Capítulo XLIII - MALU

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     Eu não tinha combinado um horário específico com o Zeca. Tinha apenas pedido que ele chegasse à tarde. Pena que isso era bem relativo já que ele tinha do meio dia às seis e meia para aparecer. Isso, é claro, contando com o fato de que ele realmente viria, o que, a essa altura do campeonato, eu estava começando a duvidar.

     E para aumentar minha aflição, eu estava sozinha em casa. Era o meu dia de folga. O que não significa que fosse o dia do Bruno também. Por um lado era bom que ele tivesse o tempo dele sozinho. Depois da nossa conversa de ontem, não sei com que cara ele olharia para mim.

     Um pouco depois das quatro, ouvi batidas na janela. Ainda era dia claro, então a veneziana estava aberta, o que permitiu que eu identificasse o Zeca na minha janela de cara.

     - Puxa! – exclamei, sorridente. – Pensei que você não viesse.

     - Tive um pequeno incômodo, mas já está tudo resolvido.

     Pela primeira vez, o Zeca me esperou na porta e não precisou pular a janela nem nada disso. Estávamos saindo em um horário apropriado, afinal.

     Seguimos caminhando até a tal lanchonete que eu lhe dissera. Ficava a poucas quadras dali e logo chegamos lá. O Zeca se sentiu incomodado de entrar lá, o que eu já esperava, então pedi que ele esperasse na pracinha.

     Não demorou até que eu voltasse com os pasteis. Encontrei o Zeca no lugar onde nós tínhamos combinado, mas ele não parecia nada à vontade ali.

     - Você se importaria se a gente fosse pra outro lugar? – perguntou.

     - É claro que não. Eu conheço um lugar.

     Não quis saber qual o problema com a praça, nem o que o fez mudar de ideia. Na verdade eu desconfiava que ele estava envergonhado, pois notei que algumas pessoas o olhavam de forma nada amistosa. Eu já estive na pele dele e sei como as pessoas são cruéis nesse tipo de situação.

     Seguimos até um beco que ficava perto dali. Na verdade, eu nem conhecia aquele beco. Só inventei para não deixar um clima chato. Sentamos no chão, de costas pra parede e ali comemos nossos pasteis e conversamos sobre um milhão de assuntos. Essa era uma vantagem da nossa longa amizade. Mesmo quando não tínhamos sobre o que conversar, o assunto rolava de maneira natural.

     - Obrigado – disse, a certa altura da conversa.

     - Não foi nada – sorri.

     Já estava começando a anoitecer e o beco estava ficando meio escuro.

     - Não só pelo pastel. Por tudo. Especialmente por ter me desculpado depois da maior besteira que eu fiz na minha vida.

     - Você sabe que eu não conseguiria ficar brava com você. Sempre foi assim. – relembrei, saudosa. – Desde que éramos crianças, eu sempre acabava te desculpando. E acho que vai ser assim pra sempre.  Eu já te falei o quanto eu senti sua falta nesse tempo que ficamos longe.

     - Mas eu acho que eu nunca te falei sobre o quanto eu senti a sua – tornou, muito sério.

     Sua afirmação meio que me pegou de surpresa. Ele não era do tipo que se abria com muita facilidade. Nossas longas conversas geralmente envolviam temas amenos e bobos. Quase nunca o que sentíamos.

- Quando você escolheu ficar no hospital, eu me senti traído. Eu tinha arriscado a minha pele para te salvar e você não teve a menor consideração por mim. - Ao notar que eu ia me defender, continuou: - Agora eu entendo que as coisas não aconteceram dessa forma, mas naquela época eu me senti o maior otário do mundo e, mesmo sabendo que você tinha esse direito, isso não me impediu de sentir muita raiva. E foi por isso que eu decidi trancar tudo o que eu sentia e lembrava sobre você num lugar bem escondido. Eu me saí muito bem por um bom tempo.

     Apesar da pouca claridade, eu conseguia enxergá-lo com bastante clareza. Ele me encarava tão profundamente, que cheguei a pensar que ele pudesse olhar dentro da minha alma.

     - Até que eu te vi na rua, sem querer – continuou. – Você estava usando um vestido florido e estava linda. Eu quase criei coragem para ir falar com você, mas o Bruno apareceu e, na época, eu não sabia que ele era seu irmão. Puxa! Como eu fiquei magoado naquele dia. Eu pensei que você tinha me esquecido.

     - Zeca, eu nunca... – comecei, mas ele não me deixou terminar.

     - Eu não sei o que me deu na cabeça. Era para eu ter te esquecido, mas mesmo assim eu resolvi te seguir. Continuei com essa loucura por semanas, até que você me notou naquele dia e eu te falei aquele monte de desaforos. Eu pensei que, ao te ofender, eu tiraria um peso dos meus ombros. Que a vingança me faria voltar ao normal. Mas a verdade, Malu, é que desde que eu te reencontrei, eu não sei mais o que é ser normal.

     Quando ele acabou de falar, ele passou a encarar o chão. Estava desconfortável com o clima pesado que se instaurara entre nós. Eu também estava um pouco. Mas, mais do que isso, estava disposta a finalmente resolver alguns pontos com ele. Pontos que estavam soltos desde aquela época.

     Segurei seu rosto e o ergui, pois eu queria que ele me olhasse enquanto eu falava.

     - Eu não sei quando as coisas começaram a ficar confusas entre nós – expliquei. – Mas este foi um dos motivos que me levou a ir embora. Eu sabia que eu estava causando um transtorno para você, para a Iolanda e para o grupo e eu não estava preparada para enfrentar as consequências. Mas eu me arrependi no instante em que eu vi sua cara, naquela cela do hospital. Você não estava zangado, nem triste. Você estava decepcionado. Eu tinha te decepcionado, Zeca.

     Eu me sentia muito estranha. Rígida e tensa. Minhas mãos estavam trêmulas e suadas, por mais que eu quisesse parecer relaxada. Meu coração batia tão forte contra o meu peito, que eu pensei que ele pudesse ouvi-lo. Era tudo muito intenso.

     - Não teve um dia sequer nesses malditos oito meses que eu não tenha pensado em você. E só de saber que o fato de você ter ido me ofender acabou, de alguma forma, nos aproximando de novo, me faz pensar que eu dava tudo pra que você tivesse ido me xingar muito antes.

     Senti sua mão abruptamente tocar a minha nuca e me puxar pra perto dele e, antes que eu me desse conta do que estava acontecendo, senti seus lábios tocarem os meus num beijo que, mesmo sem me dar conta, eu desejava há muito tempo.

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Eu estou ouvindo um coro de Aleluia, gente?? Até que enfim as coisas finalmente se resolveram! Zelu agora é uma realidade, meu povo.

Quero saber o que vocês estão achando então, por favor, comentem bastante!!

Beijão ;*

A Terceira Criança - Livro 2Onde histórias criam vida. Descubra agora