Novidades. Sou alguém antiga aqui, e por essa bela "indicação do Oscar", ganhei o privilégio de ter acesso ao pátio dos veteranos por pelo menos três horas ao dia. Acredite, ser humano, isso é um grande avanço pra uma clínica infernal como essa. O mais engraçado, é que o nome desse lugar é "Little piece of heaven". Irônico não? Tá, deixa o nome pra lá.
Uau, parece que é só eu ameaçar de ir embora que as coisas mudam. Quem quer ir embora num aconchego desse? Ironia novamente.
Meu primeiro dia no pátio, junto com os mais velhos, creio eu. Desci as escadarias, saltitando alegremente, mas a medida que ia me aproximando, meus passos iam se tornando mais lentos e receosos. Eu estava com um pouco de receio de chegar lá e só terem velhinhos gagás, ou de não ter muita gente e ser uma armadilha, ou... de me tacarem pedras.
No último degrau que desci, uma moça, em teus quarenta anos mais ou menos, me trouxe um crachá, com o número do meu quarto e meu nome nele. Voltei ao parquinho. Sorri e agradeci, a mesma me mostrou onde todos ficavam. Era um ambiente bem arejado e iluminado por janelas imensas em dois dos quatro lados das paredes. Continuei meus passos curtos observando alguns sofás pequenos e aparentemente aconchegantes. Do outro lado, ficavam umas três ou quatro mesas com apenas duas cadeiras em cada. Na estante encostada na parede, vários jogos de tabuleiro. Segui meu olhar mais adiante, e vi um rádio, e no mesmo segundo tentei me recordar de quanto tempo não ouvia uma bela música... Senti meus olhos encherem de lágrimas. Era a melhor sensação em... anos?! É.
- Eu, posso...ouvir?
Hesitei em perguntas a moça que ainda me acompanhava quieta pelo "tour" no pátio.
- Mas é claro! Só... não ouça muito alto. Nesse local temos todos os tipos de pacientes, inclusive aqueles rabugentos que detestam qualquer tipo de barulho diferente.
Senti um pouco de frio na barriga, claro... porque eu temia confusões. Corrigindo, MAIS confusões. Concordei com a mulher e caminhei mais apressadamente ao aparelho de som.
- Nossa!
Falei pra mim mesma em tom baixo. Liguei, e me sentei numa banqueta ao lado da mesinha em que suportava o rádio. Aumentei somente um pouco do volume para reconhecer o som que vibrava sobre meus ossículos. Sorri de maneira intrigante. A vida está brincando comigo? Talvez estivesse mesmo. A música, que insistentemente me fazia recordar das coisas passadas era "Isn't she lovely" do Steve Wonder. Esse trecho, esse maldito trecho:
"...Isn't she pretty? (Ela não é linda?)
Truly the angel's best (Verdadeiramente o melhor dos anjos)
Boy, I'm so happy (Cara, estou tão feliz)
We have been heaven blessed (Nós fomos abençoados pelos céus)
I can't believe what God has done (Não acredito no que Deus fez)
through us He's given life to one (Através de nós Ele deu vidalguém)
But isn't she lovely made from love... (Mas ela não é adorável feita de amor?) ..."
Eu sou um ser teimoso, sou sim! Cantei um pouquinho sim, mas como crianças aprendendo a falar sabe? Só o final de cada verso... é, não me lembro muito da letra, era criança quando mamãe cantava pra mim, nossa...veja só, ela cantava pra mim essa música tão ...linda. E eu estou chorando. Ninguém deveria me ver chorando, é uma cena horrível. Mas, mais horrível do que isso, era a saudade enchendo meu peito, e meu consciente gritando, querendo gritar externamente também, mas não permitiria isso. Ah...como eu queria ver minha mãe de novo, e dizer que... ela sim é linda, e fantástica! Se Deus realmente existir, Ele deve ser um cara legal.

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PsicoLove.
Roman pour AdolescentsJullie Martins, atualmente com 18 anos, passa por poucas e boas em uma clínica psiquiátrica. Foi diagnosticada, aos seus 14, com transtorno bipolar e infantilismo. Sua situação nunca foi das melhores, mas as coisas tomam um rumo diferente, momentos...