Verso 6

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Eu me afogo em solidão

Tinham dias que nem o maior Sol e o melhor clima poderiam animar Ana Júlia. Eram raros momentos aonde sua felicidade era completamente engolida pela sensação de solidão, de frieza e congelamento que tomava conta do corpo pequeno da garota – que naqueles dias parecia ainda menor, ainda mais magro e ainda mais infantil.

Durantes os dias escuros nada e nem ninguém conseguiu fazê-la melhorar. Não adiantava ir cuidar da sua sobrinha, que costumava sempre encher a casa de alegria com seus momentos encantadores de crianças, não adiantava se sentar na cama e maratonar sua série favorita comendo muitas besteiras, nem Luísa e Bernardo – as pessoas que a conheciam melhor – não sabiam o que fazer nesses momentos. Até mesmo quando ela namorava Mozart, esses dias eram aqueles que os dois passavam o dia inteiro deitados na cama, apenas ouvindo a respiração um do outro, sem conversarem, sem se beijarem, apenas sentindo a presença deles, o garoto mostrando todo o apoio do mundo pela namorada.

No dia seguinte ao debate Ana Júlia, a garota levantou da cama pronta para encarar um longo dia. Mas, ao pisar no chão, sentiu o gosto amargo na boca, seu corpo parecia pesar o triplo do peso real e sua cabeça doía tanto que a deixava lenta. Parecia que tinha acordado de ressaca, mas não tinha bebido uma única gota de álcool no dia anterior e tinha ido dormir cedo, sabendo que teria que acordar disposta no dia seguinte.

Ela logo percebeu que era um daqueles dias ruins. Fazia tempo que não se sentia daquele jeito, mas assim como as lembranças com Mozart eram vivas, o último dia que ela se sentira mal também estava completamente presente em suas memórias. Não pensou duas vezes em voltar para debaixo do cobertor, esperar até aquela sensação ruim sair do seu peito.

Desde que teve depressão a vida de Anajú era uma montanha russa de sentimentos confusos. Ela nunca se sentia completamente curada. Tinha sorte de poder esquecer da doença na maioria das vezes, esquecer que um dia tentou sumir do mundo, que teve aquela terrível sensação de abandono da parte da irmã – que a amava mais que tudo naquele mundo – e de solidão. Ana Júlia, quando tinha o poder, ignorava aquela sensação que ia e vinha.

Teve a mesma sensação quando seu irmão teve uma filha. Ana Júlia era completamente apaixonada por Isabela, era a luz, a iluminação da vida de quem tinha o privilégio de vê-la, mas quando descobriu que Bruno seria pai, achou que esqueceriam dela, que a irmã mais nova e problemática seria abandonada mais uma vez. Lógico que ela guardou para si aqueles sentimentos conturbados, somente se abria para a psicóloga que ainda visitava algumas vezes.

Não existia a menor possibilidade de um dos seus irmãos esquecê-la e isso foi posto em prática após o nascimento e em cada momento que Bruno, Luísa e até Bernardo demostraram o enorme amor que sentia pela garota. Amor que era extremamente necessário para que ela seguisse em frente e continuasse a ser a garota forte que era.

Anajú não demorou a mandar mensagem para a irmã dizendo que não estava em um dia bom e que precisava ficar em casa, no seu cantinho, tomando todo o tempo do mundo para que aquele peso saísse de cima dela. Doía muito no coração de Luísa ver o sofrimento da irmã mais nova e não poder fazer nada. Se ela tivesse o poder de tirar a dor de Ana Júlia e pegar para si, faria isso em todos aqueles momentos ruins, mas ela infelizmente não podia e acabava tentando ajudar da maneira que conseguisse.

Luísa preparou uma cesta de café da manhã com algumas comidas que a irmã mais nova gostava. Sabia que naqueles momentos Ana Júlia não sentia o menor apetite, mas Luísa queria se sentir útil, queria ajudar. Bateu duas vezes na porta da irmã para avisar que estava entrando e deixou na mesinha de canto a cesta. Deu um beijo na cabeça de Anajú e ajeitou o cobertor, seus olhos encheram de lágrimas.

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