Antes mesmo de abrir os olhos, Lily já sabia que não se encontrava mais em Ilvermorny.
Lembrava-se da revoada de pássaros, e de estar a ponto de acabar seu namoro com Lorcan, quando seus pés saíram do chão. Então acordara ali.
Ali não podia ser muito especificado. Aquele lugar, que mais parecia um galpão velho poderia ser em qualquer lugar do mundo. O cheiro era enjoativo, típico de mofo cultivado por muitos anos e de paredes com infiltração.
Lily tinha noção que estava em um espaço amplo. A única lâmpada que pendia do teto lançava uma luz amarelada e fraca, mas o suficiente para fazê-la ver as escrivaninhas amontoadas de livros que se estendiam pela sala.
E estava frio.
Lily apertou o casaco ao redor do corpo, feliz por ter desistido de usar um vestido na última hora antes da Abertura dos Jogos.
A abertura.
Deviam estar procurando por ela.
Ela tateou o casaco, mas constatou rapidamente que sua varinha tinha sumido. Ótimo, pensou, também não tinha meios de se defender. Mas do que serviria também? Não seria páreo para Delphi se ela viesse atacar. A garota era a filha do lorde das trevas, devia ter estudado arte das trevas de cabo a rabo. Lily nunca se interessara.
Ela se ergueu do chão e lançou um olhar mais longo para a sala. Lembrava-se de Albus dizendo que encontraria Delphi na MACUSA, devia estar em um dos escritórios antigos. Lily olhou ao redor procurando alguma ameaça iminente, mas felizmente só haviam livros, até que alguém tossiu.
Lily saltou e colou as costas na parede. O coração parecia que ia sair pelas orelhas. Nenhum ruído se seguiu àquele. Ela respirou fundo, segurando as mãos perto do peito, sentindo as batidas no coração na pele.
-O-oi? -ela tentou.
Um movimento rápido veio da sua direita, no chão. A sombra estava se afastando, mas Lily se assustou da mesma forma e se escondeu atrás de uma escrivaninha.
-Quem está aí? -perguntou uma voz um pouco mais longe. -Quem está aí? -gritou.
Lily levantou devagar. Ouviu alguém arquejando e procurou pelo chão. Perto de um armário de arquivos, uma sombra estava deitada no chão, agarrada a um livro, como se pudesse usa-lo de arma.
-Quem é você? -repetiu.
A voz era de um menino, Lily percebeu, e brevemente familiar.
-Lily.
-Potter? -o rapaz perguntou, surpreso, e baixou o livro. -Lily irmã do Albus?
-Sim! -ela suspirou, mas voltou a ficar tensa no mesmo instante, qualquer pessoa saberia que ela era a irmã de Albus. Podia ser uma armadilha. -E quem é você?
-Luke Carrow, sou do time de quadribol!
De repente tudo pareceu mais claro para Lily. Lembrava-se dele. E também lembrava da péssima fama que ele tinha. Albus não gostava daquele garoto nem um pouco.
-Como veio parar aqui? -Lily perguntou, avançando para onde ele estava cuidadosamente.
Ele jogou o livro que segurava no chão e esfregou o rosto com raiva.
-Eu... -ele respirou fundo. -Eu vi um pássaro, daqueles pássaros pretos que estavam nos atacando, e um estava indo na sua direção, tentei te tirar do caminho, mas o bicho me segurou pela jaqueta. -ele levou uma mão as costas e tateou. -É, ele rasgou. Era a minha favorita.
-Você está aqui por minha causa? -ela perguntou chocada.
-Aparentemente. -ele olhou ao redor, como se só então estivesse percebendo onde estavam. -O que é isso? Um porão?
-Acho que é um escritório.
Lily se encostou em uma escrivaninha e tentou avaliar quão ruim era tudo aquilo que estava acontecendo. Tinha sido sequestrada pela maior inimiga do seu irmão, estava trancafiada em... algum lugar no mundo, e tinha levado uma pessoa inocente com ela. Luke estava lá porque tentou salvá-la, ele não merecia estar ali.
-Quando eu finalmente decido fazer algo bom, -Luke dizia, jogando a cabeça de leve contra o armário. -Eu sou sequestrado. Acha que vão nos matar?
-O que? Não! -Lily disse, mas não tinha certeza. -Bem, eu acho que não.
-É, você não.
-Não, nenhum de nós dois.
-Só dizer isso não vai fazer ser real.
Lily olhou-o furiosa. O que menos precisava agora era alguém pessimista colocando-a pra baixo.
-Ouça, estou muito agradecida por ter tentado me salvar de um ataque de pássaro, mas não vou deixar que você destrua minhas esperanças, está bem?
