Capítulo VI - MALU

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Pegar o ônibus de manhã cedo era muito melhor do que pegá-lo no final da tarde. Isto porque, com o pouco movimento, sempre era possível arranjar um assento para vir sentada. Ainda mais nesse horário que não era o nosso de costume, já que o Bruno tinha se atrasado um pouco. Eu sei que no final da tarde isso é bem mais importante, mas cada um se contenta com o que tem.

O Bruno não estava a fim de papo desde a noite passada. Às vezes ele ficava assim e tudo que eu tinha que fazer era respeitá-lo – já que ele sabia fazer isso quando eu estava quieta.

Passei a reparar nas pessoas que estavam no ônibus para me distrair, uma vez que o percurso era um pouco longo. Havia um homem sentando sozinho no primeiro banco. Ele conversava sobre o tempo como o motorista. O cobrador jogava todo seu charme – que não era muita coisa – para duas moças jovens. Um casal de senhores pareciam não estar nem aí para o que aconteciam a sua volta. E no último banco estavam uma mulher e um homem conversando em voz baixa.

Não sou o tipo enxerida, mas por algum motivo aquelas pessoas me chamaram a atenção. Tive a impressão de que eu conhecia aquela mulher de algum lugar, mas eu não conseguia me lembrar de onde. Tentei não encará-los descaradamente, mas sempre que podia, tentava olhá-los de soslaio. Até que finalmente me lembrei quem era aquela mulher. E achei que meu coração fosse sair pela boca.

Endireitei-me na cadeira de forma abrupta e tentei me encolher o máximo possível para que eles não me notassem ali. Isso, se ainda não tivessem notado.

- O que foi? – perguntou o Bruno, achando aquilo bem estranho.

- Se abaixa! – pedi em voz baixa.

- Hã?

- Se abaixa! – Dessa vez o puxei pela camiseta.

- Eu não estou entendendo, Malu!

- Ali atrás...

Ele fez menção de que levantaria para olhar, mas o puxei pela camiseta novamente, antes que ele fizesse essa besteira.

- Não olha! – exclamei, ainda em voz baixa. – Tem duas pessoas lá no banco de trás. Uma delas é uma das enfermeiras.

Pelo seu olhar notei que ele finalmente compreendera minha preocupação.

- Qual enfermeira? – indagou, agora em voz baixa também.

- Uma das que trabalhava na reabilitação – respondi. – Não sei se ela lembra de mim.

Ele pareceu pensar por um instante. O Bruno não era muito de falar, mas sua cabeça estava sempre trabalhando.

- Você acha que consegue escutar o que eles estão falando? – perguntou.

- Não me interessa saber o que eles estão falando! – exclamei, indignada – Eu só quero sair desse ônibus.

- Deixa de ser idiota, Malu! – ralhou. – E se eles estiverem planejando alguma coisa?

- Não me interessa! Eu não faço mais parte disso.

- Quer você queira ou não, nós sempre faremos parte disso. Agora se concentra. Se você escutar o que eles estão pensando, a gente vai saber do que se trata essa conversa.

Mesmo a contragosto, fiz o que o Bruno me pediu. A verdade é que fazia tempo que eu não precisava usar minha telepatia e acho que eu estava sem prática. Mas após alguns instantes eu já estava ouvindo a conversa dos dois.

A Terceira Criança - Livro 2Onde histórias criam vida. Descubra agora