Intervenções

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NITCH


Estava sentindo meu coração saltitar contra as costelas.

O corpo de Aayrine parecia aquecer meu peito de maneira indescritível.

Sentia-a deitada sobre mim, trêmula e enfraquecida, fazendo surgir um bolo de tensão e desespero na boca de meu estômago.

Ainda sentia lágrimas de aflição escorrendo pela pelagem de meu rosto.

Tão pouco...

Apenas mais um pouco... e teria perdido uma das pessoas mais importante da minha vida. Teria perdido tudo com o qual eu mais me importava agora.

Baixei o olhar por um segundo, observando os cachos dourados que jaziam espalhados pela ombreira de minha armadura, enquanto prosseguia minha rápida caminhada em direção ao castelo.

- Tudo bem...? – ofeguei – quer que eu pare um pouco...?

Aayrine soltou um pigarreio, que interpretei como uma fraca discordância – se era sobre estar bem ou para que eu diminuísse o passo, não sabia dizer. De qualquer forma, percebi que estávamos próximos da Nova Casa, então concluí que seria mais prudente me apressa,r para que ela pudesse descansar logo em casa.

Assim que cheguei, logo tratei de adentrar nos aposentos, enfim repousando Aayrine gentilmente em uma das poltronas.

- Pronto... – sussurrei, afagando-lhe o rosto – se sente melhor?

Ela acenou com a cabeça, tentando se levantar.

- Nitch...

- Ei, ei – coloquei o braço na sua frente, impedindo-a – você precisa descansar, Aayrine – sacudi a cabeça, exasperado – eu sei que está preocupada com o humano... mas tem que recuperar as forças...

Ouvi-a resfolegar, impaciente. Sua expressão se fechou em hilária zanga, como uma criança contrariada.

- S-saia da minha frente, Buster.

Não segurei o riso, acolhendo seu queixo em minhas mãos.

- Você não tem forças nem para se agüentar em pé – falei, franzindo o focinho – ou você trata de se acalmar...

- Ou o que...? – ela grunhiu, estreitando o olhar.

Eu não estava mais agüentando. Os olhos carmim irrequietos. O focinho retraído. Aquele adorável movimento causado pela sua respiração errática. A beleza e encanto inegáveis naquela figura teimosa e incrível que se encontrava diante de mim.

Senti Aayrine estremecer levemente quando puxei seu rosto, beijando-a outra vez.

Contudo, para meu intenso choque, senti seus braços se enlaçarem firmemente ao redor de meu pescoço, e sua boca se resvalar avidamente contra a minha.

Um tremor estranho tomou conta de meu corpo.

Por um momento, tudo que senti foi a necessidade pungente de acolher seu corpo outra vez em meus braços. De sentir sua respiração e seu calor contra mim.

Desviou a cabeça por um momento, tentando recuperar o ar.

- N-Nitch...!

Aquela súplica aparentou dissuadir todo o autocontrole e formalidade que eu ainda ostentava naquele momento.

Inclinando a cabeça, tracei uma trilha de beijos ao longo de seu pescoço, acarinhando as madeixas douradas, e ouvindo um suave arquejo escapar de seu focinho.

Eu nem conseguia acreditar naquilo. Aayrine Nacabi, a monstra mais durona e determinada da Guarda Real...  completamente vulnerável e entregue, como jamais havia visto em minha vida.

E por minha causa.

Uma ternura avassaladora me inundou naquele momento.

Aayrine ergueu o olhar, espantando-se com uma inconveniente lágrima, que deslizou de meu focinho para a manopla que eu ainda ostentava.

- Nitch! – evidentemente se assustou, dado o modo que se reergueu no sofá.

- Não... eu estou bem... – ri nervosamente, afagando seu rosto – é só que... eu praticamente tive que quase te ver morrer na minha frente... para perceber que tudo que eu venho procurado durante essa vida... – sacudi a cabeça – estava ao meu lado... todo este tempo.

Achei que ia chorar outra vez, quando vi seu olhar brilhar com lágrimas contidas.

- Ah, para... – ela fungou, tentando disfarçar – Asgore vai saber dessa choradeira, bola de pelo. Deixe de ser molenga...

Mas eu podia ver. Podia ver em suas íris avermelhadas... que ela sentia a mesma coisa.

- Aayrine... – mordi o lábio, indagando repentinamente – eu poderia perguntar num momento mais apropriado... mas... você quer... namorar comigo?

Logo em seguida, senti meu rosto enrubescer, e minhas orelhas felinas se eriçarem.

Alguns dias atrás, eu poderia ter esperado uma série de reações. Uma risada sarcástica. Um murro muito bem dado na cara. Um ofego indignado.

Mas o que recebi foi uma gargalhada encantadora – uma risada de genuína alegria, que nunca havia ouvido sair dos lábios de Aayrine.

- Sim! – exclamou, se jogando em meus braços – eu quero, Nitch!

Enquanto eu a amparava num abraço carinhoso, ouvi a porta se abrir repentinamente, nos sobressaltando.

- Ahhh! – reclamei, ficando ainda mais perplexo ao reconhecer a silhueta de longos cabelos ruivos adentrando sem cerimônia no recinto

Aayrine decididamente tentou evitar o olhar de malícia de Undyne.

- Estou interrompendo alguma coisa, Rine?

- N-nada... – foi minha vez de lhe lançar uma olhada exasperada – ahn... – vi-a coçar a nuca, confusa – o que está... fazendo aqui...?

Undyne sacudiu os ombros.

- O mesmo que você... vou intervir. Tem que haver outra maneira de Asgore nos libertar... sem ser matando aquele pirralho.

Revirei o olhar quando Aayrine me fitou.

- Me tira dessa merda de sofá, Nitch. Agora.

Olhei feio na direção de nossa capitã.

- Valeu mesmo, Undyne – grunhi, ajudando Aayrine a se levantar, apoiando sua cintura em meus braços – estava quase convencendo essa teimosa a descansar.

- Disponha – a monstra sorriu, zombeteira, aparentando achar graça – garanto que quando terminarmos isso... vão ter muito tempo para exercitar suas outras... habilidades – ela pareceu muito satisfeita em ver minha expressão constrangida – agora vamos salvar aquele garoto.

Enquanto Undyne se adiantava, atravessando rapidamente os cômodos da casa – sendo seguida por mim e Aayrine – senti o olhar da carneira espreitando-me de forma curiosa.

- Sobre que exercícios ela deve estar falando, Nitch?

Eu poderia ter levado a sério sua pergunta – se não houvesse um indiscutível quê de humor e pretensão em seu tom de voz.

- Se sobrevivermos a isso – resmunguei – você vai ver só uma coisa, Nacabi...  vai ver só...

Aayrine sorriu.

- Estarei esperando, Buster...

Ela tinha a mesma segurança que eu. Independentemente do que estivesse por vir, sabíamos a verdade.

Nós iríamos sobreviver. Superaríamos tudo juntos.

E nada nem ninguém poderia nos separar neste novo futuro.

O Espadim e a Manopla - Uma História de UndertaleOnde histórias criam vida. Descubra agora