NITCH
A primeira coisa que fiz – assim que virei o corredor do cárcere de Waterfall, após ouvir Aayrine deixar o local – foi escorregar pela parede do exterior do prédio, com a mão pousada sobre o peito, sentindo meu coração continuando sua tentativa desesperada de sair por minha garganta.
Meu corpo inteiro tremia. O calor que invadiu meu rosto naquele momento era indescritível. E eu mal conseguia processar extensa lista de loucuras que havia acabado de cometer.
Aonde infernos eu estava com a cabeça?
Tinha acabado de desacatar uma ordem da capitã. Havia libertado uma prisioneira. Tinha contado todos os meus segredos sobre meu passado com Alekey.
E havia beijado Aayrine.
Espalmei minha mão contra a testa, ofegante.
Decididamente, todas as burradas que havia acabado de fazer não chegavam ao nível de gravidade – e irracionalidade - de ter beijado minha melhor amiga.
Por que havia feito aquilo?
Havia sido um impulso inexplicável. Meu corpo simplesmente havia reagido por conta própria. Era como se, de alguma forma… tivesse sido realmente necessário.
Ainda podia sentir uma queimação estranha sobre a boca. Uma taquicardia insana, que parecia querer comprimir cada batimento contra minhas costelas.
Aquilo havia sido… incrível.
Decididamente inesperado. Completamente errôneo. Mas maravilhosamente incrível.
Só faltei terminar de infartar quando Sans surgiu repentinamente ao meu lado, parecendo extremamente satisfeito em me pegar de guarda baixa.
- E aí, Buster?
- Que droga, Sans! - reergui-me imediatamente, arquejando, quase caindo de borco de tanto susto – nunca mais… apareça dessa forma… tá legal?
- Desculpe. Não quis te deixar… encabritado.
Massageei as têmporas, tentando controlar meu repentino desejo de enfiar minha manopla em sua pélvis.
- É sério, cara – funguei – rolou uma tragédia gigantesca aqui. Me dá um tempo com essas piadas horrorosas, tá?
Sans me encarou, sufocando uma risadinha petulante.
- Eu diria que a maior tragédia para você…. Foi interromper aquele beijo.
Congelei.
Ótimo. Sans havia visto tudo.
Eu realmente estava muito ferrado.
- Sans…! - sacudi os braços, desesperado, com as orelhas completamente retraídas para trás de tanta aflição.
- Se acalme, rapaz – riu-se – não vou contar para ninguém – ergueu uma falange em minha direção – com uma condição.
Recobri o rosto com as mãos. Tudo que eu precisava agora era receber um ultimato de um maldito esqueleto maníaco por ketchup. Era só o que me faltava.
- E qual seria?
Quando baixei as patas, ele estava defronte á mim, com os braços cruzados, me fitando de maneira séria.
- Por que não diz á Aayrine o que sente, Nitch?
- Como assim? - gaguejei, repentinamente vitimado por uma onda de pânico, sentindo o ardor em meu rosto aumentar – sentir o que…?
Ele pousou a mão sobre meu ombro. Suas pupilas se estreitaram, numa expressão repentinamente gentil.
- Está apaixonado por ela – disse simplesmente.
Recuei, sacudindo a cabeça.
- Ficou louco, Sans? Eu não estou apaixonado…!
Parei de falar poucos segundos depois, percebendo seu olhar irredutível, sentindo minha voz minguar como a água de uma torneira que se fechava.
- Claro que não – murmurou, sorrindo sarcasticamente – apenas se sente desarmado, de coração acelerado e sem jeito toda vez que ela está por perto… simplesmente preferiu libertá-la a deixar a garota enclausurada aqui no cárcere… confessou segredos que nunca imaginou contar… e deixou seu coração finalmente tirar essa timidez toda e expressar o que quis fazer este tempo todo, dando um tremendo beijo nela – deu de ombros, risonho – mas não… isso tudo não tem nada a ver com o fato que você a ama. Que tolice.
Voltei a escorrer pela parede em direção ao chão, aturdido.
- Droga – guinchei, com o olhar perdido.
Ele tinha razão.
Por que outro motivo tudo aquilo teria acontecido? Eu nunca havia me apaixonado na vida… então jamais poderia ter interpretado quaisquer sinais.
E eles haviam surgido… em desnecessária demasia. Era como se, após muito tempo, a vida estivesse esfregando em minha cara o quanto eu era obtuso.
Algo me dizia, no fundo da minha alma, que Sans estava certo.
Contra todas as expectativas, avesso a tudo que era esperado, Aayrine havia simplesmente conseguido fazer minhas emoções superarem o senso de dever. Tinha me feito pensar sobre coisas que eu tinha, por muito tempo, me determinado a nunca tentar mudar.
A ternura e afeição que sentia por ela já nem se assemelhavam mais a de um amigo. Por que, agora, eu sentia necessidade de tê-la em meus braços, de estar ao seu lado, e de tentar protegê-la – mesmo que não precisasse de proteção alguma – quase o tempo todo.
Se havia alguma dúvida, ela esvaiu-se naquele mesmo momento.
Vi o esqueleto inclinar a cabeça.
- Bem, este vai ser nosso combinado, Nitch. Eu não conto nada sobre o que vi para Undyne. E olha que ela daria cada escama dela para saber disso – lançou-me uma piscadela, humorado – em troca… agora ou mais tarde… você se acerta com Aayrine, e dá alguma satisfação para aquela pobre carneira sobre o que rolou aqui. Afinal… acho que devo isso á ela depois de tudo que fez pelo meu irmão… e você também, já que ela esteve lá sempre que precisou – meneou a mandíbula veementemente - fechado?
Baixei a cabeça.
- Claro… - concordei, ainda abalado, sem conseguir pensar em qualquer desculpa convincente, ainda dopado com tudo que havia acontecido – fechado.
- Ótimo – assentiu, animado – bem… tenho que ir agora. Preciso fazer… uma coisa. E acho que o senhor também deveria voltar para casa – comentou – aquela criança pode estar deixando Waterfall á esta altura. E é melhor você estar no local designado… se ainda quiser obedecer ás ordens do rei.
E enfim, dizendo isso, Sans desapareceu, deixando-me sozinho no jardim.
Suspirei, novamente me levantando.
Ergui a cabeça, esquadrinhando o amplo horizonte azulado diante de mim, começando a caminha tropegamente na direção de Hotland.
Naquele momento, tive duas certezas.
Primeira certeza… já era inegável o quanto eu estava apaixonado por Aayrine Nacabi.
E a segunda… era que aquilo ainda me traria muitos problemas adiante.
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O Espadim e a Manopla - Uma História de Undertale
FanfictionEle é reservado. As feridas de seu passado o assombram. Criado sem sua família biológica, oculto dos demais, sempre á procura de um objetivo, suporta angustiadamente sua vida solitária. Ela, impetuosa e bélica, incorruptível em sua busca por justiça...