A Batalha (Parte II)

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  Antes que visse com seus próprios olhos, Scorpius já sabia a dinâmica daquela casa. Ele estava passando pelo pequeno porão, feito só por aparências, pois embaixo havia toda uma rede de celas, quando ouviu rangidos fortes demais e que ultrapassavam o poder das bombas que faziam a casa tremer.
Como ele esperava, não era possível que Delphi mantivesse sede numa casa tão velha e carcomida. Se não fossem os feitiços de proteção e preservação toda aquela estrutura estaria abaixo há anos, mas com eles, ela se tornava um tipo de escudo. Uma casca dura que fazia com que os feitiços explosivos a balançasse e causasse pequenos danos, não a lançasse pelos ares como deveria acontecer naturalmente.
Contudo, todo escudo protege alguma coisa.
Scorpius não tinha certeza da sua teoria, Delphi podia ser simplesmente louca e ter montado base na casa do pai por puro sentimentalismo, mas ele não colocava muita fé nessa ideia. Delphi era astuta demais para se deixar levar por sentimentos. Mas ali, parado do centro do porão, vendo a chuva de poeira cair do teto por conta do estremecimento do ataque, e ouvindo aquele rangido penoso e pesado, Scorpius confirmou sua teoria.
Havia uma casa dentro da casa, se é que isso fazia sentido. Lembrava-se de Albus o contando sobre a sede da Armada de Dumbledore, a antiga casa dos Black, escondida entre dois prédios no centro de Londres. Qual seria a diferença entre isso e esconder uma casa entre as paredes de uma mesma casa? Seria útil e inteligente. Se um ataque fosse feito sem aviso e àquele lugar, nunca a encontrariam.
Com isso, ele já tinha um norte. Começaria ouvindo as paredes. Por alguns minutos, Scorpius apenas ficou parado, esperando que o som se repetisse, e quando repetiu, ele olhou para o mapa e procurou o cômodo que se encontrava sobre a sua cabeça. O porão saía na cozinha, que era ladeada por uma grande dispensa e o quarto dos empregados. Não significava que a entrada seria ali, mas não custava tentar.
Ele assobiou e o enorme basilisco de fumaça saiu da parede. Scorpius não precisava usar palavras para se comunicar com ele, então simplesmente apontou para cima e pensou no comando. A cobra passou para a parte de cima e Scorpius fechou os olhos. Agora, via com os olhos do saoen, estava deslizando por uma parede, atravessando uma grossa camada antes de sair em um corredor. Ele olhou ao redor, estava em um corredor, atrás dele estava a porta e, sobre a ombreira, havia uma plaquinha inscrita com o número 1, devia significar a entrada, ele deu uma espiada do lado de fora e percebeu que realmente se encontrava entre a cozinha e a despensa. Ele voltou e checou os dois lados. O corredor da base escondida fazia curva em ambos os lados e nenhum parecia muito diferente do outro, ele se decidiu pela esquerda. Levava a um conjunto de três portas brancas espalhadas pela parede. Ele atravessou a parede e checou cada um dos quartos, todos desocupados e vazios. A casa ainda estava tremendo. E então... gritos. Gritos distantes. Ele voltou ao corredor e começou a passar por todas as paredes possíveis, as vezes atravessando agoureiros e derrubando móveis grandes, então ele irrompeu em uma grande sala, mais parecida com uma sala de baile. Não teve muito tempo de pensar, o saoen voltou a tomar o controle, do outro lado do salão estava o enorme cachorro de Delphi, Scorpius não teve tempo de olhar bem, mas reconheceu algumas figuras, como James e Clary, e então foi desconectado do saoen.
Quando abriu os olhos, ainda estava no porão.
  A base estava logo em cima dele, devia sair e avisar aos aurores, ministros, seu pai, quem quer que fosse. Mas talvez não tivesse tempo de salvar seus amigos e avisar onde estavam. Não pessoalmente. Scorpius pegou o papel do mapa, pegou a caneta no bolso que havia usado para marcar o seu mapa e escreveu uma mensagem, o dobrou em um avião de origami e sussurrou um feitiço que havia aprendido para trocar bilhetes com Albus no segundo ano, ele levava o avião de papel assim como os do ministério faziam. Ele subiu a escada e jogou o avião pelo corredor.