Luke olhou-a, deu uma risadinha, e virou o rosto para o outro lado, sem dizer mais nada. Lily deu as costas e começou a andar pela sala, entre as mesas, até chegar na porta. Ela tentou abrir, mas obviamente estava fechada. Então se ocupou de analisar o conteúdo da mesa mais próxima a lâmpada. Eram a maioria cadernos simples e de poucas páginas, de aparência velha e amontoados um sobre os outros.
Lily folheou um. Dentro haviam desenhos e coisas escritas desordenadamente com uma letra apressada. Algumas páginas tinham escritos completamente cortados por riscos fortes de tinta preta.
-O que é isso? -Luke perguntou, repentinamente ao seu lado.
Com um sobressalto Lily fechou o caderno com força. Fechou os olhos e respirou fundo, mas o cheiro de mofo preencheu seus pulmões e ela tossiu.
-Desculpa, não queria assusta-la.
Lily olhou feio para ele.
-Eu sei que não. -ela voltou sua atenção para aqueles cadernos estranhos. -São só cadernos, não consigo ler direito nessa luz para saber sobre oque é.
Luke pegou um e folheou umas páginas antes de espirrar e afastar o caderno do rosto.
-Isso deve ter uns cem anos. -ele esfregou o nariz com a manga da jaqueta. -Um instante. -ele puxou uma cadeira e subiu nela, levou o caderno até perto da lâmpada e leu. -"Dia 2 de fevereiro, Gosto de pensar que o velho não sabe de nada. Ele me elogia muito, diz que sou o primeiro da classe, e é claro que sou, sou o único entre aqueles imbecis inteligente o suficiente para isso." -Luke tirou os olhos do texto um instante para checar o que Lily estava pensando, mas ela só gesticulou que ele continuasse. -"Ainda assim, ouvi de um homem, enquanto visitava a Burnes e Barkes, que Albus Dumbledore se encontrava em problema com um aluno que, apesar de muito bom, incrivelmente parecia não se importar com as regras da escola. Acho que o velho está falando de mim por aí. Uma nova amiga vem me contando sobre suas saídas frequentes de Hogwarts, preciso descobrir o que ele anda fazendo. Escreverei mais depois, agora a biblioteca está ficando cheia. Contarei mais detalhes sobre Nagini depois."
Luke parou de ler com olhos arregalados.
Lily sentia que tinha a mesma expressão no rosto. Só que suas mãos tremiam. Ela olhou horrorizada para a quantidade monstruosa de diários nas outras mesas. Tudo aquilo era dele?
-Nagini? -ela repetiu, como se não tivesse ouvido direito. -Você tem certeza...?
-Tenho. -disse Luke, olhando o fim da página como se o nome pudesse fugir se ele tirasse os olhos. -Nagini. Albus Dumbledore. -ele deu uma risada que mais parecia histeria. -Você não acha que... tudo isso, é dele, não é? Isso aqui é só um diário. -ele piscou atônito e engoliu em seco. -São tantos, poderiam ser de qualquer um.
Lily puxou a barra da jaqueta dele para que descesse da cadeira. De repente sentia mais frio que antes. A ideia de Delphi trazer Voldemort à vida havia passado pela sua cabeça algumas vezes, mas agora parecia muito real. Ela foi em outra mesa e pegou outro caderno.
Este estava igualmente cheio de desenhos, mas não pareciam nada com os do outro caderno. Lily correu de volta para onde Luke permanecia parado.
-Veja esse. -ela o estendeu o caderno e ele voltou a subir na cadeira.
- "Como criar uma Salamandra Língua-de-dragão. -ele leu - "Primeiro, lembre-se de usar luvas de couro, elas parecem inofensivas, mas podem babar na sua mão de propósito." -ele parou e franziu a testa. -Isso não soa muito Lorde das Trevas para mim.
Ele folheou até a última página e seu semblante suavizou.
-Newt Scamander.
Lily respirou aliviada, talvez tudo ali não fosse de Voldemort. Mas por que Delphi teria um livro de Newt Scamander?
-Pegue outro. -pediu Luke, devolvendo.
Lily correu por outras mesas, pegando um exemplar de cada. Ela trouxe os braços cheios e os colocou sobre uma cadeira. Entregou o primeiro caderno a Luke, dessa vez ele procurou no mesmo instante por um nome.
-Gaunt? -ele franziu a testa. -Quem é Gaunt?
-É um sobrenome. -disse Lily. -É o sobrenome da mãe de Voldemort.
Luke afastou o caderno como se só toca-lo pudesse enfeitiça-ló.
-Qual é a dessa louca? Está colecionando diários de outras pessoas? -disse Luke, pegando o próximo que Lily o estendia. -Oh, esse eu conheço. Grindelwald.
