Pássaros

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  Se apertasse bem os olhos, conseguiria ver do outro lado da rua estreita e vazia, um lampião solitário, com a sua luz formando uma poça amarela no chão entre as sombras. Não fazia sentido tudo estar escuro, só podia ser de noite, mas mesmo assim teriam estrelas, uma lua ao menos, casinhas ao longo da estrada. Porém aquela não era uma rua comum, nem se quer era uma rua. Rose estava plantada na calçada do lado oposto ao lampião o observando em sua serenidade. Se houvesse a possibilidade de alguém ir até o outro lado para olha-la, ela sabia que nada veriam, as sombras eram tão espessas que pareciam fumaça a envolvendo por inteira. Ela olhou para a direita, depois para a esquerda, verificando se a rua vazia era mesmo confiável. Ousou colocar um pé no asfalto, mas o chão parecia gelatinoso, tinha aparência de asfalto trouxa, mas ao tocar era similar a uma cama d'água. Se afastou com medo, sabia que não devia ter, aquilo era só o seu consciente fazendo uma viajem, o seu corpo continuava sentado na cadeira da sala de estar da casinha. Ela esticou os dedos e voltou a os apertar contra as palmas, tomou um longo fôlego e decididamente pôs os dois pés da rua. Um barulho alto e mecânico veio da direita, como metal se chocando, se aproximava como da última vez, tremendo o chão e chacoalhando, a maria fumaça gritava como uma mulher em desespero. Rose se abaixou e fechou os olhos com força, esperando o impacto do trem que nunca a atingia.

Acordou num pulo, com falta de ar, resfolegando como se houvesse corrido muito. Ela se sentou e afundou o rosto nas mãos esperando se acalmar. Estava acostumando com essa sensação, três vezes na semana tinha que fazer isso, Delphi a incentivava a continuar tentando, mesmo que o lampião sempre estivesse lá e nada mais. Rose se levantou, com as mãos na cintura e caminhou para o janelão no seu quarto, que na verdade era o sótão, pequeno e aconchegante, o janelão estava no lugar da parede, ocupava todo aquele espaço. Ela tinha uma visão ampla de toda a floresta Nacional Shoshone, via as planícies cobertas por um densa floresta de abetos e pela manhã bem cedinho, podia presenciar o nascer do sol entre as árvores. A casa estava escondida por um feitiço, assim como Hogwarts e todas as escolas de magia, se não fosse isso os quatro andares estariam expostos a curiosidade dos trouxas. Delphi havia a levado para lá quando a casa ainda estava vazia, com todos seus vinte quartos vagos, agora estavam todos amontoados, alguns até precisavam de beliches, apenas Rose tinha seu quarto separado por ser o braço direito de Delphi e por ser seu primeiro Agouro a dar certo. Apesar disso não se sentia especial, se sentia suja, e tinha razão. Traíra sua família, os expusera em perigo, e ainda estava conspirando contra eles.

-Talvez vá valer a pena. -ela sussurrou para o seu reflexo no vidro do janelão, as vezes parecia que aquilo tirava sua privacidade, mas não, era muito alto, ninguém a veria ali. -É sua culpa, Albus, você se intrometeu, me roubou ele.

Ela se afastou do vidro, andou para trás com os olhos ainda focados em si mesma, seu reflexo já se fundindo com a escuridão do quarto. Olhou o relógio na parede inclinada, já estava quase na hora de ir jantar, mas estava sem fome e a companhia dos Agouros não era das melhores. Ficavam calados demais durante a janta, pareciam robôs comendo, não se importavam com oque viam no prato como qualquer outra pessoa. Seus olhos também os deixavam ainda mais artificiais, vermelhos como rubis e isso incomodava Rose, parecia estar à mesa com um monte de bonecos. Ela se sentou na cama, forrada de lençóis rubros, tudo era vermelho naquela casa, menos as paredes que eram de madeira. Deu um suspiro bem longo e se deitou, com metade das pernas pendendo para fora da cama. Uma dorzinha ainda a assombrava entre os olhos, do esforço que fizera para entrar na mente de Albus. A dias que tentava, mas sempre só tinha o mesmo, não entendia como ele ainda podia estar com a mente em branco, preenchida apenas com um lampião. Um rangido a fez se sentar de supetão, era a porta abrindo, as dobradiças velhas pediam por óleo a um bom tempo. Delphi estava à porta, vestida com uma camisa branca folgada, com calças de moletom vermelhas e os cabelos presos no topo, não era uma mulher elegante para ser uma líder de exercito como se esperava. Normalmente se vestia com roupas surradas e confortáveis a sua visão, mas Rose esperava algo a mais para um cargo importante como ela dizia ter. Era filha do lorde as trevas, herdeira dos aliados fieis do seu pai, dona de um exercito de Agouros, normalmente descendentes dos Comensais da Morte, devia se vestir como a dona de um império, não como uma esqueitista.

Stigma - ScorbusOnde histórias criam vida. Descubra agora