  Estava tudo vazio.
  Atento, ele foi até a o encontro dos dois cômodos, sempre olhando para os lados. Ele apontou para a parede com a varinha e disse:
  -Revelio. -a parede tremeu, como se hesitasse em abrir. -Revelio.
Novamente, a parede tremeu mas não abriu. Devia ter uma senha. Scorpius respirou fundo. Não conseguiria abrir um buraco na parede sozinho e sem chamar atenção. Também não sabia como chutar as senhas. Apenas gritaria palavras ou precisava tocar em algo? Ele se afastou da parede, coçando a cabeça em desespero. Como conseguiria entrar ali? Talvez seus amigos estivessem em perigo! Não duvidava que estivessem, eles eram reféns de muito valor.
  Scorpius estava andando de um lado para o outro em frente à entrada, quando ouviu o som de saltos estalando no chão. Aproximava-se rápido, como se tivesse pressa. Duvidava que alguém do lado do Ministério andasse com tanta confiança por aqueles corredores. Alarmado, ele olhou ao redor e se meteu em um alcova entre dois pilares grossos colados a parede. Ele esperou, em silêncio, respirando tão escassamente que nem ele mesmo o ouvia. O som dos saltos foi se aproximando até a figura estar na frente de Scorpius. Era um adolescente por volta de quinze anos, de pele e cabelos escuros, mas olhos bastante vermelhos.
  Ele tocou a parede e sibilou algo que Scorpius não pode ouvir.
  O rapaz deu um passo para trás enquanto a entrada desabrochava entre os tijolos da casa. Scorpius esperou mais um pouco, com a varinha em mãos. O rapaz abriu a porta que apareceu diante dele, uma porta preta envernizada com maçaneta de prata. Scorpius esperou ver se mais alguém apareceria para verificar quem estava entrando, mas não tinha muito tempo, uma vez que ele fechasse aquela porta Scorpius teria que esperar por outra rara oportunidade como aquela. Aproveitando que o rapaz estava de costas, Scorpius ergueu a varinha e conjurou:
  -Expeliarmus.
  Um raio verde atingiu as costas do garoto e ele foi lançado para frente com peso morto, a varinha voou para o fim do corredor. Scorpius correu e segurou a porta antes que ela fechasse, passando por cima do rapaz agoureiro apagado. Para não deixar suspeitas, ele o puxou para dentro e fechou a porta.
  Deixando o corpo desmaiado no canto da parede, Scorpius se deu conta de estar em um longo e único corredor, assim como vira pelos olhos do Saoen. Para direita, ou para a esquerda. Para ambos os lados haviam curvas idênticas. Lembrando-se do que havia visto antes, Scorpius desatou a correr para a direita, o lado oposto dos quartos vazios que vira. Ele derrapou pela curva, correu mais um pouco, passou como uma flecha por algumas portas que já vira anteriormente, e então avistou uma escada. Estava no caminho certo.
  Pouco antes de chegar a escada, duas sombras se destacaram da parede. Eram mais dois agoureiros, dessa vez um garoto e uma garota, tão parecidos que podiam ser irmãos. Scorpius parou abruptamente, recuperando o fôlego. Ambos, assim como o garoto da entrada, tinham olhos vermelhos como sangue e se vestiam de preto. Eles não se mexiam, estavam simplesmente parados como estátuas, com as varinhas apontadas para ele. Nenhuma emoção marcava seus rostos sombrios.
  -Delphi está lá em cima? -ele tentou.
  Eles permaneceram parados.
  -Preciso falar com ela urgentemente.
  -Um passo e temos ordens para matá-lo. -disse friamente a garota à direita.
  Scorpius olhou de um para o outro, então para a escada. Se corresse eles o pegariam, se avançasse eles o pegariam. Não tinha o que perder.
  Rapidamente, ele apontou a varinha para a menina:
  -Estupore.
  Então rolou antes que o feitiço do outro o atingisse. Colado a parede, ele se voltou para a o garoto.
