Sacrifício

16 3 0
                                    



NITCH



Um dos preceitos mais antigos da Guarda Real era o de nunca demonstrar fraqueza diante de outro monstro.

Não importava o que estivéssemos sentindo... nosso dever era jamais deixar que isso transparecesse em nosso olhar.

Naquele momento derradeiro, foi impossível respeitar tal regra.

Meus punhos se encontravam fechados. Minha mandíbula, travada num esgar de agonia. O estômago embrulhado de pesar. E meus olhos – aquelas inigualáveis janelas da alma – reprimiam as lágrimas que eu sabia não ter permissão de derramar.

Em contraste com minha latente aflição, Alekey caminhava a passos lentos ao meu lado, segurando firmemente minha mão.

Ele estava tão calmo. Mesmo sabendo o que o aguardava, mantinha a serenidade de uma dócil e ingênua criança de sua idade, aparentando não refrear-se diante de seu destino.

Eu não tinha nem metade daquilo.

Minha vontade ela pegar aquele pobre garotinho no colo. Tirá-lo daquele lugar. Fugir com Alekey para longe, fora do alcance do rei, numa tentativa vã de salvá-lo.

Mas sabia que isso nunca aconteceria. Alekey não permitiria que eu traísse meu próprio povo. E minha lealdade à Asgore anularia qualquer plano desesperado e fútil.

- Por favor, Nitch – senti o aperto gentil de sua mãozinha em minha luva – não fique triste.

Sacudi a cabeça, tentando engolir o nó que crescia cada vez mais em minha garganta.

- Está me pedindo o impossível – ri amargamente, continuando a caminhada.

Cada passo era uma distância a menos na direção do rei. E Alekey conseguia esconder seu medo com maestria.

Eu definitivamente não tinha a mesma habilidade. Sentia que ia me desfazer em pedaços à qualquer momento, como se eu mesmo estivesse á caminho da morte.

É pelos sonhos e esperanças de nosso povo. É pelos sonhos e esperanças de nosso povo. Isso irá nos libertar.

Eu repetia a mim mesmo todo o tempo. Talvez, com a quantidade certa de repetições, eu finalmente acreditaria nisso. Me convenceria de que não havia outra maneira, e de que aquilo seria justificado.

Mas nada me tirava da cabeça o fato de que Alekey, meu melhor e único amigo, o humano que eu havia salvado e ajudado a proteger, estava prestes a encontrar seu fim, nas mãos de meu próprio pai.

- Você é meu melhor amigo – Alekey sussurrou – vai ficar tudo bem, Nitch.

Encarei aquele rapazinho de sorriso triste, e senti a dor em meu peito dobrar de intensidade.

Alekey havia me convencido, em tão pouco tempo, de que nem todos os humanos eram realmente maus. Duvidava que houvesse, na superfície ou no subterrâneo, alguém com alma mais bondosa e nobre.

E era doloroso saber que, para ver meu povo liberto, eu teria que perder a pessoa pela qual mais havia me afeiçoado.

A única coisa que me consolava era saber que Asgore sofreria tanto quanto eu.

Não por que eu estivesse nutrindo qualquer rancor pelo que meu pai faria, mas sim por saber que não teria que carregar sozinho o peso daquela culpa.

O Espadim e a Manopla - Uma História de UndertaleOnde histórias criam vida. Descubra agora