- Visita, Jullie.
Ouvi a porta se fechando logo depois de uma voz feminina anunciar a chegada de alguém.
Não é muito comum, pra mim, receber visitas... chega a dar um certo medo, mas ficar enrolando não vai fazer com que a tal visita vá embora.
Para minha sorte, eu estava bem hoje. Sem chateação aparente... a noite havia sido ótima, porque simplesmente dormi. Não conto, mas...uma pessoa que sofre esses tipos de transtornos, dificilmente tem uma noite embalada e tranquila de sono.
Pois bem, roupas trocadas, devidamente apresentável para receber alguém. Abri a porta sorridente:
- Bom dia!
E uma mulher de meia idade se levantou do banco de espera posto no corredor, justamente para esses acontecimentos. Felizmente ou não, o banco par de meu quarto devia estar bem empoeirado.
- Bom dia... Jullie não é?
A mulher carregava consigo uma bolsa vinho. Vestia uma calça lisa, uma blusa xadrez de frio e havia um óculos pendurado em teu pescoço.
- Isso, quer entrar?
Devem estar pensando: "ingênua, como deixa uma desconhecida entrar tão fácil em teu quarto?"...oras, sou mesmo, quietos.
Quando passou por mim com um sorriso agradável em teu rosto, pude notar que portava um aroma estranho, mas não tão desconfortável...era algo como roupa estocada a séculos no guarda-roupa, e um perfume amadeirado pra camuflar o cheiro mofado, presumo.
- Bem, você sabe meu nome...mas, eu ainda não sei o seu.
Torci meus lábios, me virando para a mesma assim que fechei a porta.
- Me chamo Clarice Devenport...
Devenport...Devenport... Isso me é familiar... deve ser coisa de minha mente avulsa. Me sentei à beira da cama e a chamei pra sentar comigo. Assim o fez. Pigarreiei para dar continuidade ao assunto.
- Certo, senhora Devenport. Eu, posso saber o que quer comigo? Olha não me entenda mal... eu não quero ser rude. É que, faz um tempo que não recebo alguém e...
- Entendo sua desconfiança e curiosidade, minha menina.
Que porra é essa? Porque esses olhos cheios d'água ao falar comigo? E essa intimidade?
- Então...
Minha expressão era de ainda mais desconfiada e meio puta por essas coisas bizarras acontecerem comigo.
Ela continuou:- Bem, vou ser breve. Te vi, pela última vez, quando ainda era um bebê. Te peguei no colo, e a vontade que não cabia em mim era a de te ter para vida toda ao meu lado, poder ver-te crescer, poder ajudar em tua criação...
Nós na garganta. Leve sensação que isso não daria em algo bom. Senhora Devenport ja deixava escapar algumas lágrimas discretas. E minhas mãos brincavam entre si impacientes e trêmulas. Continuei a prestar atenção.
- Mas, a vida é repentina...e num piscar de olhos nossos caminhos seguem outro rumo. Eu conheço tua mãe, aliás, conhecia.
Doeu, não minto. Respirei profundamente e ela notou meu desconforto.
- Desculpe... Não vou dizer o que sabe, ela era uma mulher incrível, guerreira, sempre quis teu bem. Sempre sacrificou as vontades dela, pelas tuas. Você sem dúvidas era tudo pra ela, tudo que ela tinha de mais precioso.
Enquanto ela falava de mamãe com admiração, sentia as palavras como vários cruéis tapas na cara. Como pude ser tão hipócrita a ponto de pensar que ela não me amava? Abaixei meu olhar enquanto a ouvia.
- Jullie, ouça bem... você sabe que tem um pai. Sabe, que ele não foi o que deveria ter sido para você e para tua mãe. E eu não acho que algum dia vá ser.
Engoli seco qualquer coisa que impedia-me de chorar. Mesmo em prantos, ousei-me:
- Desculpe senhora, isso é ser breve? Está tocando em machucados mal cicatrizados... e ainda não sei o porque da sua vinda até aqui.
A olhei séria e firme em minhas falas.
