Verso 15

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Será sempre um espinho dentro do meu coração

Estava completamente escuro e silencioso naquele lugar que Ana Júlia nem ao menos sabia aonde era. Ela só andava, seguia em frente e tentava chegar em algum lugar que tinha pessoas, precisava encontrar algo ou alguém que a ajudasse. Assim que conseguiu afastar alguns metros do garoto, o suficiente para se sentir segura e não ser encontrada por ele, Ana Júlia se jogou em uma parede ao seu lado e passou a controlar a respiração que estava completamente falhada, tentou fazer com que o coração voltasse a bater em um ritmo tranquilo. Tossiu por longos minutos para ver se aliviava aquela dor na garganta, chorou no canto de um beco escuro por ter sido invadida de forma tão horrível, da pior possível e pensou em todas as vítimas que passaram por coisas parecidas com a situação dela e naquelas que passaram por coisas ainda pior. Chorou por si mesma e por todas as outras mulheres, sentiu a mesma dor e quis gritar para o mundo uma pergunta tão clichê, mas difícil de ser respondida: porque existem pessoas como aquele cara no mundo?

Se dependesse da força de vontade de Ana Júlia, ela teria ficado a madrugada inteira jogada no beco, até alguma alma abençoada encontra-la ali: sozinha, suja, com a roupa toda rasgada e marcas no corpo. Mas mesmo sem uma única vontade de levantar do chão – menos vontade do que tinha tido horas atrás para sair da cama -, ela sabia que precisava sair dali. Precisava encontrar Agnes, encontrar seu celular, ligar para sua irmã e pedir colo. Precisava de carinho, conforto e ouvir alguém prometendo que tudo ficaria bem. Ana Júlia precisava de uma esperança, uma luz no fim do túnel que iria ajuda-la.

Mas ela não conseguia achar o lugar em que estavam antes, o bar não estava em lugar algum – pensou até que tinha imaginado aquele lugar, mas sabia que tinha estado ali horas atrás. Andava de um prédio para o outro e não conseguia encontrar nada aberto, nenhuma pessoa e nenhum funcionário. Ficava cada vez mais desesperada e desejava ter prestado mais atenção quando o garoto a puxou para o lugar que ele bem queria, tinha que ter decorado o caminho inteiro, cada curva e cada reta. Mas como fazer isso se Ana Júlia nem ao menos desconfiava de alguma coisa. O que a garota tinha certeza era que eles não tinham andado muito, parecia que tinham andando só uns cinco minutos, mas a cada passo em falso ela sentia uma esperança diminuir na sua cabeça e achava que só estava se afastando do lugar que tinha deixado suas coisas.

Ana Júlia andou por quase uma hora inteira a procura de algo conhecido, mas não chegava a lugar algum. Não tinha relógio, mas suspeitava que estava perto da madrugada – se já não fosse madrugada. Quando sua esperança já estava praticamente no fim, ela encontrou uma parada de ônibus, que reacendeu a chama de que poderia dar tudo certo. Ela só tinha que esperar um ônibus que passasse perto da sua casa e implorar para o motorista deixar que ela viajasse sem pagar passagem.

Por mais raro que fosse, ela teve um pouco de sorte no meio a tanto azar que aquela noite tinha representado. Não esperou nem dez minutos para o grande circular, que andava por boa parte do Rio de Janeiro passar. Ela entrou e se sentou na parte da frente, ignorando os olhares assustados e desentendidos do motorista e da cobradora, os únicos que estavam dentro do ônibus.

Ficou em silêncio boa parte da viagem, ignorando os olhares e voltada somente para os seus pensamentos conturbados. Era Ana Júlia dentro da sua bolha de autossofrimento, causada pela coisa que mais a aterrorizava.

Sentiu uma mão macia e gelada encostar em seu ombro pela parte de trás. Foi inevitável se retrair com aquele toque, o último toque que tinha recebido tinha sido aquele toque nojento e repulsivo do garoto, contra a vontade dela. Agora, quando uma mulher tocava, era inevitável se contrair e se lembrar do de horas atrás.

Ana Júlia, com medo, olhou para trás, para encontrar o rosto da dona daquela mão que jazia em seu ombro esquerdo. Se surpreendeu ao encontrar um olhar compreensível, que passava uma calma. Era a cobradora do ônibus que oferecia para ela uma enorme paz somente com um olhar, que a fazia se sentir bem melhor por ter alguma mulher ali ao seu lado.

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