desviar para outro lugar.
  -Estava ansioso para o treino. -disse Albus. -E você? Me evitando mais uma vez?
  -É a minha atividade diária. -Scorpius riu e abaixou o rosto para a grama, quebrando o contato visual. -Acho que já percebeu isso.
  -É, você sabe fazer isso, bem até demais. Não faz sentido para mim o porquê de estar fazendo isso, mas... acho que vai dizer que não tem como eu entender.
  -Exatamente.
  Albus riu e voltou a montar na vassoura, olhou para o céu nublado e cheio de nuvens, antes estava mais convidativo, sua respiração se transformou em névoa à sua frente, a chuva já estava vindo.
  -Acho que o treino vai ser cancelado hoje. -disse Albus mais para si mesmo do que para Scorpius. -Vai esperar eles também?
  -Vou. -Scorpius desencostou da vassoura e se dirigiu ao vestiário, deixando Albus o olhando enquanto desaparecia atras da porta.
  -Idiota. -sussurrou Albus já subindo novamente.
  Lá em cima ele parou, olhando as nuvens de chuva se acumularem. Ele fechou os olhos e sentiu o vento bater no rosto e tentar puxar sua roupa para trás, ele permaneceu no mesmo lugar. Sua respiração travou quando ele puxou muito ar, seus olhos começaram a lacrimejar, ele não acreditava que ia ter uma crise de memória ali em cima, sem conseguir se mexer por estar tremendo, se desmaiasse iria morrer. Tentou aos poucos ir descendo a vassoura, um pouco de cada vez, mantendo os olhos fechados, por que a chuva tinha que ter algum significado para o seu outro eu? Do nada, seu coração se encheu de amargura e de uma preocupação imensa sobre Simon. Queria saber onde ele estava e se estava bem. O problema foi que, aos poucos ele começava a se sentir bem, mas diferente, ouviu um barulho abafado lá em baixo e olhou para ver oque era. Como sua vassoura estava no gramado, se ele ainda estava ali? Ele mexeu os braços, mas também estavam diferentes, foi então que ao mexer a cabeça, viu que o mundo parecia maior, e que seus braços estavam cobertos de penas. Tentou gritar, mas um pio longo e melancólico saiu da sua garganta, e ao invés de sentir seus lábios, conseguia ver que havia sido substituído por um bico. Não entrou em desespero, mas quase chegou a ponto disso quando percebeu que suas roupas também estavam ali no chão, ele bateu as asas e parecia que sempre fora daquela forma, voou até a porta do vestiário, com destreza e com a formosura de um pássaro de verdade. Sua estratégia para ter ajuda de Scorpius foi gritar desesperadamente e arranhar a porta, dois minutos depois ele apareceu na porta e Albus já estava no chão, arfante.
-O que...? -Albus olhou para cima e viu Scorpius o olhar confuso. Agora como um pássaro não sabia como reverter aquilo, nem como lhe contar que era ele.
Albus voou até suas roupas e as levantou com as garras, viu Scorpius ficar pálido e correr até ele.
-Albus? -chamou e Albus pousou no seu ombro. -Como você...? Temos que levar isso lá para dentro. -ele se abaixou e pegou as roupas e a vassoura de Albus enquanto esse estava no seu ombro. -Então você vira uma coruja. -disse enquanto corria de volta para o vestiário.
Albus piou e percebeu que estava com fome, talvez seu apetite em formato animal fosse diferente do humano, seu humor também era diferente, aliás, corujas não riam. Assim que Scorpius fechou a porta, Albus voou pela sala até o espelhinho sobre a lareira, e encarou uma coruja branca, de quase sessenta centímetros, tinha o bico escondido sob as penas do rosto, e mais penas negras no abdome e olhos vermelhos intensos, oque não era usual de uma coruja de verdade. Isso o lembrava da velha coruja do seu pai, que era tão mencionada sempre que viam uma parecida, ele abriu as asas e as fechou enquanto tentava ter certeza que era ele mesmo.
-Isso é tão estranho. -murmurou Scorpius, Albus se virou para ele, desengonçado sobre as pernas de coruja. -Nunca te imaginei como uma coruja, branca ainda por cima, você é moreno!
Albus piou irritado e voou até o braço do sofá, riscando o tecido com as garras, nunca entendera porque os animais gostavam de fazer isso, mas até que era interessante. Ele continuou a fazer aquilo energeticamente até Scorpius o segurar e o tirar dali.
-Você realmente parece um animal. Devia se transformar mais vezes, você quieto é mais legal. -Scorpius o pousou cuidado na mesa de centro, tentando desviar os dedos do bico de Albus que tentava o morder. -Pare!
A porta foi aberta violentamente assustando os dois, Scorpius pulou no sofá e Albus voou em disparada para a sala dos armários.
-Isso foi uma coruja? -perguntou a voz de Susan, ela entrou coberta com a capa, e depois dela, Simon, Rick e Mark. -Scorpius?
-Scorpius? -ecoou Simon surpreso. Ele tirou a capa molhada e a jogou numa cadeira, Albus os observava de cima dos armários, que tinha a altura suficiente para que ele ficasse ali. Ele juntou as assas para si e se abaixou um pouco. -O que está fazendo aqui?
-Vim treinar.
-E o Albus? -perguntou Rick. -Ele veio para cá.
-Não estava aqui quando eu cheguei.
-Repetindo, aquilo era uma coruja? -Susan repetiu indo até a sala onde Albus estava e olhando debaixo dos bancos e dos boxes. -É sua Scorpius?
-É, meu pai me mandou ela. -Scorpius apareceu na porta também é logo o encontrou sobre os armários. -Vem... Cariad.
Albus não pensou que teria que ter um nome fictício, como seu avô teve, Pontas não era bem criativo, mas dava para entender oque significava. Sobre oque Scorpius escolheu, ele não entendia, mas atendeu ao chamado, voando e pousando no seu braço estendido.
-Cariad? -perguntou Susan fazendo carinho s cabeça dele, Albus fechou os olhos com o toque da amiga. -Isso não é em inglês.
-É galês. Estudei um pouco nas férias. -disse Scorpius, Albus piou alto, lembrando que ainda estava com raiva dele e apertou seu braço com as garras longas e curvas. -Significa neve. Pare de apertar meu braço. -disse se dirigindo a ele, mas Cariad, a coruja, era um pouco parecia com Albus, não importava a forma, a teimosia ia junto a ele, então Albus continuou apertando e o ignorando.
-Acho que Cariad não quer ser seu amigo.
-Também não acho.

Stigma - ScorbusOnde histórias criam vida. Descubra agora