Verso 18

1.3K 191 39
                                    

Sei que você já não quer o meu amor

O clima daquela manhã alegrava um pouco Ana Júlia. Nos quinze dias que se seguiram a ida a delegacia, o seu humor alternava entre muito feliz e muito triste, e grande maioria das vezes seguia o clima: se fosse chuva, aquele não seria um dia tão feliz; se fosse calor, ela já amanhecia com sorrido no rosto. Lógico que aquilo não era intencional, eram somente coincidências que mexiam com o psicológico da garota que era completamente supersticiosa.

O dia anterior tinha amanhecido frio e junto, Ana Júlia acordara mal-humorada, mas com o decorrer da manhã o Sol aparecera de maneira forte. Ela ia voltar para a escola depois de quase duas semanas perdendo matéria. Ela poderia sim ter voltado antes, mas ainda não se sentia preparada para encarar todos do seu colégio – aquilo não teria acontecido se o seu caso não tivesse passado no jornal do Rio de Janeiro. Como a polícia não fazia nenhuma evolução no caso de Anajú – somente encontraram o cara, mas não tinham nenhuma prova que comprovava o fato de que ele era o responsável pela infelicidade de Ana Júlia -, Bernardo não perdeu tempo em conversar com seus colegas jornalistas e implorou (ou melhor, subornou) para que aquilo fosse ao ar e assim todos saberiam quem era o assediador que dopava garotas em happy hours universitários.

Ao entrar na escola Ana Júlia não foi recebida da forma que achou que seria. Pensou que todos os garotos iriam olhar torto para ela, algumas garotas a chamariam de vadia e que teria um enorme clima de hostil. Mas não. Ela se deparou com alguns cartazes pelas paredes que indicavam o que era assédio, abuso e estrupo seguido do número da polícia. Em quase todas as salas tinham frases de efeito que faziam com que as garotas percebessem que nem sempre namoram bons garotos e que talvez aquele namoro era abusivo, fazia com que todos olhassem tortamente para os elogios inconveniente feito por professores sem noção naquela escola. 

Não podia negar que sim, tiveram alguns comentários que falavam que Ana Júlia só queria fama ao aparecer na TV e que ela era sim uma vadia que merecia tudo que tinha passado por ter ficado com vários garotos. Mas aqueles comentários quase não abalaram a garota, que se sentiu acolhida por garotas que conversaram com ela e assumiram que já tinham passado por situações semelhantes mas não tinham a coragem dela em denunciar e expor. Ela sentia que com a sua situação, mesmo sendo horrível, outras pessoas conseguiram ajuda.

No dia seguinte o Sol foi o que acordara Ana Júlia. Ela estava feliz antes mesmo de abrir os olhos, estava satisfeita pelo dia anterior e calma por saber que era sábado e ela tinha consulta com sua psicóloga.

Ana Júlia estava visitando sua terapeuta, antes do assédio, somente quando não acordava bem e sentia aquele bolo seco na garganta – o mesmo da época da depressão. Porém, com toda a situação, todos acharam melhor que ela voltasse a ter suas conversas semanais com a terapeuta. Dessa vez não era somente ela que ia ao consultório todo sábado, agora Luísa também ia para falar de todo o seu medo que crescia junto com o bebê em seu ventre e Monalisa, que precisava conversar sobre a possível presença da ex-namorada de Bruno em suas vidas e de como iria lidar com sua filha correndo risco no futuro. Todos tinham mudado e agora sentiam o peso do mundo em suas costas, o eterno medo aos seus lados, os rodeando e estando sempre presente.

Mas, a coisa que mais animava Ana Júlia naquele dia era a mensagem que ela tinha recebido há três dias, de Mozart. Pedindo para ela passar na casa dele. Aquilo sim fazia com que ela, ao acordar, soltasse vários fogos de artifício. Estava com saudades, estava necessitando da presença dele naquele momento, mais do que tudo. Mesmo ainda não recuperada completamente, ela sentia uma enorme vontade de ficar com ele, aquele garoto que a acalmava e a tratava como rainha.

Depois do dia em que eles dormiram juntos, na mesma cama, eles não tinham mais se visto. Ele estava em período de provas na faculdade e não tinha tempo de ir e voltar todos os dias da casa de Ana Júlia – e a garota não se sentia confiante o suficiente para ir de taxi, metro, ônibus ou Uber (qualquer meio de transporte que a deixasse sozinha com um cara).

So(fria)Onde histórias criam vida. Descubra agora