  -Estupefaça!
  O menino foi jogado contra a parede, a varinha caiu da sua mão e ele caiu inconsciente. Scorpius olhou ao redor, ambos estavam caídos. Tinha se saído melhor do que esperava. Sem perder mais tempo, ele subiu as escadas pulando os degraus, olhando para cima a espera de um ataque surpresa, mas se surpreendeu ao não encontrar nenhum. Scorpius suspeitava saber o porquê. A briga do lado de fora devia estar feia.
  Ele saiu em um segundo corredor, seguiu o caminho que se lembrava, para a esquerda, depois o primeiro corredor da direita e então...
  Uma porta foi aberta.
  Ele colou as costas na parede.
  -Não, não é por aí. -uma das vozes dizia. -Claro que não.
  Scorpius ouviu atentamente. Tinha quase certeza que nenhum agoureiro conversava distraidamente assim.
  -Sim, é por aí. James me disse.
  Scorpius sentiu seu corpo ser coberto por uma camada de gelo ao ouvir um nome tão familiar. Ele se descolou da parede e entrou no corredor. No meio, parecendo perdidos, Susan e Ricky discutiam para que lado ir como turistas nas ruas da Itália. Ainda não haviam o notado por estarem apontando direções para o outro lado.
  -Não é por aí, venham comigo.
  Os dois ficaram paralisados, lentamente, eles giraram nos calcanhares. Assim que eles o viram, uma sequência de expressões tomou suas faces. Começando por medo, depois confusão, mais medo, alegria e desconfiança.
  -O Albus... -começou Susan. -Ele disse que você morreu.
  -É um truque. -Ricky sussurrou para ela, com os olhos cheios de lágrimas. -Esse é um truque muito imoral, até mesmo para um agoureiro.
  Scorpius não conseguiu evitar e riu.
  -Não sou um agoureiro. E eu estou vivo. Quando Delphi me jogou eu tinha um plano de reserva.
  Susan o inspecionou com o olhar, vendo que ele usava as mesmas roupas de quando estivera com eles. Os olhos dela ficaram úmidos.
  -Como podemos saber que você é você?
  Scorpius tentou pensar rápido.
  -Um dia eu estava brigado com o Albus e você chorou comigo no sofá da sala comunal até ele aparecer.
  Susan hesitou, mas enfim balançou a cabeça concordando e correu até ele, o envolvendo em um abraço.
  -Achamos que você tinha morrido! -ela gritou e meio soluçou, batendo nas costas dele com um punho, mas se negando a soltá-lo. -Você sabe o quanto eu chorei por sua causa?
  Scorpius conseguiu rir de novo em meio aquele caos. Rick limpou as lágrimas e se recompôs.
  -Vamos, precisamos ajudar os outros.
  Scorpius se soltou de Susan e os levou correndo pelo lado certo do corredor.
  Enfim eles chegaram as portas duplas, Scorpius diminuiu o passo. Tudo parecia muito quieto lá dentro. Não podia ter chegado tarde demais. Ele segurou os puxadores da porta e os puxou para trás, as porta grandes se mostraram leves, e abriu-se com um estrondo. Ele se enfiou pelo espaço que elas haviam aberto e derrapou um pouco.
  A cena era um caos.
  Em um grande salão, sem janelas, havia um grande número de pessoas imóveis. Não porque não conseguissem se mover, mas porque estavam todas focadas. Algumas mal haviam se virado para vê-lo entrar, pois suas atenções estavam concentradas em um pequeno núcleo no canto da sala. Scorpius demorou um pouco para processar o que acontecia ali. De frente a uma janela falsa, Delphi estava parada, se tremendo como se estivesse com hipotermia, a varinha estendida a frente, vestida tal qual um dos seus agoureiros, os cabelos brancos já não tinham mais a mecha azul, seu rosto jovem estava cansado.
A varinha dela apontava para uma figura muito familiar. Scorpius sentiu o ar sair dos seus pulmões como se tivesse levado um murro. Sua mão também começou a tremer.
