Capítulo II - BRUNO

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Já tinha oito meses desde que eu e Malu vivíamos juntos e, no entanto, eu não sabia quase nada a seu respeito. Não sabia qual sua cor preferida, nem o que ela não gostava de comer, muito menos suas aspirações. A lista de coisas que eu sabia sobre ela era bastante restrita, mas pontual para que tivéssemos uma convivência harmônica.

Eu sabia, por exemplo, que ela adorava se arrumar mesmo sabendo que ia ser obrigada a vestir aquele uniforme medonho. Sabia também que ela demorava bastante para pegar no sono à noite. E mais ainda, sabia que ela não me contava a verdade sobre algumas coisas, especialmente sobre o tempo que passou com aquele cara e sua galera. Ela evitava falar sobre isso e quando falava eu sabia que ela omitia vários detalhes.

Mas mais do que tudo, eu sabia de uma coisa: ela nunca chorava. Foi por isso que me senti muito desconfortável quando a encontrei escondida no almoxarifado chorando.

- O que aconteceu? - perguntei, alarmado - O Pacheco te ofendeu?

- Não foi ele - respondeu, tentando secar as lágrimas apressada.

- Me conta o que foi, Malu - insisti.

- É assunto meu, Bruno - tornou ela - Não se mete.

Ela saiu pela porta antes que eu tivesse chance de argumentar e ficar ali sozinho me fez lembrar de um detalhe que eu já tinha até esquecido. Fazia alguns dias que eu tinha visto aquele cara rondando as redondezas da fábrica. Na ocasão não me importei, pois naquele dia ele tinha sido muito claro sobre não nos querer por perto. Mas analisando friamente, ele era a única pessoa que conseguiria deixá-la daquele jeito.

Eu não conhecia a Malu há muito tempo, mas como seu único irmão, cabia a mim o dever de protegê-la de qualquer coisa, mesmo que ela não quisesse ser protegida. E quando a única coisa que a deixava daquele jeito era aquele cara, não me restava outra saída senão ter uma conversa com ele.

Naquele mesmo dia depois do serviço, inventei uma desculpa sobre sair com uma garota para tomar sorvete e fui direto à casa onde ele e sua galera moravam. Eu já tinha ido lá uma vez e eu tenho uma boa memória fotográfica, o que facilitou minha ida ate lá.

Eles estavam sentados na calçada em frente a casa, fazendo sei lá o quê. Assim que me viram entrando - e provavelmente notaram minha cara de poucos amigos - levantaram-se em tom ameaçador, mas os afastei com um simples movimento do meu braço.

Meu alvo era o Zeca, por isso me aproximei dele, peguei-o pela gola da camisa e o prensei contra a parede de forma nada amigável. A batida das suas costas contra a parede fez um baque surdo.

- Isso é só um aviso - comecei, cerrando os olhos - A próxima vez que você chegar perto dela, eu juro que te dou uma surra. E te garanto que não preciso de nenhuma telecinese pra isso.

Ele não parecia assustado. Só ostentava um sorriso de deboche naquele rosto magro e sujo.

- Ela que pediu pra você vir aqui?

- Ela jamais pediria e você sabe disso. Mas vou repetir o aviso, caso não tenha ficado claro - prossegui - Fica bem longe da minha irmã.

Quando larguei sua camisa e virei às costas para ir embora, senti que meu dever estava cumprido.

*

- Pensei que fosse chegar mais tarde - disse a Malu, assim que coloquei meus pés pra dentro do quarto;

- Foi mais rápido do que eu pensei - disse, pegando minhas roupas e indo em direção ao banheiro.

- Espero que tenha sido bom, pelo menos.

- Não sei se 'bom' é uma boa definição, mas... é... acho que foi bom sim.


As atualizações serão feitas todas as quintas-feiras.

Espero que estejam gostando.

Até semana que vem.

A Terceira Criança - Livro 2Onde histórias criam vida. Descubra agora