Dois Albus

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Era interessante as tardes em Hogwarts, quando o lusco fusco tocava as vidraças coloridas, deixando os corredores do castelo com um ar diferente. Para Scorpius, as cores nas paredes, cada qual com forma distinta, o lembravam de uma igreja, especialmente o recordavam St. Aiden em Solva, cidade onde seus avós moravam no litoral do País de Gales. As cores e os sons também, as tardes nos corredores eram frescas, com o vento passando pelo corredor com correntes mornas, isso junto ao entardecer e ao teto alto que ecoava seus passos, nada mais iria parecer a não ser uma igreja.
  Scorpius atravessava um após sua última aula do dia, engolindo a extensão do corredor a passos largos, ansioso para chegar ao salão comunal. Mas como sempre, sua atenção foi chamada pelas vidraças recentemente postas ali, uma adição da diretora a escola. Ele diminuiu os passos, fazendo o eco diminuir igualmente, apreciando o sopro da corrente de ar que vinha em direção oposta. Ele respirou fundo, deixando que o ar novo limpasse os seus pulmões da angústia que estava sentindo até antes daquela manhã, antes de conversar com Albus. Seus olhos pesavam, o embalo do vento era envolvente, a luz cansava seus olhos, aquela era a receita perfeita para fazê-lo dormir. Ele riu sendo forçado a abri-los, sentindo inveja dos alunos da Grifinoria e da Corvinal, que podiam desfrutar daquilo quando quisessem, era só abrir uma janela. Mal sabiam como era a sensação de morar debaixo de um castelo enorme, com paredes geladas os prendendo, com o verde e o prata os sufocando como uma cobra de verdade, sem janelas e com um fogo tão forte mas sem quentura o suficiente. Scorpius suspeitava que a intenção de Salazar era fazê-los se sentir dentro de uma cobra ou ser uma. Ele estremeceu, não gostava dessa ideia.
  Scorpius se aproximou das janelas antes de ir embora, observando brevemente um pedaço do terreno de Hogwarts, a ponta do campo de quadribol, uma das suas Torres e um pedaço da floresta que parecia nunca acabar, apesar de um dia Scorpius já ter voado por cima de boa parte dela, ainda lhe dava essa impressão. Queria ficar ali por mais tempo, mas tinha que ir e procurar a aliança de Albus. Seu estômago pulou ao pensar isso. Quando foram pela manhã atrás de buscá-las, os obrigaram a voltar no meio do caminho para almoçar e ir para as aulas logo depois. Então ele voltou a se apressar, voltando a dar suas passadas largas para o final daquele corredor, onde adentraria à escola e estaria livre de vidraças bonitas.
Mas às suas costas, no final do corredor, alguém com uma voz ampla e passos silenciosos, chamou Scorpius quando esse já chegava na última janela.
-Scorpius! -chamou-o. Malfoy se virou, mais por surpresa do que por ter ouvido seu nome.
-Por Dumbledore, Luke. É errado assustar as pessoas assim.
O outro riu, veio caminhando com as mãos para trás, olhando para as cores nas paredes assim como Scorpius havia feito, com elas refletindo nos seus olhos castanhos. Quando desviou os olhos de volta para Scorpius, esses refletiram o verde da vidraça. Seus cabelos escuros, a figura alta, e esse relance verde nos seus olhos, lembravam Albus, mas de forma mais delicada. Como se houvessem tirado uma cópia mal feita de Albus, com o rosto mais comprido, e ombros curtos, que deveriam ser mais largos para combinar com o corpo alto, só mais magro e pálido como um castiçal de vidro.
  -Acho que isso é seu. -disse soltando as mãos das costas e balançando um caderno à sua frente. Scorpius arregalou os olhos e tateou a bolsa nas suas costas, mas nenhum volume era parecido com o seu caderno, então aquele realmente deveria ser seu. Até porquê havia um grande rasgo na sua capa de um acidente com um feitiço.
  -É, sim. -Scorpius assentiu. -Como o conseguiu?
  -Estamos na mesma aula. -Luke se aproximou e o estendeu o caderno. -Devia tomar conta das suas coisas.
  -Obrigado. -Scorpius murmurou a contragosto e pegou o caderno. -Nos vemos no jantar.
  Ele já havia dado dois passos de volta ao final do corredor quando Luke voltou a falar.
  -Devia tomar conta das suas coisas Malfoy. -disse ele. -As vezes parece que você não vê direito.
  Seria pouco dizer que Scorpius ficou tenso, primeiro que a voz de Luke soou tão diferente e adulta que ele não acreditou que fosse capaz de ter saído dos lábios ainda adolescentes de Carrow. Ao se voltar para o colega, ele já havia dado as costas e ia em direção contrária, de volta para o outro lado. Mesmo assim, não deixou de causar um formigamento no estômago de Scorpius. Ele estremeceu, não tinha como ser alguém além de Luke, se só os dois estavam ali no corredor. Deu uma última olhada para fora da janela, onde o Sol já se cobria com o manto de árvores da Floresta Proibida, logo escureceria e ele ficaria parado no meio do corredor. Estava na hora de sair dali.

Stigma - ScorbusOnde histórias criam vida. Descubra agora