Os olhos de Delphi, azuis gélidos, voltaram-se para o recém chegado. Por um instante seu rosto ficou confuso, mas não tentou solucionar sua dúvida agora, ao invés disso, Scorpius viu a pior expressão de felicidade que já havia visto no rosto de alguém. Algo cruel. De alguma forma, Scorpius entendeu os planos dela. Seus dedos apertaram em volta da varinha, hesitante. Se viu novamente em uma enrascada, não tinha como tirar Albus da mira de Delphi, e se não fosse ela seriam um dos seus agoureiros que se mantinham ali como soldados. O desespero tentou tomar conta de Scorpius. Ele conseguiria se jogar na frente dele a tempo? Não...
-Kelly! -gritou Delphi.
Ele viu uma garota agoureiro acordar como se a palavra chave tivesse sido acionada. Ela sacou a varinha, Scorpius também ergueu a sua.
Ele tinha uma ideia.
Era uma ideia louca. Mas não tinha outra.
Tudo havia se passado por um instante na sua cabeça. As tardes na biblioteca do avô afinal haviam servido de alguma coisa. Era o que esperava.
-Avra Kedavra.
Scorpius ouviu o som sair dos seus lábios; viu a luz sair da ponta da sua varinha; sentiu a dormência que o feitiço deixara em seu braço, um formigamento que mais pareciam choques. O feitiço atingiu as costas de Albus, assim como mais dois o atingiram pela frente e pelo lado. Scorpius segurou o feitiço até que Delphi e Kelly parassem.
Pareceu levar uma eternidade até que elas baixassem os braços. Scorpius enfim quebrou o feitiço. Sentindo-se doente, sujo, merecedor de morrer em Askaban. Suas pernas bambearam e ele caiu no chão. Mais a frente, ele viu o corpo de Albus tombar e cair sem nenhum amparo. Ele quis correr até lá, mas se sentia tão impotente que nada mais reagia aos comando do seu cérebro. Ele ouviu um som agudo, como uma sirene dentro da sua cabeça. O mundo ficou mudo. Ele cobriu as orelhas com as mãos. Tudo estava em câmera lenta? Ele sentiu um puxão, mas estava dormente demais para reagir. Via James gritando na sua cara, mas não o ouvia, sentia suas mãos segurando-o pelos ombros como toques gelados. Estava morrendo? Assim como Albus?
Albus estava morto.
Ele havia o matado.
Scorpius direcionou seus olhos lentamente para Delphi, que estava em choque, olhando-o como se ele fosse um monstro pior que ela.
-Você... -Scorpius conseguiu dizer, entre arfadas, ignorando James. -Vai pagar... por tudo que você fez.
Delphi piscou, confusa.
A sirene foi diminuindo. O aperto de James começou a doer. Seus dedos voltaram a ter mobilidade. Ainda assim, seus sentimentos pareciam pedregulhos pesados e dolorosos.
-Por que você fez isso? -perguntou James, a voz baixa, embargada, já cansado de gritar. Scorpius suspeitou que ele estivesse perguntando isso fazia um tempo.
Scorpius ainda não conseguia responder. Ele olhou para o corpo inerte de Albus a alguns metros. As mesmas roupas com que ele o vira pela última vez, o sweater que ele passara bons minutos olhando no espelho e o perguntando se caía bem. Os cabelos que Scorpius havia entrelaçados nos dedos tantas vezes, espalhados no chão como um corvo abatido. Ele estava ficando mais pálido? Será que suas mãos já estavam ficando frias? Perto dele, Clary estava parada, olhando-o a uma distância segura, como se temesse chegar perto e encarar a realidade.
Ele devia estar com frio.
Ele devia ir lá e...
Os pedregulhos que ele trazia no peito começaram a se quebrar.
Ele estava com frio?
  A passagem era fria?
Já sentia sua falta?
Havia sido doloroso?
Lágrimas rolaram pelo seu rosto involuntariamente, apesar do seu rosto permanecer lívido de emoção.
-Quando achamos ser uma das piores pessoas... -começou Delphi.
  Scorpius ergueu os olhos cheios de fúria.
Não. Ele não suportaria isso dela.
