Justiça e Valor

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AAYRINE



- Nhah, que se dane. Eu vou lá.

Não sabia se ria de nervoso ou ficava exasperada, enquanto Undyne me puxava pela cauda, tentando me impedir de sair da casa dos irmãos esqueleto.

- O que a gente tinha combinado sobre interferir agora, Nacabi?

Embora segurasse com evidente força, algo na expressão dela parecia gritar que sua real vontade ela me soltar – e provavelmente também correr comigo em direção ao castelo.

- Qual é. Nem vou falar de você, Undyne – resfoleguei – mas não posso ficar sentada assistindo Mettaton bater nessa criança e ficar parada sem fazer nada!

- É sério – ela apontou para a televisão, onde via a imagem do garoto esquivando magistralmente dos golpes do robô – ele sabe se cuidar. Viu só? Mettaton não tem chance.

Vinquei a testa.

- Sabe muito bem que não é com o Mettaton que ele tem que se preocupar.

Ela em encarou por um momento, aflita.

E, por fim, afrouxou a mão, soltando minha cauda.

- E o que vai fazer, então?

Baixei as orelhas.

- Eu… eu não sei. Só não posso… deixar isso simplesmente acontecer, sem tentar mudar alguma coisa!

- É por causa do Nitch, não é? - Undyne levantou-se do sofá, abandonando por um momento seu olhar da TV – você teme pela criança… mas teme mais ainda o efeito que isso vai ter sobre Nitch.

Parei por um momento, baixando a cabeça, sem olhar para Undyne.

- Isso também.

- Você o ama?

Rilhei os dentes, retraindo o focinho.

- Por que a pergunta…?

- Droga, Aayrine! - bastou para tirar ela do sofá, a ponto de seu movimento abrupto fazer o controle se espatifar no chão e desligar o televisor – não consegue só… responder?

- E isso faz diferença? - guinchei, desesperada.

Vi- cruzar os braços.

- Sim. Por que se você for… - sua expressão ficou desolada – provavelmente vai ter que escolher um lado. E isso… vai fazer toda a diferença.

Abracei meu próprio corpo. Fazia muito tempo que não me sentia tão vulnerável e atordoada daquela forma.

- Ele… é teimoso. Cabeça dura. Impulsivo – acrescentei, trêmula, relembrando o beijo no cárcere – muito impulsivo... - meu olhar, perdido, resvalou-se pelo chão – mas tem… algo… - estava me perdendo em minhas próprias palavras – vocês todos me acolheram como uma família...depois de tudo que aconteceu – sussurrei – mas Nitch… foi quem mais entendeu… o que eu havia passado. É inspirador… á sua maneira – ri comigo mesma – eu… já não consigo imaginar um futuro… no subsolo ou na superfície… que não seja com ele… ao meu lado.

Undyne abriu um largo sorriso de dentes afiados.

- Então é isso – por alguma razão, ela tinha uma expressão cúmplice, como se de alguma maneira estivesse mais que entendendo o que eu estava sentindo – você o ama.

Suspirei.

- É. Acho que não teve jeito.

A monstra sacudiu a cabeça.

- Então vá. Mas tome cuidado – alertou – e não interfira mais do que pode se responsabilizar depois. Está bem?

Meneei a cabeça, dando um meio sorriso.

- Sim, capitã.

- Eu ia te dar isso em outra ocasião… em seu aniversário – Undyne remexeu na mochila que havia trazido de sua casa incendiada – mas.. dadas as circunstâncias…

Puxou um embrulho comprido de dentro dela, embrulhado com um papel de presente avermelhado, e inclinou-o para mim,

Apanhei-o, confusa, começando a abrir o pacote.

Um brilho de dentro dele, provocado pela luz da sala, chamou imediatamente minha atenção. Encarei o conteúdo, sentindo meu olhar se arregalar de choque.

- Meu Deus… - ofeguei – é…?

- Sim – Undyne assentiu – a família real fez questão de guardar todo este tempo… e Asgore pediu para eu lhe dar – afagou meu ombro – é o espadim… de Terso Nacabi.

Senti meus olhos se enchendo de lágrimas, e um misto imenso de orgulho, saudade, tristeza e alegria invadir completamente meu peito.

Deslizei a mão pela empunhadura, admirando a lâmina, onde uma frase se encontrava entalhada sobre o aço mágico.

Justiça e Valor – li em voz alta, sentindo meu coração ribombar.

Undyne me encarou, sorrindo, enquanto eu guardava o espadim de meu pai na bainha em minha cintura.

- O velho Terso sabia das coisas – ergueu os braços – e a filha dele também vai fazer a escolha certa.

Sacudi a cabeça, abraçando-a fortemente.

- Obrigada, Undyne.

Senti que ela me apertava ainda mais, suspirando.

- Se cuide, sua carneirinha teimosa – disse – eu posso enviar um mandato para que não te persigam até o castelo – coçou o queixo – mas a partir da sala do trono, estará por contra própria. O máximo que poderei lhe dar são cinco minutos.

Senti um meio sorriso cortar meu focinho.

- Eu só preciso de três.





Provavelmente, aquela deveria ser a corrida mais veloz e desesperada que eu já havia feito em toda a minha vida.

Eu só conseguia ver borrões dos rostos surpresos e preocupados que atravessavam meu caminho. Imaginava o que poderia estar se passando na mente deles naquele momento.

Por fim, depois de vários minutos, vislumbrei a entrada do Núcleo. Sabia que dali em diante eu corria o risco de ser perseguida ou de ter que lutar com algum monstro.

E eu queria evitar qualquer embate desnecessário. Precisava guardar toda e qualquer energia para o que poderia enfrentar à frente.

- Finalmente – ofeguei, tomando alguns segundos para recuperar o fôlego.

Contudo, este tempo que perdi foi vital para que eu não percebesse a sombra que havia se projetado ao meu lado.

Senti algo atingir meu rosto com a força de uma marreta, lançando-me para o lado e me derrubando no chão.

Atordoada pela pancada, passei a mão perto do focinho, no local onde havia sido golpeada, e senti minha pata se empapar com algo quente, de forte odor férreo.

- Ah… - ofeguei, erguendo a cabeça.

Senti meus punhos se fecharem contra o chão, ao reconhecer a figura diante de mim, identificando a expressão de intenso escárnio de Gabe.

- Ora, ora, ora. - disse, sorrindo cinicamente – está na hora do nosso acerto de contas, Nacabi….






O Espadim e a Manopla - Uma História de UndertaleOnde histórias criam vida. Descubra agora