Verso 4

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Na certeza de um amor, me achar um nada

A festa da noite anterior já tinha acabado há horas. Ana Júlia estava dormindo há mais tempo ainda em sua cama confortável e quente, dando a sensação de estar dormindo nas nuvens e que a fazia sonhar com os anjos. Mas sua cabeça ainda estava presa a algumas horas atrás, latejando no ritmo da música que não existia mais, sua alma ainda estava dançando e seguindo a batida eletrônica e chata que Ana Júlia passara a madrugada escutando.

Mesmo tendo ido embora da boate teoricamente cedo – mais cedo do que ela estava acostumada -, seu corpo sentia toda a exaustão por ter bebido, dançado e beijado um cara praticamente desconhecido. Seu corpo passava a sensação de que nunca tinha ido a uma festa antes da noite anterior, ela sentia como se nunca tivesse bebido na vida, mesmo que quando namorava Mozart eles viviam indo para o bar perto da universidade, seus pés estavam doloridos dos sapatos desconfortáveis que a deixara centímetros mais alta e dava a aparência de garota madura. Qualquer mexida na cama era uma sensação quase que nova e surgia aqueles pensamentos: "eu nunca mais vou beber", "nunca mais irei a uma boate de novo" e todas aquelas frases clichês que as pessoas sabem que nunca irão realmente seguir.

Por Ana Júlia, ela ficaria dormindo ali até o ano seguinte, sem nenhum problema já que estava completamente serena. Mas sua irmã Luísa tinha outros planos em mente e era completamente responsável. Ela balançava Anajú e tentava acordá-la em vão, já que a garota estava dormindo feito pedra e sonhando que estava em um barco em alto mar e o balanço que sentia era causado pelas ondas e não por uma irmã mais velha.

- Ana Júlia! Acorda – Luísa aumentava o tom de voz. Achava engraçado a independência que a irmã mais nova tinha de sair, beber e agir como adulta, mas para acordar cedo em um domingo ainda precisava ser acordada pela irmã mais velha que agia como mãe. Com Luísa tinha sido completamente diferente, ela não tinha mãe e nem uma pessoa que pudesse acordá-la para ir trabalhar e ser adulta antes da hora.

Ao ouvir uns múrmuros sem sentido vindo da boca da irmã Luísa percebeu que não conseguiria acordá-la de maneira civilizada, então correu até a cozinha e pegou uma frigideira e uma colher de pau usada somente para fazer brigadeiro. Ignorou a cara de desentendido de Bernardo, que preparava alguma meleca saudável para comer no café da manhã, e voltou correndo para o quarto da irmã mais nova. Contou cinco segundos até começar a bater a colher na panela e fazer com que Ana Júlia levantasse da cama desesperada, com seu coração praticamente na cabeça e parecendo que tinha corrido uma maratona inteira.

- Que merda, Luísa – Ana Júlia reclamou, sendo birrenta. Agora não era somente o pé e a cabeça que doíam, seu coração também estava em um enorme desespero e dava a sensação de que Anajú tinha corrido uma maratona inteira em quarenta segundos. Depois de acordada também sentiu o gosto azedo na boca, não sabia se tinha sido causado pelo excesso de bebida da noite anterior ou o susto.

- Que merda digo eu – Luísa respondeu seu rodeio. Odiava falar palavrão, mas odiava ainda mais quando Ana Júlia, a madura, agia de forma imatura. – Você esqueceu que tem uma roda de conversas na Universidade hoje? – A irmã mais velha colocou as mãos ao redor da cintura e olhou com uma expressão de superioridade para a caçula.

Ana Júlia, que logicamente tinha esquecido do evento que estava esperando há mais de um mês, levantou ainda mais assustada e começou a correr pelo quarto. Primeiro destravou o celular e viu que ainda tinha quarenta minutos até a partida do ônibus que sairia da sua escola e levaria os alunos inscritos no debate para a UFRJ. Luísa seguiu com os olhos a irmã que ia de um lado para o outro do quarto, pegando um sutiã em cima da cadeira, uma saia comprida no meio do quarto, bagunçando as gavetas da cômoda a procura da blusa perfeita. Ana Júlia entrou no banheiro privativo do quarto e quinze minutos saiu como uma nova pessoa: não tinha mais maquiagem borrada pelo rosto, seu cabelo agora estava em um longo rabo de cavalo no topo da cabeça, tinha passado uma quantidade leve de base e rímel para dar uma aparência de mulher séria e não de adolescente prestes a sair do ensino médio.

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