AAYRINE
Já fazia dois meses.
Há dois meses, eu havia perdido a pessoa mais importante da minha vida.
Afastada da Guarda Real devido ao período de luto, estava aos poucos retomando minhas atividades rotineiras. Voltaria à rotina em algumas semanas, patrulhando os arredores de Snowdin e Waterfall. Undyne havia julgado ser uma boa forma de manter minha mente distraída da dor e do pesar.
Infelizmente para mim, a oportunidade de vingança não havia chegado. Nenhum humano havia caído em Underground até então – ou, pelo menos, era o que havia chegado aos meus ouvidos.
Um dia, assim que havia saído de nossa antiga casa, ouvi o som familiar de teletransporte ao meu lado.
Suspirei, baixando a cabeça.
- Ei, Rine.
- Não estou a fim de conversar, Sans.
De soslaio, vi o esqueleto soltar uma risada fraca.
Sans não havia mudado muita coisa desde a adolescência, continuando o mesmo revenant atarracado e sorridente de sempre. Era como se, de alguma forma, aquele monstro tivesse dado um jeito de parar no tempo.
-Eu sei – inspirou profundamente – olha... não vou dizer nada daquelas baboseiras sentimentais... - seu tom ficou mais sério – mas o fato... é que eu sei o que é perder... alguém da família. E não a culpo por ainda estar arrasada.
Ergui o focinho, sacudindo a cabeça.
- É que... ainda dói – admiti – só isso.
- AAYRINE!
Ergui o olhar, sorrindo levemente para Papyrus, que se aproximava alegremente da varanda da casa. Ao contrário do irmão, ele havia crescido consideravelmente ficando bem mais alto e forte, embora ainda com o mesmo espírito infantil e amigável.
- Ei, Paps – cumprimentei-o.
- COMO VOCÊ ESTÁ, RINE? - Papyrus indagou – ESTÁ SE SENTINDO MELHOR?
Dei de ombros. Além de não conseguir exprimir meus sentimentos, também não queria preocupar meus amigos com meus problemas emocionais.
- Vou ficar – respondi simplesmente – e você? - o fitei, curiosa – como está o treinamento?
Há algum tempo, Papyrus treinava para tentar uma vaga na Guarda Real. Embora fosse realmente um excelente lutador, Undyne continuava a recusar seu recrutamento.
Mas era por uma causa nobre. Assim como eu, ela havia visto a pureza e a ingenuidade dentro dele. Se estivesse no lugar de Undyne, também nunca teria tido coragem de expor alguém tão inocente e meigo aos perigos que um guarda real enfrentava em seu ofício.
- ESTÁ INDO BEM – disse ele alegremente – EM BREVE EU, O GRANDE PAPYRUS, COM CERTEZA IREI ENTRAR NA GUARDA REAL!
Sans e eu trocamos olhares nervosos. Nenhum de nós queria estragar as esperanças daquele pobre rapaz. Porém, ao mesmo tempo, nos torturava fingir que havia alguma possibilidade de seu sonho se realizar um dia.
- Puxa... isso é demais, Papyrus! - forcei uma risadinha – você tem que me mostrar suas técnicas qualquer dia!
- CLARO! - concordou, sorridente – TENHO CERTEZA QUE VAI SE IMPRESSIONAR!
Sans pigarreou, se colocando ao lado do irmão.
- melhor irmos agora, Paps – o encarou taxativamente – hora do almoço... e tenho certeza que Rine tem muita coisa à fazer hoje...
Vi-o me fitar, e agradeci mentalmente por desviar a atenção do pobre garoto. A última coisa que desejava ser era a companhia deprimente daquele esqueleto tão bonachão e agradável. Ele merecia uma expectadora bem melhor do que eu.
- ESTÁ BEM, SANS – Papyrus assentiu, seguindo o irmão varanda afora – ATÉ MAIS, AAYRINE!
Acompanhei-os caminharem ao longo da estrada nevada, contornando atrás das cabanas de madeira e desaparecendo de meu campo de visão.
A sensação de angústia retornou aos poucos, quase se apossando de mim.
Enfurecida, conjurei um dos meus espadins, que se fincou com um baque na parede da pousada do outro lado da estrada.
Ouvi alguém exclamar lá de dentro, e fiz uma careta quando um coelho azulado botou a cabeça para fora da janela, procurando a origem do som.
- Desculpa, Collin!
Collin – carinhosamente apelidado em Snowdin como Cara do Gentilvete – acenou para mim, esboçando um largo sorriso.
- Não tem problema, Srta. Nacabi! Mamãe conserta num segundinho!
Dei um gracejo envergonhado, enquanto Collin desaparecia dentro de casa. Imaginava como a pobre lebre hoteleira reagiria aquele rombo que eu havia causado em sua construção.
Eu tinha que controlar meus nervos. Por mais que a tristeza ainda me afligisse, não podia deixar que ela me dominasse por completo. Precisava retomar o controle de minha vida, antes que acabasse fazendo algo do qual me arrependeria mais tarde.
Sobressaltei-me quando o celular tocou. Retirei-o da bolsa de couro que trazia afixada à cintura, atendendo rapidamente a ligação.
- Alô?
- Aayrine...
Pisquei, resfolegando.
Havia esquecido quanta saudade andava tendo daquela voz.
- Ah - sorri torto - olá, Undyne...
O timbre de minha amiga e líder estava levemente hesitante.
- Estamos sentindo sua falta por aqui – ouvi um suspiro do outro lado da linha – sabe... Asgore virá aqui em casa hoje à tarde... para acertarmos alguns detalhes sobre... capturas de humanos. Achei que pudesse... se interessar – Undyne acrescentou – e, de repente... passarmos um tempo juntas... como nos velhos tempos, sabe? O que você acha?
Ofeguei, finalmente prestando atenção.
O rei queria debater sobre a captura dos humanos caídos em Underground... havia alguma coisa muito errada ali.
Franzi o cenho, resfolegando.
- Tudo bem – concordei – estarei aí.
O tom dela se tornou mais aliviado.
- Obrigada, Aayrine. Ficarei esperando – concluiu – até logo.
Desliguei antes mesmo da ligação cair, devolvendo o celular para a bolsa.
Aquela visita de Asgore havia vindo em boa hora. Eu estava mais do que decidida a me colocar à disposição para a captura dos próximos humanos. Tanto pela sede de vingança que ainda me consumia, quanto pelo objetivo derradeiro daquela coleta tão urgente.
Apenas mais três almas... e os monstros finalmente seriam livres. Voltariam a ver a luz do dia na superfície, tomando de volta o que era nosso por direito.
No entanto, aquela visita à Undyne me resguardava uma surpresa bem maior.
Á partir dali, minha vida mudaria drasticamente. E de uma maneira que eu nunca teria esperado, num momento tão crítico de minha existência.
Uma surpresa que viria truculenta, armada...
E decididamente fora de hora.
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O Espadim e a Manopla - Uma História de Undertale
FanfictionEle é reservado. As feridas de seu passado o assombram. Criado sem sua família biológica, oculto dos demais, sempre á procura de um objetivo, suporta angustiadamente sua vida solitária. Ela, impetuosa e bélica, incorruptível em sua busca por justiça...