-Você não tem o direito de falar nele. -rosnou Scorpius.
Delphi riu, descaradamente surpresa.
-Que interessante. Quando eu mencionei a sua suposta morte, ele disse o mesmo.
Scorpius engoliu em seco. Tirou as lágrimas do rosto e se afastou do aperto de James, que o deixou ir, sem forças para lutar.
-Você já não tem o que queria?
Delphi olhou-o com interesse.
-Não.
Como se esperasse uma deixa dela, uma porta foi aberta no fim da sala. Scorpius não iria se virar, não ousava dar as costas para ela, mas aparentemente Albus pensara o mesmo antes de ser atingido pelo feitiço da morte. Muitas pessoas arquejaram, e, apesar de ser perigoso dar as costas a ela, Scorpius virou-se rapidamente.
-O que está acontecendo aqui?
Scorpius não sabia dizer quão louco devia estar. Diante das portas duplas que ficavam na lateral da sala, uma figura desfilava orgulhosamente. Os cabelos pretos como piche, brilhando a luz do candelabro que pendia do teto, vestido com roupas modernas e pretas, o que definitivamente destoava do seu contexto. O rosto estava jovem, bonito, exibia um sorriso largo com dentes brancos... não uma cabeça lisa, olhos vermelhos e nariz chato e com fendas. Lembrava-se da imagem dele nos livros, não se pareciam com o homem com rosto de réptil que era desenhado, mas definitivamente era igual a foto que tinham de quando ele era jovem.
-Pai... -disse Delphi. -Você...
O homem, que mais parecia um adolescente, andou pacificamente entre os que estavam na sala, sorrindo para cada um que se afastava.
-O que temos aqui? -perguntou, chegando perto de Albus.
-Não toque nele! -gritou James.
Tom o olhou com interesse, antes de se voltar para Albus.
Scorpius avançou, instintivamente, alguns passos até chegar perto de Albus. Não conseguiu olhar para baixo e vê-lo, mas manteve-se ao lado do corpo. A varinha apontada para o rosto de Tom. Inúmeras varinhas se viraram contra ele.
-E o que você vai fazer? Matar um morto? -Tom sorriu. -Você não é fraco como seu pai, não é? Você matou seu amante, afinal.
Scorpius baixou a varinha lentamente, sentindo seus músculos enfraquecerem. Tom os contornou, virou-se para sua plateia e então seu rosto ficou frio como uma pedra de mármore. Houve um ruído alto e então, de cima da galeria, irrompeu uma grande quantidade de bruxos. Feitiços foram lançados ao acaso para todos os lados.
-Parem!
Scorpius sentiu uma mão nos seus cabelos, e então uma pressão fria na sua garganta.
-Parem! -repetiu Riddle, perto do seu ouvido.
Os feitiços aos poucos cessaram.
Scorpius não conseguia ver quem estava na galeria, apesar de ouvir sues ofegos de surpresa e os sapatos inquietos.
-Vocês querem perder mais um dos queridinhos de Hogwarts? -perguntou Tom, deslisando o frio fio da lâmina pela garganta de Scorpius, em seguida ele sentiu algo quente que escorria para a gola da sua camisa. Sangue. -Já perderam um.
Scorpius ouviu o som abafado e perturbador de quando ele bateu com o pé no corpo de Albus.
-Não ouse... -Scorpius começou, entre dentes.
-Está se oferecendo em sacrifício?
Scorpius ficou calado.
Os sussurros de "Albus" e "Potter" ecoaram no salão. Scorpius nem queria ver o rosto de Harry e Gina quando soubessem oque havia acontecido com seu filho, e quem havia feito aquilo. Scorpius quase desejou que Tom acabasse com o seu sofrimento.
-Ótimo.
Levado pelos cabelos, Riddle puxou Scorpius até que chegasse em Delphi.
-Nos tire daqui. -ele sussurrou para ela. -Agora.
Scorpius não via, mas suspeitava que Delphi deveria estar sorridente e emocionada. Tudo que ela queria finalmente havia acontecido.
  Ao menos alguém estava feliz nesse circo de horrores.
