Do meio da floresta

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  A manhã seguinte em Hogwarts foi cheia de sussurros pelos corredores e olhares curiosos. Ninguém sabia exatamente oque tinha acontecido no Ministério, apenas algumas bocas faziam teorias parecidas com a realidade, mas sempre erravam em algum quesito.
  -Soube que prenderam alguns Agoreiros e Scorpius virou um pavão!  -dizia um.
  -Albus foi levado para depor e dizem que enlouqueceu. -dizia outro.
  -Draco e Scorpius Malfoy confrontaram um inimigo durante uma reunião no ministério... dizem que foram os Potter. -completavam.
  Pela tarde, Albus já estava cheio de ouvir as fofocas sobre si mesmo, e ter que fingir que não as ouvia era um tormento. As vezes, queria voltar-se para quem quer que estivesse falando e lhe jogar umas verdades na cara, mas Scorpius sempre o segurava pela camisa, dava-o um beliscão ou sussurrava:
  -Vai dar mais motivos para eles ficarem falando?
  Albus enfim desistia das suas tentativas de rebelião. E no fim do dia estava tão exausto que pela primeira vez, pensou em Hogwarts como um lugar onde não queria estar. Mas também não queria estar em casa. Queria sumir por algumas horas.
  Quando entrou no dormitório e deixou-se cair na cama, sentiu seus músculos relaxando, agradecidos. Scorpius entrou logo depois, jogando a mochila no canto da cama e exalando todo ar que podia.
  -Eu não aguento mais. -disse Albus, puxando os cabelos. -Como meu pai aguentou todos esses anos com isso?
  Scorpius soprou uma risada.
  -Albus, ele tinha que aguentar.
  -E eu não tenho?
  -Seu pai tinha o meu pai infortunando-o todos os dias, mas tinha amigos tão fortes quanto, não tinha outro lugar para ir a não ser Hogwarts. Claro que você não tem que aguentar nada.
  Albus levantou-se de supetão e sentou na beirada da cama, de frente para a cama de Scorpius.
  -O que quer dizer? Que eu tenho que desistir?
  Scorpius deu de ombros, parecia cansado, como se não tivesse dormido os suficiente.
  -Você quer saber, Albus? Estamos fazendo isso, de enfrentar Delphi, não porque somos corajosos, nem porque precisamos.
  -Do que você está falando? -Albus franziu a testa, ao que Scorpius respondeu com um sorriso.
  -Somos só adolescentes tentando se rebelar e provar que somos tão bons quanto nossos pais heróicos. -Scorpius suspirou e deitou-se na cama. -Você quer provar que é incrível como seu pai, que mesmo não sendo da Grifinoria tem a bravura de um leão. -ele sorriu, como os bêbados sorriem, e como os muito sonolentos sorriem. Com os olhos já se fechando e a respiração custando a fala. -Mas somos cobras, Albus. Cobras não são corajosas. Elas atacam quem atacam elas por pura defesa. E se estiverem com fome. -Ele abriu um olho cinza para Albus, refletindo o verde nas cortinas penduradas no dossel. -Os leões atacam. As cobras esperam. Você quer ser os dois... não pode ser os dois.
  -Você já está falando bobagem, Scorpius. Vá dormir.
  Albus levantou e o ajudou a tirar as botas, empurrou suas pernas para cima da cama e desatou a gravata. Quando Scorpius já estava bem despojado e com um cobertor até o queixo, Albus se deu por satisfeito e saiu do quarto.
  A Sala comunal estava quente. O fogo verde na lareira lambia as paredes de pedra como se quisesse se libertar. Estava vazia, porque era hora do jantar, mas Albus não estava com fome para subir e comer. Mesmo que as ideias de pudim com creme fossem tão boas que fizessem seu estômago doer.
  Ele se sentou no chão, apoiado no sofá e de frente para a lareira. Ali era confortável, e quente, e o embalou no sono, ao som as brasas estalando na lareira.