-Onde ela conseguiu tudo isso? -perguntou Lily, retoricamente. -A não ser que estejamos no Ministério. Mas está tudo tão bagunçado.
Lily tinha ido algumas vezes ao Ministério, e estado em salas que outras pessoas não poderiam estar, com sua tia Hermione ou com Harry. Nenhuma parecia tão terrivelmente mal organizada como essa.
-Não acho que estamos no Ministério. -ela disse, por fim. -Talvez nos fundos do Ministério.
Luke continuou vendo os cadernos, mas se surpreendeu que a maioria dos outros eram de Voldemort quando ainda era jovem, entre eles haviam diários de pessoas como Dumbledore e Cornelio Fudge, além de alguns outros com nomes desconhecidos para Lily e Luke.
-Ela só coleciona pessoas importantes. -disse Luke, quando finalmente saltou da cadeira. -Não sei oque está fazendo, mas não importa o que seja, ela está estudando.
-Acha que ela está tentando ser como eles?
-Não sei. Acho que pode está tentando agir como pessoas fortes caso... você sabe, ele volte. -ele se jogou no mesmo canto em que estava antes, perto do arquivo e respirou fundo. -Você sempre se mete em confusões assim?
Lily riu. Uma risada não se adequava aquela sala escura, rir ali parecia quase uma ofensa para a situação em que estavam. Mas Lily não se importou, seus irmãos estavam vindo, em algum lugar, eles iam encontrar ela.
-Eu normalmente concerto as confusões.
-Eu soube que você é a mais sensata dos Potter.
-Não vou negar.
Luke riu e depois ficou quieto um instante, um longo instante, em que Lily decidiu sentar em uma cadeira velha.
-Lily, se você voltar para a sua família, e eu estiver... -ele suspirou. -Morto ou esquecido, o que seja que façam comigo. Você pode passar minhas desculpas ao seu irmão?
Lily franziu a testa, em parte intrigada com a aceitação de Luke de que iria morrer, e pelas desculpas.
-Você vai pedir desculpas pessoalmente. -foi tudo que ela pode dizer.
-É uma hipótese. -ele insistiu. -Pode fazer isso?
-Pelo que está pedindo desculpas?
Ele titubeou um pouco. Lily imaginou que ele estava pensando se ela era confiável em contar.
-Eu falei muita besteira sobre ele e Scorpius. Me arrependo. Quase levei um murro dele no primeiro dia de aula. Eu estava me sentindo mal naquele dia, e como qualquer babaca, eu descontei neles. -Luke passou às mãos no rosto e suspirou. -Eu sempre volto das férias mais irritado que o normal, e então eu brigo com alguém ou faço alguma coisa estúpida, me arrependo, mas tenho que manter até o fim.
-Por que só não pediu desculpas antes?
Ele deu de ombros.
-Orgulho?
-Você vai pedir desculpas pessoalmente, Luke. Eu vou garantir isso.
Luke riu, com incredulidade.
-E o que você pode fazer?
-Qualquer coisa. Não vou deixar ninguém sofrer consequências por minha causa.
-Eu escolhi te salvar do pássaro. -ele disse, incisivamente. -O que acontecer comigo vai ser minha culpa, não sua.
Lily olhou-o furiosamente, mas mordeu a língua antes de falar, ou acabaria xingando e esbravejando sobre a única companhia de cela que tinha.
-Só dizer isso não vai fazer ser real. -ela disse, citando o próprio.
Luke revirou os olhos, mas no outro segundo os dois estavam rindo. E então Lily começou a sentir com aperto no peito, um bolo se formando na garganta, e risadas viraram soluços, e repente ela estava cobrindo o rosto e molhando as mangas do casaco com lágrimas.
-Ei, Lil. -ela ouviu Luke chamar, mas não conseguia parar de chorar.
Estava perdida no mundo. Pela primeira vez fora da proteção dos pais. Achava que quando isso acontecesse iria ser em um intercâmbio ou uma viagem comum, mas não. Fora sequestrada. E não tinha como dar nem uma pista de onde estava.
Ela sentiu que estava sendo puxada para o chão, e cedeu a se sentar perto dos arquivos. Luke passou um braço pelo seus ombros e esfregou seus braços como se ela estivesse com frio, e realmente estava.
-Não se preocupe, não vai acontecer nada com você.
-Você não tem certeza disso.
-Não.
Lily fungou e ergueu o rosto, para ver que Luke não parecia preocupado.
-O que há com você?
Luke parou de esfregar seus braços, e Lily sentiu imediatamente o frio da sala a tocar.
-Também não se preocupe com isso. -ele sorriu.
