- É amanhã... - Larissa comemorava pulando comigo no pátio.
Recebíamos olhares reprovadores em relação a nossa loucura matutina, entretanto era o que menos importava naquele momento. Larissa tinha acabado de voltar de uma noitada aparentemente satisfatória, com as boas novas.
- Lucy me disse pra nos prepararmos. A alta será de manhã, após o café.
- Han, fala mais! – balbuciei maravilhada.
- Deixa seus pertences arrumados...
- Como ela conseguiu? Vocês dormem juntas? – questionei curiosa.
Ela sorriu dissimulada e revirou os olhos.
- O assunto não é esse – chatinha – ela deu um jeito, ta tudo certo, os papéis já estão prontos.
- Eu quero ser madrinha do casamento de vocês!
- Acha que iremos querer uma maluca de madrinha? – pausa dramática – SIM, VOCÊ ESTÁ CERTA.
Descontraímos sorrindo.
- Vai pro seu quarto, descansar... Amanhã será um dia novo, dia em que renasceremos, dia que a nossa vida vai realmente começar! – discursou poeticamente.
- Meu, isso só pode ser uma brincadeira.
- Quem dera todas as brincadeiras fossem assim.
- Concordo! To ansiosa pra viver, pela primeira vez na vida.
Larissa sorriu serena concordando com o que disse. Lucy passa sobre nós nos cumprimentando:
- Meninas! – assentiu em cumprimento, piscou discretamente pra Larissa.
- Enfermeira – falamos unissonamente em reciprocidade.
Larissa cochichou após a passada da mulher:
- Ela é sensacional. JULLIEEE!!!
Olhei-a espantada.
- Ela me deu uma dedada essa noite que eu me apaixonei.
Gargalhei.
- Você é intragável sabia? – caçoei.
- Ai – resmungou – para de ser chata.
- Não é chata... é só que... detalhes demais né?
- Ta, ta! – respondeu – mas que é gostosa é...
- Quando foi que ficou tão safada assim?
- Quando for a pessoa certa, você vai amar também...
Foi a pessoa certa. Eu amei. E ela foi embora, transar me deixou sequelas sentimentais.
- Ou! – estalou os dedos em frente a meu rosto para que me despertasse do transe.
- Aiii! Que é?
- Você é toda estranha.
- Novidade? – retruquei lamentosa
- Ta tudo bem??
- Claro! Sairemos daqui... Isso me basta!
- É isso ai.
- JULLIE, VENHA TOMAR BANHO. – uma das cuidadoras me chamou “carinhosamente”.
- Tenho que ir, magrela.
- O dever te chama – piscou – até mais.
Beijei sua testa e sai dali indo em direção a meu dormitório.
- Oi.. – uma voz fraquinha ecoou de um canto do quarto.
- Emy... – sorri fraco, indo em sua direção – Como você ta?
- Eu to bem, quer dizer... – ergueu seu braço – cheia de curativos e dores
- o que aconteceu? – Toquei sua mão suavemente.
- Novos remédios, é complicado... mas ta tudo bem agora, desculpa ter te assustado?
- Ta tudo bem, o importante é que você ta aqui, e ...sem babar.
Rimos. Ela apertou minha mão, a olhei.
- Obrigada, que sorte ter uma parceira de quarto assim.
- É... – ai que droga, pra que ter sentimentos? – Olha...
- Sim... – cariciou minha mão carinhosamente.
- Eu não vou mais ser sua parceira de quarto... eu queria te dizer isso amanhã, mas amanhã eu não vou estar aqui, eu sinto muito.
Torci meus lábios e sua fisionomia mudou drasticamente, prantos silenciosos percorriam sua face.
- Ei, não chora... – limpei com o polegar uma lágrima teimosa.
- É... felicidade, to feliz por você – riu fraco – vou sentir sua falta, marrenta.
- Eu também – a abracei cautelosamente sorrindo com os olhos marejados, NÃO CHORA JU, CARAMBA!
- Hum, a coração de aço chorando??? – zombou.
- A vida tem dessas né... – limpei minhas lágrimas assim que desapeguei de seu abraço.
- Você é boa!
- Você também... – suspirei – Agora vamos mudar de assunto que até amanhã tem chão ainda.
Ela concordou.
- Deita aqui comigo!
- Claro... – porque não? Deitei-me a teu lado.
Coloquei meu braço embaixo de sua cabeça, e com as mãos acariciei seus cabelos, ficamos assim, sem falar nada, só se curtindo... Foi bom, muito bom. O banho podia esperar.
...No dia seguinte...
- Ju, Ju... – ecoava na minha mente, com a sensação de estar distante, eu estava acordando... droga, quem?
Abri meus olhos, sonolenta. Larissa estava a minha frente me chacoalhando.
- Está na hora, acorda!
- Hora? De que? – cai na real – AAAAAAHHH!!!!!
Me levantei rapidamente, empolgada. Sentei e Larissa me deu um prato com torradas e um copo com leite. Fez sinal de silêncio com o indicador em frente a teus lábios, jogando a cabeça na tentativa de apontar pra Emilly a dormir.
- Ah sim... – sussurrei – Desculpe...
Comecei a comer rapidamente, minha fome maior era a de colocar meu pé pra fora daquele lugar... pé não, o corpo todo!
- Dormiu bem?
- Sim, maravilhosamente, como um anjo. E você?
- Dormi também – sorriu fraco.
- Ta tudo bem? – minha vez de perguntar
- Sim, to meio receosa de sair assim, com uma garota que mal conheço. – Deu de ombros
- Larissa? Essa mulher ta mudando a sua vida, ta dando o primeiro passo que nem sua família deu. Não fica assim, se gosta dela, considere TUDO que ela tem feito, e vai ser feliz – toquei sua mão amorosamente.