  Albus acordou algumas horas depois. Simon estava sentado ao seu lado, e Rick do outro. Susan se encontrava perto da lareira, olhando o relógio sobre o console.
  -Até que em fim. -disse Rick com um sorriso. -Pensamos que teríamos que esperar até amanhecer.
  Albus ajeitou-se e apertou os olhos para os amigos.
  -Por que não me acordaram?
  -Você e Scorpius pareciam cansados demais hoje. -respondeu Susan. -Não quisemos atrapalhar.
  Ela pegou de cima do console uma bandeja e passou-a para Rick, que a colocou no colo de Albus. Ali tinha um sanduíche de bacon, uma fatia do pudim que ele tanto desejava, dois copos de suco de laranja e um potinho com alguns morangos cortados com açúcar por cima. Seu estômago roncou quando sentiu o cheiro do bacon.
  -Vocês são uns anjos. -disse Albus, pegando o sanduíche.
   Susan afastou-se da lareira e sentou de frente para ele. Seus cabelos dourados pareciam mais brilhosos naquela noite, com cachos nas pontas. Ela já vestia um pijama de mangas longas e usava um apetrecho novo.
  -Belo colar. -comentou Albus, apontando a correntinha com um pingente de flor. -Aniversário de namoro?
Ela balançou a cabeça.
-Kev me deu. -Susan abriu um sorriso, mas imediatamente balançou a cabeça voltando a expressão neutra. -Mas não viemos aqui falar disso.
-Você sabe, -interviu Rick. -Desde ontem que não conversamos, você e o Scorpius fugiram das perguntas...
-Oque é completamente compreensível. -acrescentou Simon.
-Sim, sim. Totalmente. Só que não tivemos tempo de conversar e... hum, queríamos saber o que aconteceu de verdade.
Albus deu duas mordidas cheias no sanduíche e deixou-os esperando um pouco antes de começar a explicar sobre tudo no dia anterior. Lhes falou da transformação, de como quase matou Scorpius, mas evitou falar que seu pai havia brigado com ele na língua das cobras, não queria que se espalhasse mais. No fim ele já tinha acabado o sanduíche.
-Então... basicamente tudo que estão dizendo é verdade. -concluiu Simon. -Você é uma cobra.
Albus sentiu o estômago revirar, já era a segunda vez que diretamente lhe chamavam de cobra no dia.
-É, pode-se dizer que sim. Mas... -ele deixou a bandeja de lado e respirou fundo. -Amanhã eu vou fazer meu "cadastro" como animago.
-Seria muito eu pedir para ver como é? -perguntou Rick, levando um chute de Susan. -Aí! Calma. Se ele não quiser não faz.
Albus riu e fez que sim com a cabeça. Lembrando então que não os contara sobre Cariad, sua metade animal.
-Eu não sou uma cobra. -declarou. -Sou uma coruja.
Susan piscou confusa.
-Acabou de nos dizer...
-Sim. Eu fui uma cobra, me transfiguravam numa. Mas meu animago é uma coruja.
Os três arregalaram os olhos. Simon assobiou baixinho.
-Você é uma coruja.
-Espera! -disse Susan. -Você é a coruja do Scorpius?
Albus balançou a cabeça. Rick bateu as mãos como se pegasse algo no ar.
-Eu sempre soube que ele nunca teve uma coruja!
Albus riu e se preparou por dentro. Virar a coruja era como o estado entre sono e o acordado. Era relaxando todos os sentidos até que seu corpo tomasse uma nova forma. Ouviu o arquejar dos amigos, mas não abriu os olhos até sentir que podia. Quando o mundo estava gigante, ele soube que tinha dado certo.
-Por... Dumbledore. -disse Simon, levando uma mão à boca.
-Cariad.
  Uma voz chamou à porta do dormitório. O nome, desde o momento no Ministério, carregava um sentido muito mais forte. Albus piou em resposta.
  -O que você está fazendo aqui? -perguntou sonolento. Scorpius passou os olhos pelos amigos chocados, e para a bandeja na frente da coruja, foi então que caiu a ficha. -Você contou a eles.
  Albus soltou um piado muito mais longo, para lhe dizer que sim, então alçou voo até o ombro de Scorpius. Susan foi a primeira a levantar, seus olhos iam do rapaz para a coruja e ela parecia trêmula.
  -Vocês estão nos escondendo isso a muito tempo?
  Scorpius fez que sim com a cabeça.
  -Desde o início das aulas.
  -Vocês... não confiam na gente? -perguntou Rick, a voz levemente ferida. -Não teríamos contado a ninguém.
  -Não podíamos arriscar. -respondeu Scorpius, usando uma mão para afagar as penas da asa de Albus. -Já não era bastante todos os problemas que tínhamos nos metido? E agora um animago sem permissão? 
  Albus arrepiou as penas, era compreensível porque animais gostavam de afago. Era como se Scorpius estivesse mexendo nos seus cabelos.
  -Vamos, Albus, sua demonstração já foi. -disse Scorpius quando percebeu os olhinhos pesados da coruja. -Não durma aí.
  Albus estalou o bico e pulou do ombro de Scorpius. Caiu no chão já como um menino. Uma pena branca saiu flutuando quando alcançou o chão, e Scorpius a pegou no ar.
  Os outros três tinham olhos arregalados e não sabiam oque dizer, era o seu primeiro contato com um animago e ver alguém virando um animal era diferente de uma transfiguração. Um animago não escolhia o animal que se tornava, Albus era uma coruja de verdade, era o seu interior.

Stigma - ScorbusOnde histórias criam vida. Descubra agora