Lily piscou atônita, de repente se lembrara que Lorcan fora a última pessoa que estivera com ela. Ele devia estar se sentindo mal.
-Com quem você estava quando te trouxeram? -Lily perguntou, usando o braço dele de apoio sem nenhuma vergonha, já estavam no fundo do poço mesmo.
-Ninguém. Eu vim com o time.
Lily franziu a testa.
-Então você só estava perambulando sem ninguém?
-É o resumo da minha vida, basicamente.
Lily se sentiu mal. Apesar de ter amigos, sempre de sentira dessa forma, se não estivesse no meio dos seus amigos, também não faria diferença.
-Você quer companhia?
Luke franziu a testa, confuso.
-O que quer dizer?
-Bem, estamos trancafiados, cheios de mofo e sujeira, podemos ser amigos de cela.
Luke riu, e dessa vez pareceu tão natural que Lily se surpreendeu. Seu sorriso brilhou naquela escuridão.
-Amigos de cela?
-Se der certo aqui, lá fora podemos ser amigos de verdade. Isso se você não começar a me ignorar assim que sairmos daqui.
-Acha que eu faria isso?
-Eu tenho certeza.
Luke não negou, realmente parecia uma possibilidade de algo que ele faria.
-Sabe, eu estou cansada de ser amiga daquele pessoal da escola. -ela admitiu. -Eles só conseguem pensar em como se destacar mais, ser o melhor, descobrir algo novo, parece que só querem isso para se tornarem importantes. Eu... eu queria ser invisível, sabe? Poder fazer qualquer coisa sem que uma matéria apareça no outro dia, condenando algo que você fez.
Quando Lily ergueu o olhar, Luke parecia nunca tê-la visto antes, ou como se só agora percebesse que ela realmente estava lá.
-Eu sei como é. -ele assentiu. -Acho que você sabe, minha mãe está em Askaban, então eu estou sendo vigiado o tempo todo.
Lily sabia, assim como sabia que seu pai havia torturado o tio de Luke após esse ter torturado a Professora McGonnagal. Pensando bem era uma amizade das mais tortas do mundo.
Luke pareceu ter lido a expressão de Lily.
-Teoricamente não podemos ser amigos. -ele disse.
-Então vamos acabar essa teoria. -ela estendeu uma mão para ele. -Amigos de cela?
Luke olhou para a mão dela, e então para ela, que o olhava cheia de expectativa. Lily temia que ele não aceitasse e risse da cara dela. Só que... por Merlin, Lily estava tão desesperada nesses últimos meses. Tinha problemas com Lorcan, com seus "amigos", a preocupação com Albus, tudo a tomara com tanta propriedade que ela sentia que não tinha nada. Era só uma casca.
Estava encarando Luke como um sinal quase espiritual. Ela nunca pensaria nele como companhia de prisão. Só que ele estava lá. E incrivelmente... ele parecia com ela.
-Tudo bem. Vamos ser amigos. -Luke apertou a mão dela, fazendo-a saltar e sair do devaneio.
-Ah, que bom que aceitou. -ela disse com um suspiro, voltando a se encostar no armário. -Pensei que teríamos que ficar até o fim com um clima estranho de "você não é meu amigo".
Luke riu de novo, ele parecia incrédulo com cada palavra que saia da boca de Lily.
-Como pode se preocupar com isso agora?
-Preciso distrair minha cabeça, ou vou ficar louca e desesperada.
Ela respirou fundo e se aproximou mais, ficando totalmente dentro do abraço dele. Encostados um no outro o frio da sala não parecia tão forte.
-Não se preocupe, Lil. -ele disse, passando um braço por ela e a ajeitando contra si. -Vamos descobrir como sair daqui.
-Os dois. -ela insistiu.
Ele suspirou.
-Os dois. -concordou.***
Intervenção da Autora 💕
Olá! A todos vocês que chegaram aqui, muito obrigada. Vocês não sabem como me faz bem saber que tiveram pessoas que resistiam aos meses de afastamento que eu tive (me desculpem também).
Mas enfim, eu queria saber como vocês estão se sentindo com a história, se algo está faltando na concepção de vocês, todas as opiniões (construtivas) serão vistas com muito carinho.
E outra...
Lily e Luke, hã?
Não sei.
E caso estejam curiosos, Lil, como Luke chama Lily, é uma abreviação de "pequena" em inglês. 💕
Volto em... 6 dias, eu acho.
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Stigma - Scorbus
Fanfiction2° Temporada de Poisonous Love Com o início do ano, uma viagem escolar seria o ponto de animação da escola. A ansiedade corria solta pelos corredores de Hogwarts. Infelizmente para alguém com o coração partido não seria tão satisfatório acompanh...