Capítulo XXXVI - BRUNO

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Depois de ver nosso plano afundar, voltar para a vida real estava sendo mais difícil do que eu pensei que seria. Por mais surreal que aquilo parecesse, era bom ter um pouquinho de esperança.

A Malu parecia estar na mesma vibe que eu. Mas não tenho certeza se isso se dava pelos mesmos motivos.

- Você deveria estar feliz - arrisquei, quando voltávamos de ônibus – Agora que eles terminaram.

- Eu não ligo pra isso, Bruno - deu de ombros. – Além do mais, nada impede que eles voltem.

- Se você está pensando se eles vão voltar ou não, então está claro que você se importa.

- Eu só me importo com o nosso plano. E somente com ele – mentiu, na cara dura. – Eu só estou chateada porque a Iolanda já deve ter contado para o Tonho, e agora a Helô está em maus lençóis.

- É justificável o medo absurdo que todos sentem desse cara? - indaguei, fingindo despretensão.

- Ele sempre foi superprotetor, mas quando eu morei lá ele era só o cara medroso do grupo. Muita coisa mudou desde que eu saí.

O assunto morreu no instante em que avistamos nosso ponto. Seguimos até o nosso quarto em silêncio.

Além de toda essa história do plano eu estava mal pela Helô também. Quer dizer, além de todo esse rolo com o irmão dela, seria uma pena não vê-la mais todas as noites. De alguma forma ela me fazia sentir esquisito. E isso era bom, apesar de ser um pouco assustador.

Assim que entramos no quarto, seguimos com nosso ritual diário. Liguei a TV e me deitei, enquanto a Malu ralhava comigo sobre deitar sujo na cama. Após meia dúzia de reclamações ela finalmente foi tomar seu banho e eu quase cochilei em frente a TV.

Não tenho certeza se eu cheguei a pegar no sono ou não, mas despertei do meu transe com batidas na janela. Revirando os olhos segui até lá, pois eu sabia exatamente quem era.

- O que você quer? - indaguei, abrindo a veneziana.

- Olhar pra sua cara que não é! - respondeu a Helô, para o meu espanto.

- Deixa de ser mal educada, Helô. - ralhou o Zeca, entrando no meu campo visual.

- O que vocês estão fazendo aqui?

Eu queria parecer apenas espantado com a aparição repentina da Helô, ao invés de extasiado, meio bobo e com o estômago revirando, que era como eu realmente estava me sentindo.

- Temos boas notícias - contou o Zeca, todo sorridente. – Ótimas noticias, na verdade.

- E quais são elas? - perguntou a Malu, com a toalha enrolada na cabeça, aproximando-se de nós.

- Primeira e melhor notícia: A Iolanda não vai nos dedurar! - comemorou a Helô, fazendo uma dancinha estranha.

- Não vai?

- Digamos que nós dois chegamos a um acordo – explicou o Zeca.

- Ah – grunhiu a Malu, de cara amarrada.

Os dois podem não ter notado, mas eu percebi, no mesmo instante, que ela esperava outra resposta. Como eu sou um irmão muito, muito bondoso, fiz a pergunta que ela queria fazer, mas não tinha coragem.

- Tá... então isso quer dizer que vocês ainda estão namorando?

- Ah, não! - gunhiu. – A Iolanda me odeia.

- E me odeia também – completou a Helô, desanimada.

- Puxa! Não entendi mais nada.

- Ela aceitou não contar para o Tonho só porque tem mais ódio do hospital do que de nós dois.

- O que até faz algum sentido. Mas, qual a segunda boa notícia? - indaguei.

- A Iolanda nos contou que dificilmente encontraríamos alguma pista da terceira criança em orfanatos, já que existe um boato de que essa criança nunca viveu em um.

- Foi noticiado que todas as cobaias morreram, mas e se isso não for verdade? E se alguma delas sobreviveu? - insistiu a Helô.

Quase dei com a língua nos dentes e falei mais do que devia. No calor da emoção, quase deixei escapar que o médico era uma das cobaias. Não que eu quisesse esconder esse fato deles, mas não se tratava de algo relevante para o nosso plano. Não agora, pelo menos.

Eu e a Malu tínhamos feito um pacto no dia que deixamos aquele lugar. Nunca contaríamos para ninguém sobre sermos filhos daquele desgraçado. Puxa! Já tínhamos desgraças demais na nossa vida. Não precisávamos de mais essa.

- Ou mesmo que tenham morrido - completou o Zeca, num discurso eufórico. – E se alguma das cobaias mentiu sobre o fato de não possuir família?

- O pensamento é válido, os argumentos são bons e a euforia de vocês é contagiante - constatei, de braços cruzados - Mas só tem um problema nisso tudo. Onde diabos vamos procurar por essa criança? Não podemos sair procurando de casa em casa, né?

- Na verdade pensei em começarmos pela biblioteca pública. Na época os jornais noticiaram o experimento. Talvez possamos encontrar alguma pista.

A ideia era meio ridícula, eu sei. