Orgulho

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  Era possível que já tivesse se passado mais de um dia? Para Albus parecia que havia acabado de chegar na sua cela.
  Não era bem uma cela, era um quarto de criança, com mobília roída de cupim e lençóis tomados pela traça, com janelas fechadas por tábuas e a porta trancada por fora. Quarto ou cela, ainda assim era uma prisão.
Poeira espiralava no centro do recinto, soprada por um vento sorrateiro demais para que fosse detectado. A luz de uma lâmpada fraca e velha iluminava os grãozinhos, Albus via-os um por um, seus olhos de coruja permitiam isso. O lugar cheirava a mofo e velharias. Coisas de mais de cem anos.
Só que isso não importava mais, pensou Albus, se Delphi o queria ali preso, se quisesse matá-lo, bem, já tinha conseguido tudo oque queria.
  Desde que chegara ali Albus não abrira a boca uma vez sequer para expressar oque sentia. Primeiro porque não sabia explicar, não era luto, não era raiva, não era tristeza. Sentia-se pequeno demais, como se de repente houvesse se transformado numa formiga, e agora estivesse sob o telescópio de um cientista lunático. Segundo, porque não sabia como dar aquela noticia aos seus amigos.
  Entre todos, Clary era a mais calma, estava sentada no chão poupando energia. Susan havia parado de chorar há pouco tempo; Rick tentava, sem êxito, tirar as tábuas da janela; James chutava a porta e tentava procurar pelo quarto objetos que fossem usados como armas, porque, óbvio, estavam sem as varinhas; e tinha Simon, sentado num canto da cama, com a cabeça apoiada nos joelhos.
  Estavam todos lá. Bem, quase todos.
  Quando Albus acordou pela primeira vez, foi recebido com uma série de perguntas, mas quando ele não respondeu nenhuma delas, todos se afastaram, notando algo de estranho nele. Desde então ele estava empoleirado sobre uma estante de livros velhos e empoeirados, assistindo lá de cima o comportamento tenso dos seus amigos, que vez ou outra laçavam-no olhares curiosos e sussurravam coisas achando que ele não os ouvia. Eles perguntavam por Scorpius sem parar. Perguntavam-se se ele fora levado por Delphi para outro lugar, se havia sido mais um capricho de Rose. Albus queria gritar que não. Rose não tivera parte nenhuma nisso, ao menos ele achava. Outra vantagem de poder se transformar em coruja era o limite de emoções, sentia fome, sede, sono, e um cansaço extremo, que devia ser por onde todas suas emoções se canalizavam.
  Àquela altura Scorpius já devia ter sido encontrado por um bando de trouxas, que anunciariam no jornal da manhã que um garoto havia sido encontrado aos arredores de Manhattan. Um garoto de cabelos loiros como fios de prata, olhos cinzentos com pequenos pingos de nanquim ao redor, vestido com uma camisa branca, que já devia estar vermelha, porque nenhum ser humano que caísse daquela altura... Albus sentiu o peito apertar, apertava e doía tanto que transcendera  a  dor física. Ele soltou uma lamuria baixinha, chamando atenção dos seus amigos sentados no chão. Em outras épocas, um piado daqueles seria considerado um mal agouro.
  -Albus? - chamou Clary, carinhosamente. -Por que não desce e fala com a gente?
  -Estamos preocupados com você. -completou Rick.
  Albus ergueu os olhos para Clary. Adoraria falar com ela, sozinho. Mas não tinha essa opção. Ele e Scorpius tinham levado todos eles aquele lugar. Era sua obrigação contá-los. Scorpius faria o mesmo por ele, ele pensou melancólico.
  Enfim ele se ergueu sobre as patas, doloridas por ter passado tanto tempo encolhido para si mesmo, e pulou do armário. Caiu no chão como ele mesmo, o que foi sem duvida um erro. Seu coração martelou tanto que ele achou que iria morrer. Sua mente criou imagens que havia salvado por um dia inteiro. Ele cambaleou, e Clary correu para segura-lo.
  -O que aconteceu? -Clary sussurrou.
  Ele parou por um instante se recuperando, tentando silenciar todos os pensamentos que o bombardeavam com perguntas e lembranças. Lembrando-o que o seu último beijo havia sido atrás da árvore naquele mesmo dia, que Albus brigara com ele, o cheiro dele que Albus já não se lembrava mais porque nunca se preocupara em perdê-lo. Seus olhos se encheram de lágrimas, assustando Clary. Ela o abraçou apertado, oque só fez doer mais.
  -Al? -chamou James, tão confuso que pareceu gentil aos olhos de Albus.
  James se aproximou do irmão timidamente, e pousou uma mão na cabeça dele.
  -Ele morreu. -Albus conseguiu sussurrar.
  No abraço, ele sentiu Clary ficar tensa e paralisada. James arregalou os olhos e, lentamente, puxou Clary e Albus em um abraço, como se não soubesse mais o que fazer. E como se desse conta, Albus pensou, que todos eles poderiam morrer.
  O silêncio na sala era muito profundo para que Rick, Susan e Simon não tivessem ouvido. Susan voltou a chorar imediatamente, buscando apoio em Rick, que sentia uma lágrima descendo vagarosamente pela bochecha.
  Na ponta da cama, Simon colocou o rosto entre as mãos, mas já não precisava mentir, só precisava fingir pelo tempo necessário.

Stigma - ScorbusOnde histórias criam vida. Descubra agora