Grillby's

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AAYRINE


O tempo passou depressa. Mais rápido do que eu poderia ter imaginado.

Em meu aniversário de vinte anos, Undyne havia me liberado da programação de treinamento, permitindo que eu passasse o dia de folga em Snowdin, após mais de um ano reclusa nos terrenos do castelo.

Todos os olhares se voltaram para mim quando adentrei no Grillby's. A maioria, surpreendentemente, se retraiu visivelmente com minha aproximação.

Avancei até o balcão do bar, ignorando o silêncio que se resvalou pelo bar. Sorri para Grillby, que meneou a cabeça, virando-se para apanhar a bebida.

Distraída, encarei-me no reflexo do espelho adiante, sorrindo levemente.

Undyne havia feito uma verdadeira transformação em mim.

Graças aos treinos exaustivos e exercícios físicos, eu já não lembrava em nada a jovem e pequena carneirinha que havia sido um dia. Meus cabelos haviam crescido, caindo em cascatas douradas sobre minhas costas. E os chifres, que um dia haviam sido pequenos e discretos, haviam ficado graciosamente espiralados para trás. Agora adulta, eu tinha o corpo definido de uma verdadeira guarda real, embora ainda conservasse uma curiosa elegância.

Infelizmente, era algo que chamava a atenção dos monstros mais desinibidos – e eu odiava aquele tipo de assédio. Assim como Dogaressa, eu sofria todo tipo de indireta – ou direta – de outros jovens maliciosos. Afinal, como eu costumava ouvir de alguns, não era todo dia que se viam guardas reais atraentes.

Dogaressa havia aprendido a lição, e havia começado a usar uma capa negra, para evitar chamar a atenção dos demais. Mas eu, ainda jovem e rebelde, achava que as armaduras e capuzes limitavam meus movimentos – e, portanto, meu rendimento físico na luta. Obviamente, não era uma decisão sábia para quem não queria receber atenção de outros rapazes.

A única coisa que eu realmente gostava em mim eram os olhos. As íris vermelhas eram tudo que uma monstra intimidadora poderia querer na vida. E era o exato sentimento que eu sempre quereria provocar em qualquer oponente.

Suspirei, sorrindo, enquanto Grillby me empurrava o copo com cidra.

Apanhei-o, bebericando levemente, achando graça no olhar de censura do barman chamejante.

- Qual é, Grillby – dei-lhe uma piscadela – já sou maior de idade.

Grillby revirou os olhos, fungando baixo. Ri baixinho.

Desde que minha mãe havia se estabelecido ali, Grillby meio que havia se tornado uma figura paterna silenciosa, que se preocupava genuinamente comigo. O carinho dele – e o dos demais amigos que me conheciam – era algo que jamais conseguiria retribuir.

Terminei de virar a cidra, lambendo os beiços. Grillby ainda me olhava torto, de forma cômica, enquanto recolhia o copo.

Acompanhei-o se retirar do balcão, sumindo atrás da porta corta-fogo.

De costas para a entrada, sobressaltei-me quando a porta se abriu violentamente, chocando-se com um baque na parede.

Virei-me na direção da saída, erguendo as orelhas de modo alerta. Meus cascos automaticamente se contraíram em garras.

Me boquiabri minimamente, encarando o parrudo e enorme touro que havia surgido na porta do bar, amedrontando os monstros mais próximos.

- Ora, ora. Olha só quem eu encontrei.

Sibilei, retraindo o focinho.

- Gabe.

Meu olhar desviou-se imediatamente para a cicatriz em seu ombro.

O touro reparou, abrindo um largo e maldoso sorriso.

- Não esperava te encontrar de novo por aqui, carneirinha – grunhiu de modo ameaçador – a Guarda Real não precisa mais de você, é? Ou a sua preciosa capitã te mandou de volta pro buraco de onde você veio?

Minhas mãos se fecharam em punhos.

- Melhor se retirar, Gabe – sussurrei o alerta.

Em resposta, Gabe se aproximou dois passos, ficando defronte a mim. Alguns monstros passaram por trás do imenso touro, começando a fugir do bar.

- Ah, não. Não vou fugir. Não dessa vez – ergueu o corpo, ficando ainda mais alto – não me entenda mal, ovelhinha. A cicatriz até que caiu bem... - seu olhar encolerizou-se – mas não vou desperdiçar essa chance de acertar as contas.

Encarei Gabe girar o punho, fazendo um facão turquesa surgir em sua mão.

Balancei a cabeça.

- Você não vai querer fazer isso.

Ele apenas gargalhou.

- Ah, eu quero – girou o facão mágico em seus cascos – só não sei que parte desse corpinho lindo vou retalhar...

Sem aviso, o touro baixou o braço, num golpe que consegui evitar facilmente, desviando-me da posição em que estava. Entrecruzamos brutalmente as lâminas de nossas armas, enquanto Gabe se impulsionava contra mim, na tentativa de me golpear.

Anos de treinos de luta não haviam sido aplicados à toa. Embora Gabe fosse bem maior e mais forte, minha habilidade defensiva superava em muito a dele. Sendo assim, não foi difícil evitar seus ataques, nem tampouco impedir que destruísse metade da bancada do bar com seus murros descoordenados. Tudo que ele tinha era sua força bruta – e nada mais.

Num determinado momento, enfim, usei uma das cadeiras para imobilizar uma das pernas de Gabe, aproveitando a hora em que dei um mortal para me afastar, entrelaçando a base do assento nos cascos de seu pé.

O touro desequilibrou-se, caindo com uma pancada alta no chão, que fez estremecer o piso de madeira.

Nessa mesma hora, Grillby surgiu, aparentando um nítido choque com a cena que encontrou.

Fechei os dedos ao redor da echarpe de Gabe, que ainda resfolegava no chão, absolutamente furioso. Ergui sua cabeça, refreando a vontade de esmurrar seu focinho.

- Uma cicatriz só não deu conta, não é? Me ataque na frente de outros monstros de novo, Gabe – falei calmamente – e eu acabo de vez com você.

Gabe me fuzilou com o olhar, ainda tentando tirar a perna presa da cadeira. Para sua raiva, vários dos presentes começaram a aplaudir baixo, de forma aprovatória.

Antes que eu pudesse me curvar em agradecimento, porém, alguém apareceu novamente na entrada do Grillby's.

Atônita, encarei o rosto lívido de Rabby, a coelha hoteleira de Snowdin. Ela arfava, e seus olhos estavam completamente esgazeados de desespero.

- Aayrine... eu vim o mais rápido que pude...

Aproximei-me, segurando o ombro dela.

- Calma, Rabby. O que houve?

Logo em seguida, ela proferiu as palavras que fariam meu mundo desabar.

- È a sua mãe, Rine – soluçou – Mistrel... está morrendo.

O Espadim e a Manopla - Uma História de UndertaleOnde histórias criam vida. Descubra agora