O problema era... como?

348 42 5
                                    

  No meio da colina verdejante, uma casa se erguia cor de madeira escura. A casa tinha cinco andares, no mais alto: o sótão de teto triangular fazia sombra sobre as árvores, e um janelão panorâmico. Do lado de fora, não era possível ver atrás do vidro, apenas o reflexo, como a superfície de um lago escuro.
  Lá longe, onde a colina descia, uma profusão de abetos cresciam imponentes, como setas verde-escuras. Mais a diante, corria uma trilha brilhante do lago de Beartooth, adornado de pedras brancas, como as dos picos que coroavam a reserva.
  Por mais que a paisagem fosse encantadora, a garota diante a janela do último andar não parecia tão surpresa. O rosto tenso e cheinho da menina se suavizou quando virou e caminhou em direção a cama, com os pés descalços no chão frio.
  -Por mais que eu tenha me esforçado todos esses anos para ficar em primeiro lugar, -ela disse para si mesma, passando as mãos nos cabelos vermelhos como fogo. -Eu continuo sendo burra.
  Ela se sentou na beirada da cama, sentindo o fulgor dos raios de sol esquentarem seu rosto. Os cabelos encaracolavam com a umidade e caiam em cascata sobre as costas. Estava vestida com uma vestido de alças preto, feito para alguém maior que ela, a barra tocando o chão. Rose respirou bem fundo, sentindo a garganta doer e coçar. Se levantou e andou em círculos pelo quarto, segurando as lágrimas nos olhos. Ainda ouvia os ecos dos gritos de Delphi de mais cedo, quando brigaram. Rose achava desnecessário entrar na cabeça dos garotos, Scorpius e Albus, porém a opinião de Delphi era bem diferente da sua. Ela queria rastrear seus passos, ver através dos seus olhos. E queria mais esforço possível de Rose.
  Cansada, Rose sentou-se novamente diante da janela, imaginando como algo tão bonito podia parecer tanto uma prisão. Queria ser um dos agoureiros escondidos entre os ramos das árvores. Queria ter desistido de tudo aquilo desde o início, mas já estava no meio do caminho, teria que terminar a jornada. Ela olhou para baixo, à alguns metros, dois meninos treinavam feitiços, um parecia ter vinte, o outro tinha feições mais delicadas e jovens, ela supôs que ele tivesse quinze. As varinhas em prontidão, apontadas para o peito um do outro, mas em seus movimentos não existiam emoções. Nenhum ato parecia de vontade própria, seus olhos desfocados nem viam o outro. Mais alguns metros à direita, sentada sob uma árvore, Delphi assistia o duelo. Um sorriso brincava nos seus lábios, parecia satisfeita com os garotos. Rose tocou o vidro, senti-o frio sob os dedos. Desejava poder pará-los dali mesmo.
  Ela fechou os olhos e uma lágrima caiu pelo rosto. Seus joelhos cederam e ela caiu no chão, o vestido de espalhando ao seu redor. De repente, sentia-se tão arrependida que o choro não conseguia ficar preso no peito. Ela chorou até soluçar, parada em frente ao janelão, vendo os garotos lá embaixo.
  O mais velho fez um triangulo no ar, disse alguma coisa e um jato rosa de luz disparou em direção ao outro. Antes do raio chegar, o outro bruxo girou a varinha e um escudo transparente ricocheteou o raio, que  que se voltou para onde tinha vindo, acertando o menino e o impulsionando para longe. Ele caiu a dez metros, como um boneco de pano e ficou inerte no chão.
Delphi se levantou. Rose acompanhou com os olhos, enquanto Delphi caminhou lentamente até o garoto caído. O mais novo ficou parado, os braços rígidos ao lado do corpo, e os olhos duros em um ponto fixo. Parecia não ter vida, Rose estava quase acreditando que eles realmente não tinham.
Delphi parou ao lado do corpo, olhou-o e depois levantou o rosto para o céu como se procurasse alguma coisa. Rose se perguntou oque ela esperava ver. Esfregando os olhos e fungando, Rose desanuviou os olhos para vê-la com mais atenção.
Uma sombra se agigantou sobre ela, num formato disforme. Ela sorriu, coisa rara de se ver. Rose se encolheu, qualquer coisa que fizesse Delphi sorrir não era bom. A sombra aumentou, devia estar baixando, cada vez mais, até estar no nível do último andar onde Rose podia ver perfeitamente. Uma nuvem de pássaros negros se amontoavam, grasnando e se batendo um nos outros de vez em quando. Delphi abriu os braços e eles desceram mais, um deles puxou uma fila de pássaros e logo todos eles giravam em um círculo ao redor dela, se enroscando como a concha de um caracol.
Delphi gargalhava, os braços bem abertos para cima, os cabelos presos atrás, vestida com uma camisa de flanela preta e calças jeans escuras. Ela parecia normal se não estivesse rindo debaixo de milhares de pássaros.
Rose não precisou de muito esforço para distinguir que tipo de pássaro eles eram. Agoureiros. Era de se esperar.
Ela se concentrou, dessa vez com todo ódio que sentia no peito. Pensando na sua mãe, na decepção de toda a família, em Delphi tê-lá enganado tão bem, na culpa que sentia por Albus e Scorpius. E o mundo sumiu ao seu redor, como jogar água numa tela de tinta guache.

Stigma - ScorbusOnde histórias criam vida. Descubra agora