- Calma, Jullie. Perdoe minha enrolação... Serei mais direta. Seu pai, quando te deixou, me levou com ele. Sua mãe, proibiu qualquer aproximação da nossa família com a sua. Eu morava com vocês, no seu nascimento.
A ruiva levantou olhando a janela, não podendo encarar meus olhos. Ainda estava tudo confuso... até que:
- Larry Devenport, seu pai...tem uma irmã. Eu.
- Ta dizendo que você é minha tia?
- Eu jamais quis te deixar, jamais, Jullie.
- Eu... não sei o que quer ouvir. Eu esperei por alguém que falasse do meu pai a anos, que pudesse fazer com que ele me notasse. Esperei por tias, esperei por primos, por família... sabe?
Nota-se que estou frustada? Era pra eu estar feliz? Não. Não. Quem ela pensa que é?
- Acalme-se, por favor - pedia-me - eu quero ser sua família. Eu quero te tirar daqui, cuidar de você como sempre quis.
- Me tirar daqui pra que? Para ser rejeitada? Acha que é assim?
Alterei um pouco meu tom de voz, pelo nervosismo e incredulidade do momento.
- Não! Não! Pare... olha, você só tem o lado de seu pai agora, eu achei que se eu viesse...
- Tudo ia ficar bem? Você me tiraria daqui, e eu viveria feliz com você, porque você tem um sonho escroto de criar uma débil mental que seu irmão negou a assumir? Vá embora, por favor, senhora Devenport.
Me dava refluxo de falar a última palavra da última frase. Agora tudo tinha ficado claro, sabia que conhecia esse maldito sobrenome.
- Ta bem! - se rendeu - eu irei. Mas por favor, fique com isso...
Tirou de sua bolsa uma foto, e era a mesma que havia deparado no consultório de Dra. Mitchell a alguns anos. Diferente da última vez, apenas desviei meu olhar da imagem, deixei que ela colocasse em cima da cama. Segurei meu choro, mordendo meus lábios com tanta força que talvez deixariam marcas.
- Eu vou voltar, vou conquistar você Jullie. Vou me redimir. Eu ainda te amo, minha pequenina...
Saiu. Tentei normalizar minha respiração enquanto batia um de meus pés no chão, tremendo de nervoso. Encarava a foto, distante. Sentia meu coração querer sair pela boca. Não posso ver, ou não quero?
Como ela pôde? Eu não posso surtar.
Mesmo sabendo, que ele foi o canalha da história, ainda me sinto culpada, por ter nascido, por respirar até hoje. Isso é errado, eu sei... mais errado ainda, foi essa maldita foto ter parado no meu quarto.Banheiro. Meu único refúgio. Corri, entrei, e me fechei. Sentei dentro do box, esperando alguém entrar, ou a foto criar asas e voar pra puta que pariu. A realidade é dificil de encarar né? É ... por isso eu prefiro ser maluca, viver no meu mundo de faz de contas perfeito.
- Sem feridas. Sem tristeza. É mentirinha!
Tentava me convencer do contrário da situação. Eu devia estar num sonho ruim, isso não existiu. Nunca.
Por mais que eu tentasse negar, sabia que não fugiria. Não acordaria. Não escaparia dessa merda de vida real.
- Ju?
Max abriu a porta do cubículo em que eu me escondia... meus olhos estalados não me deixavam focar em teu rosto. Era como se eu conseguisse somente ouvir tua doce voz.
- Calma...
Me abraçou, acariciando meus cabelos enquanto ainda estava em um transe profundo de uma crise paranóica.
Max podia ter somente 9 anos, mas conseguia me entender como ninguém, sua inocência e bondade me trazia paz. E era somente isso que eu precisava naquele momento.
Abracei-o de volta. Silêncio.

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PsicoLove.
Teen FictionJullie Martins, atualmente com 18 anos, passa por poucas e boas em uma clínica psiquiátrica. Foi diagnosticada, aos seus 14, com transtorno bipolar e infantilismo. Sua situação nunca foi das melhores, mas as coisas tomam um rumo diferente, momentos...