Capítulo I - MALU

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- Acorda, Bruno – chamei enquanto o chacoalhava na cama.

Esse era um problema recorrente nas minhas manhãs, desde que morávamos juntos. O Bruno tinha o sono mais pesado que eu já vira. Mesmo tendo passado pelo tanta de coisas que passamos, o seu sono definitivamente não fora prejudicado.

- Não quero – disse ele, cobrindo a cabeça com a coberta.

Senti-me tentada a lhe dar uma boa bifa na orelha, mas me contive.

- Você não é mais criança, Bruno – tornei – E eu não preciso te explicar pela bilionésima vez o motivo disso tudo.

- Já sei. Já sei – disse ele, zangado, arremessando longe a coberta – Temos que nos camuflar.

Meio se arrastando, ele saiu da cama e foi para o banheiro tomar seu banho. Enquanto isso, escolhi uma roupa dentro do armário. Não haviam muitas opções, mas admito que perto do que tinha antes, era bastante coisa. Acabei optando por um vestido florido.

- O Oscar não vai trabalhar hoje – disse o Bruno, saindo do banheiro envolto em uma nuvem de vapor – Não precisa ir arrumada desse jeito.

Essa era uma clara tentativa de zombar de mim. Ele falava isso quase todos os dias.

- Não sei do que você está falando – disse, enquanto arrumava meu cabelo na frente dos espelho.

Ah, meu cabelo! Como ele tinha crescido nesses oito meses. Ainda não estava comprido como eu gostaria que estivesse, mas agora eu parecia muito mais uma menina do que antes.

- Tá bom – respondeu ele, sarcástico.

Peguei minha bolsa, chequei meus pertences e saímos, rumo a mais um dia da nossa nova vida.

*

Minha vida sofrera tantas mudanças nos últimos oito meses, que eu nem saberia por onde começar.

Quando o Zeca não me aceitou novamente no seu grupo – e eu entendo muito bem o motivo – eu me vi perdida. O que eu e o Bruno faríamos? Onde moraríamos? Quem nos daria oportunidade? Essas perguntas rondaram minha cabeça por dois dias, tempo em que ficamos vagando pela cidade, sem saber o que fazer.

A ideia veio do Bruno, e eu eu achei de um tremendo mau-caráter.

- Por que você não convence algum dono de hotel a deixar a gente ficar em um quarto vago? - sugeriu ele.

- Porque eu tenho princípios. - respondi, não dando abertura para que ele insistisse.

Mais três dias passaram, e a situação foi se complicando. Isso porque eu não tinha o menor jeito para roubar comida dos outros, como o grupo fazia. Eu achava aquilo ilegal e imoral e o Bruno não colaborou, quando lhe pedi que trouxesse comida através da sua telecinese.

- Eu tenho princípios – respondeu ele, deixando-me sem argumentos.

Depois de alguns dias, finalmente me rendi a seu plano. Fiz o que ele sugeriu e percebi que viver uma vida normal tem lá suas vantagens. E não estou falando só de uma cama confortável, um chuveiro quentinho e um belo café da manhã. Estou falando sobre ter uma vida normal de verdade!

Após dois dias no hotel – que passamos comendo, dormindo e assistindo TV – demos início a uma nova etapa do nosso plano de nos tornarmos pessoas normais – ou o mais perto possível. Iniciamos tudo fazendo nossos documentos. Sem eles, não conseguiríamos fazer nada. E esse foi um problema enorme.

A Terceira Criança - Livro 2Onde histórias criam vida. Descubra agora