Repentinamente, Scorpius sentiu um impulso, e foi jogado para a frente. Ele caiu no chão ao lado de Albus. Quando olhou para trás, Tom estava atrás de Delphi, com as mãos nos seus ombros e um sorriso vingativo.
-Rargan! -gritou Delphi, chamando o Saoen, ela tinha um sorriso de rasgar bochechas, como Scorpius suspeitava, parecia até mais viva do que nunca.
Antes que o animal aparecesse, milhares de varinhas se ergueram no ar para atacar a dupla, contudo, algo aconteceu que empatou qualquer outro movimento. Scorpius viu Tom erguer a mão com a adaga que havia pressionado seu pescoço e a enfiar na clavícula de Delphi.
Por um instante todos perderam o fôlego. Tom segurou o corpo de Delphi, enquanto ela babava algumas bolhas vermelhas. Ele desabou no chão com ela apoiada nas suas pernas, sem aguentar seu peso quando ela tombou. Ela tentou falar algo, mas não conseguia mais.
-Obrigado pelo seu esforço... filha. -disse Tom. -Estou orgulhoso de você.
Havia um silêncio mortal na sala. Tom agora estava sozinho.
  -Albus. -uma voz tremida gritou de cima da galeria.
  Scorpius virou o rosto e viu Harry pulando da galeria e pousando aparado por um feitiço, como fizera James. Ele correu aos tropeços até o corpo do filho. Scorpius ainda não se atrevia a olhá-lo. Harry parou do outro lado de Albus e o puxou para seus braços, aninhando a cabeça do filho no seu ombro. Scorpius engoliu em seco. Tomando coragem, ele se virou e viu o rosto pacífico e pálido de Albus descansando. Parecia que estava dormindo. Mas ele não estava, Scorpius sabia. Ele nunca mais acordaria daquele sono. Nunca mais poderia falar com ele. Suas noites em claro conversando nunca voltariam a acontecer. Ouvir sua risada então... nunca mais aconteceria.
  Olhando-o, uma raiva se apoderou dele. Ele se voltou para Tom, que ainda segurava a filha, um perfeito oposto a Harry.
  -Av... -ele começou, incapaz de se conter.
  -Avada Kedavra. -uma voz falou mais alta que a dele, mas antes que o feitiço chegasse, algo o parou. Um clangor preencheu o som no salão, ecoando ainda mais pelo teto alto.
   Um piado baixinho soou. Scorpius olhou para cima, um imenso pássaro vermelho segurava em suas garras uma espada imponente. Havia sido aquilo que impedira o feitiço de atingir Tom Riddle. A ave voltou os olhos para Scorpius, olhos vivos, e na sua cabeça voltou a tocar um sino. Não, não era um sino. Era uma música. Um canto.
  -Não, ataquem ele! -uma voz gritou.
  Scorpius olhou para trás. Do canto do salão uma cabeleira ruiva se tornara um borrão enquanto corria. Surpreso, Scorpius viu Lily derrapar no chão e se postar em frente a Tom Riddle, os braços abertos em frente a ele.
  -Lily! -Scorpius ouviu Harry dizer, alarmado. -Afasta-se dele.
  Lily balançou a cabeça em negativa.
  -Não, me ouçam. Ele não é ele.
  -É a maldição Imperio. -alguém disse na galeria.
  -Não! É o Luke. -seu rosto parecia desesperado, enquanto ela lutava com as palavras. -Poção Polissuco.
  Todos pareciam ter prendido o ar. Scorpius sentiu sua cabeça girar. Ainda flutuando em meio ao caos, a ave começou a pousar, cada bater de asas soprava nos seus rostos um ar morno e com cheiro de outono. Ela pousou delicadamente, deixando a espada nas pernas de Lily. Scorpius rapidamente entendeu, era a espada de Godric Griffindor, e se era, então aquela ave era... Fawkes. Que havia desaparecido desde que Dumbledore morrera.