- Você tem razão... – Sorriu mais confiante – É isso! Agora...se apresse, estaremos te esperando no pátio.
- Vamos a pé?
- Lucy tem um carro – falou presunçosa.
- A Lucy tem um carro – imitei ela com voz fina tirando uma.
Apontou o dedo médio em minha direção saindo do quarto com um riso sarcástico.
Me levantei, coloquei o copo no criado mudo e fui terminar se colocar as bonecas na bolsa ligeiramente. Corri pro banheiro lavar o rosto e fazer as higienes diárias.
Nunca me arrumei tão empolgada pra nada antes. Minha felicidade transbordava. Queria saber onde ficaríamos quando saíssemos, porque isso não foi conversado. Quero logo ter dinheiro e morar sozinha. Que ansiedade!!!!!
Terminei rápido, coloquei a roupa com a qual cheguei aqui a anos atrás, era a mais nova e mais bonitinha! Um pouco diferente do meu gosto atual mas... da pro gasto.
- Pronta? - as duas me olharam sorridentes.
Rufem os tambores, abram espaço, estamos passando. PASSANDO PRA NUNCA MAIS PASSAR DE NOVO.
- Sim!!! – disse encontrando me aproximando das meninas.
- Então vamos.
E assim começamos a caminhar para a saída do “pequeno pedaço de paraíso”, Lucy entre nós duas como acompanhante responsável, e todos em volta nos olhando, uns sem entender, outros com inveja, eu sentia. O percurso passou em câmera lenta, e eu quase podia ouvir “We are the champions” tocar no fundo, era mesmo o acontecimento do século. Vocês imaginavam isso? Eu aposto que não. Durante o caminhar até o portão principal um filme passou em minha cabeça, como seria se eu saísse daqui com minha mãe segurando minha mão, ou me esperando no carrinho surrado dela. Como seria se eu tivesse saído acompanhada com Max e Bianca direto pra casa deles. Ou se eu tivesse ido com minha tia, onde eu estaria? Estaria tão feliz quanto agora? E se eu fugisse com Milly, já teria dado tempo suficiente pra sermos pegas? Independente de quantas oportunidades tive, perdidas, to contente com a que vingou. Esbocei um riso singelo ultrapassando a delimitação entre o manicômio e a liberdade.
- LIVRESSSSS!
Larissa gritou puxando eu e Lucy pra um abraço coletivo e vitorioso!
- Até que enfim.... – Suspirei aliviada.
- Para casa, meninas... – Lucy se pronunciou.
- Sim, lar. – Larissa entrelaçou sua mão junto a dela, e as duas passaram a caminhar juntas.
Eu fiquei do lado de Larissa, feliz pelas duas porém pensando na sobra que eu ia ser na casa delas. Lucy era bem madura por ter somente 25 anos, cuidava bem de seu trabalho, tinha um carro, e se envolveu tanto com Larissa que assumiu-a pra Deus e o mundo... Assumiu a desmiolada da Larissa, que só tem 19. Balancei a cabeça negativamente conversando com meu eu.
- Ouviu Ju? – Lucy perguntou. Ouvi o que?
- O que? – Retruquei perdida.
- Estávamos pensando em pegar uma pizza, pra comemorar, você gosta?
- Sim! Eu amo! – falei animada
Na verdade, tem tanto tempo que não como uma fatia de pizza que nem lembro direito o gosto...
- Então, programação fechada
Larissa apertou minha mão, e me puxou abraçando-me de lado enquanto caminhávamos. Chegamos no carro, entrei no banco traseiro, e as duas na frente.
Lucy ligou o som e colocou uma música até animada, não me pergunte o nome, porque não saberei responder. A enfermeira cantarolava batucando suavemente seus dedos no volante enquanto percorria as ruas da cidade. Larissa olhava a janela e eu também o fiz.
Em minutos, Lucy embica o carro numa entrada de garagem de um condomínio, acena para o porteiro e adentra assim que o portão se ergue totalmente.
Procura uma vaga e estaciona. Vira a chave, desligando o carro:
- Chegamos! - Sela rapidamente Larissa e olha pra trás. – Vamos?
Concedo e desço do carro, todos caminhando em direção ao elevador. O percurso até seu apartamento (lindo por sinal) foi rápido, quando entrei no mesmo, fiquei cativada pelo local, de tamanho bom gosto a decoração. Isso me levou a pensar que talvez seu dinheiro não fosse inteiramente só do emprego, sua família devia ser de alto prestígio... Elogiei:
- Uau! Vocês está de parabéns Lucy.
- Obrigada Jullie, sinta-se em casa.
Sorri... é, acho que posso me acostumar com a ideia.
- Vem, ver seu quarto – Chamou a dona da casa.
Eu vou ter um quarto só pra mim, isso é um sonho. Segui-a entrando num cômodo lindo, sério... as cores neutras, mas com certo toque fino, cama de casal, uma televisão SÓ PRA MIM, lençóis clássicos, uma sacada com uma vista imperdível, de fato realmente encantador.
- Muito obrigada!
Agradeci trêmula, é assim que se inicia um infarto? To quase.
Ela sorriu e Larissa também, o quarto das duas seriam juntas. Eu confesso estar um pouco receosa em relação a nova vida fora da jaula, mas... o cheiro da liberdade é minha maior preciosidade.
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PsicoLove.
Teen FictionJullie Martins, atualmente com 18 anos, passa por poucas e boas em uma clínica psiquiátrica. Foi diagnosticada, aos seus 14, com transtorno bipolar e infantilismo. Sua situação nunca foi das melhores, mas as coisas tomam um rumo diferente, momentos...