Xeque-Mate

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AAYRINE



Senti um sorriso misto de desdém e surpresa se abrir em meu rosto.

- Sim... sou eu.

Eu reconhecia aqueles olhos carmim escuros em qualquer lugar. De alguma forma - forma esta que não sabia explicar –, eu havia acabado de me reencontrar com o petulante guarda-costas que havia escoltado Asgore, naquele fatídico dia em Waterfall.

- Que merda você pensa que está fazendo aqui? - ele sibilou.

- Ah... desculpa? - dei uma risada sarcástica – sou a vice-capitã da Guarda Real, bola de pelo. Posso ir à qualquer lugar do subsolo.

Ergui a sobrancelha quando ele invocou uma manopla em sua mão, erguendo o braço em punho na minha direção.

- Não aqui – rosnou - não neste lugar.

- Não sei em que caverna viveu nos últimos dois anos, cabritinho – senti o sangue rugir em meus ouvidos, fechando os punhos – mas as convenções antigas acabaram – encarei-o – agora que matei o sétimo humano caído, estamos mais perto do que nunca da nossa liberdade – escarneci – achar que não posso me aproximar do castelo deveria ser a menor de suas preocupações.

Minha declaração pareceu impactá-lo por um momento. As quatro estranhas orelhas do cabrito-neko estremeceram em reação ao que eu havia dito.

- Você... matou...?

- Sim – não compreendia o estranho ar de perplexidade e censura que varreu seu olhar – apenas mais uma alma de um destes vermes... e finalmente seremos livres. Aquelas criaturas desprezíveis terão alguma utilidade neste mundo, afinal de contas.

Algo aparentou ferver curiosamente por trás de sua expressão raivosa.

- Você fala.... - titubeou – como se todos eles fossem maus – sacudiu a cabeça desdenhando - ainda existem aqueles que não são malignos e corrompidos, se quer realmente saber.

Encarei-o, incrédula.

- Se você acha nossos inimigos inocentes – grunhi, erguendo meu espadim – você realmente é mais indigno de usar esta manopla do que eu imaginava.

Foi o estopim.

O rapaz jogou-se contra mim, tentando-me atingir com duas esferas de fogo, que havia acabado de conjurar em suas mãos.

Meu espadim repeliu as chamas, impedindo-as de me ferirem. Mal havia me movido para gesticular aquela posição defensiva, o que me deu alguns minutos de vantagem para revidar.

Vi o espanto varrer seu rosto ao me ver atacar repentinamente, usando toda a minha força bruta para golpeá-lo.

Porém, não foi o único a se surpreende.

Ele deveria ter se dedicado febrilmente a melhorar sua agilidade durante aquele tempo em que havia desaparecido do mapa, já que conseguiu se esquivar facilmente de cada um dos ataque que desferi contra ele.

Com ambos falhando nos ataques, e mantendo nossas defesas a todo custo, aquela luta perdurou por um tempo ridiculamente longo. Comecei a ficar frustrada, aumentando a intensidade dos floreios com o espadim, que insistia em entrecruzar-se com sua manopla.

Resfoleguei, lutando para me concentrar, sentindo meu corpo começar a cobrar o preço de minhas febris investidas.

Meus movimentos desaceleraram por um momento, enquanto girava a arma de cima a baixo, tentando pegá-lo de surpresa.

Porém, o cabrito usou aquela brecha para agarrar meu pulso, girando-o junto do próprio punho, lançando meu espadim para o alto.

Atônita e distraída, senti a manopla socar meu busto violentamente, me desequilibrando. Arquejante, caí de costas no chão, momentaneamente atordoada.

Não tive tempo de recuperar o fôlego, já que meu oponente jogou-se em cima de meu corpo, apanhando o espadim no ar, e investindo-o violentamente contra mim.

Guinchei, perplexa, encarando de soslaio a lâmina que havia se cravado ao lado do meu pescoço, a poucos centímetros da garganta.

Vi-o sorrir, troçando de maneira satisfeita.

- Xeque-mate, carneirinha.

Fitei-o enfurecida, tentando me desvencilhar.

Porém, por um ínfimo segundo, o jovem monstro ficou me encarando os olhos, parecendo curiosamente pensativo.

Distraído.

Excelente. Era tudo que eu precisava.

Não pensei duas vezes. Impulsionei o corpo para cima, lhe dando uma cabeçada brutal na testa, com toda a força que ainda me restava.

Assim que ele me soltou, estonteado, girei meu corpo, ficando por cima dele. Usei meus joelhos em seu abdômen, fazendo-o se curvar - a deixa perfeita para imobilizá-lo contra o chão.

Ouvi-o fungar, rosnando baixo.

- Ainda não aprendeu a lição, não é? - ri, expondo minhas presas, enquanto colocava a lâmina do espadim contra seu pescoço – devia ter ficado longe da carneira.

Ele apenas me encarou impassivamente.

O punho de sua manopla se ergueu minimamente, direcionando-se perto de meu rosto, a alguns centímetros de minha orelha direita.

Eu só consegui enrijecer, lívida, sentindo o gume de uma lâmina secreta emergindo da parte inferior de sua arma, parando a meros milímetros de meu focinho entreaberto.

Apenas um movimento, e eu também seria uma monstra morta.

- Como eu ia dizendo.... - ele gemeu, dando uma risada fraca - xeque-mate.

A lâmina cutucou minha pele em reafirmação, cortando uma mecha de meus cabelos com a facilidade de uma lâmina mágica.

Senti a raiva me dominar.

Estávamos completamente a mercê da piedade um do outro. E eu não estava a fim de ser a covarde que entregaria os pontos.

Como num combinado silencioso, nós dois recuamos, afastando-nos vários passos um do outro, retraindo nossos armamentos.

Sentia meu peito doer, e a cabeça latejar por conta do golpe que havia dado na cabeça daquele cabrito.

Em meio à irritação, eu tinha que assumir que aquela bola de pelo irritante havia evoluído muito. Usar minhas próprias habilidades ao seu favor, se aproveitando de qualquer brecha, usando golpes surpresa – tudo isso exigia uma disciplina estratégica admirável.

- É – resmungou, num tom de deboche – foi bom ir à forra com você, carneirinha - a lâmina em sua manopla se retraiu, e ele me inclinou a outra mão, num gesto de inesperada e amigável rendição – a propósito... talvez seja bom saber o nome do cabrito que te derrotou – disse, repetindo as minhas palavras de meses atrás – meu nome é Nitch.... - me lançou uma piscadela – Nitch Buster.

Minha mão paralisou-se, a quase meio caminho de apertar a dele.

Buster.

Impossível.

O filho perdido de Morip e Asha Buster, de alguma maneira inacreditável, realmente estava vivo.

E eu tinha, contra todas as probabilidades, havia acabado de encontrá-lo.

O Espadim e a Manopla - Uma História de UndertaleOnde histórias criam vida. Descubra agora