  A fênix, andando em passinhos gingados, foi até Luke, ou Tom Riddle  e deu uma bicada na sua mão. Um filete de sangue escorreu e imediatamente as feições de Tom Riddle foram mudando, transformando-se no rosto de Luke. Os cabelos ficaram mais claros, em um tom entre o louro e o castanho, os olhos ficaram azuis, os ombros diminuíram um pouco e as vestes pesaram nele. Não era Tom. Nunca fora.
  -O que...? -Scorpius não conseguia dizer nada.
  Fawkes voltou a andar até ele, olhou nos seus olhos e inclinou a cabeça. Ela abriu o bico e o canto soou mais alto. Scorpius não entendia como aquilo funcionava, mas sentiu-se mais calmo. Ela então olhou para Albus e soltou um lamento sofrido, abriu as asas e saiu por um buraco no teto.
  O salão caiu em um silêncio mortal. Scorpius ouviu enquanto mais bruxos pousavam no salão, mas ninguém dizia nada. Os agoureiros, esquecidos no canto, agora sem uma líder, estavam parados, meio desconectados da realidade. Pessoas procuravam por seus filhos. Ouvia James e Clary chorando, Lily havia caído desmaiada assim que avistara o corpo de Albus, e Susan, Rick e Luke tentavam ajudá-la. Atrás de Scorpius, Harry e Gina haviam chegado ao filho. Ainda assim, Scorpius não conseguia se mover. Havia acabado? Assim? E ele continuava vivo? Não merecia continuar vivo. Scorpius se sentiu ser arrastado para a frente, e então seu rosto estava encostado em algo macio, como o tecido de um casaco.
  -Não foi sua culpa. -ele ouviu o pai dizer perto da sua cabeça.
  Claro que era sua culpa. Scorpius sentiu as últimas pedras de emoção se quebrarem, e então se viu chorando encostado em Draco. Toda a realidade o atingiu como uma bola demolidora. Uma dor aguda atingiu entre seus olhos e ele não conseguia parar de chorar. Soluçava e tremia tanto que sentia dor de cabeça. Ele arfou buscando por ar, mas parecia que sua garganta estava fechada.
Draco o afastou e o segurou pelos ombros, preocupado.
Scorpius puxou ar pela boca, então o mundo se encheu de pontinhos e ele desmaiou.

***

  -Eu não sei, Potter!
  -Mas não faz o menor sentido.
  Scorpius ouvia as vozes ecoando como se sua cabeça fosse uma caixa vazia e ampla, mas também as ouvia longe e abafadas, como se estivesse emergindo da água.
  -Ele vai acordar logo, então você pergunta diretamente para ele, o que acha?
  Mas Scorpius reconheceria o tom bravo da voz do pai em qualquer lugar. A medida que foi acordando, manteve os olhos fechados. Conseguia sentir que estava sobre um chão de madeira. Ouvia o burburinho na sala acompanhado por uma tensão quase palpável.
  Em um estalo, tudo que aconteceu voltou a cabeça de Scorpius e ele ofegou. Incapaz de manter os olhos fechados por mais tempo, os abriu, encarando o teto esburacado do salão, o local por onde Fawkes havia fugido. Então ainda estava no mesmo lugar. O que só indicava que... Scorpius virou o rosto para o lado. A sua direita, coberto parcialmente por um sobretudo, um corpo se encontrava a três metros dele. Imagens correram pela sua mente. Albus sendo atingido pelos feitiços. James gritando no seu rosto. Lily desmaiando. Harry abraçando o filho que já não respirava mais. Seu pai o segurando pelos ombros antes que o mundo sumisse.
  Ele estremeceu, sentindo uma lágrima cair e se misturar aos seus cabelos.
  Bem que gostaria que o tudo sumisse.
  -Ele acordou.
  De repente, um rosto apareceu acima de Scorpius. Forçando-se a deixar de olhar para Albus, Scorpius voltou o rosto para cima. Era Harry. Seus olhos estavam inchados e vermelhos, o rosto era uma máscara de inconformação.
  -Precisamos conversar, Scorpius.
  -Eu sei. -ele se esforçou em dizer. -Eu... Acho, que posso explicar tudo.
  Harry assentiu, relanceando um olhar para o filho, para então voltar a Scorpius.
  -Eu espero que você saiba se explicar.

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