NITCH
- Belo desenho, Nitch.
Olhei por cima do ombro, encarando o rostinho condoído de Bob atrás de mim.
- Ah... obrigado, Bob.
Inclinei o sulfite que usava para ele, dando-lhe uma maior visão da ilustração que estava fazendo. Havia resolvido desenhar o corredor da Sala Norte, mas os padrões simétricos das janelas - que ostentavam, em suas vidraças, o emblema da Delta Rune - eram excepcionalmente difíceis de serem recordados mentalmente.
No fim das contas, havia rabiscado apenas os cortes do vitral, deixando-os sem qualquer insígnia.
- Vai colorir? - sorriu, pateando a folha delicadamente.
- Não sei – suspirei, desanimado – não estou muito a fim.
Era minha desculpa para quase todas as atividades, há mais de dois anos.
Parecia fazer séculos desde a morte de Alekey. Mas a dor que eu sentia ainda não havia minguado. Todo meu entusiasmo, toda minha empatia e toda minha perspectiva de vida aparentavam ter sido enterrados, da mesma forma que o pequeno corpo que jazia há tempos na catacumba do castelo.
Por mais que eu tentasse negar, aquele garotinho humano havia sido meu único e melhor amigo. Havíamos sido confidentes um do outro.
Eu havia o protegido...
E, depois de algum tempo, eu mesmo havia entregado-o à morte, como se minha própria manopla tivesse dado cabo de sua curta e frágil vida.
Nunca conseguiria me perdoar pelo que havia acontecido.
Senti a diminuta patinha de Bob pousar gentilmente em meu ombro. Ele, mais do que qualquer pessoa, sabia quando e por que eu estava me sentindo mal.
- Não foi culpa sua, Nitch – havia ouvido aquela frase centenas de vezes nos últimos tempos, o que não diminuía em nada o peso do remorso em meu interior – e o garoto sabia o que esperar. Precisa superar isso...
- Eu sei, Bob – resfoleguei, amargurado – mas... não consigo. Eu... fico lembrando do jeito que ele me olhou pela última vez... - estremeci de raiva contida – e tudo que eu queria ter feito... era ter pedido para papai ter piedade. Eu sei que foi pelo bem maior... pode me chamar de egoísta... - esfreguei as mãos no rosto – eu só... queria que houvesse... outra maneira.
- Todos nós queríamos – sempre havia me admirado com o talento de Bob de dizer coisas profundas em poucas palavras – se pudéssemos voltar no tempo... impedir toda esta guerra...
Me ergui, cruzando os braços.
- Sim – concordei, desolado, citando uma das estrofes do Hino da Guarda Real – poderíamos fingir que essas manchas de sangue... vão secar um dia.
Antes que eu prosseguisse, porém, algo me chamou a atenção.
Ergui minhas orelhas caninas, ouvindo um distinto e familiar som ao sul do jardim.
- O que...? - começou Bob.
- Espere – ergui a mão, pedindo silêncio – fique aqui.
- Mas Nitch...!
Ignorei o apelo preocupado de Bob, dando a volta na sala do trono, conjurando uma de minhas esferas de fogo, aproximando-se na direção do som.
Reconheci, perplexo, as inconfundíveis estrofes do Hino da Guarda.
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O Espadim e a Manopla - Uma História de Undertale
FanfictionEle é reservado. As feridas de seu passado o assombram. Criado sem sua família biológica, oculto dos demais, sempre á procura de um objetivo, suporta angustiadamente sua vida solitária. Ela, impetuosa e bélica, incorruptível em sua busca por justiça...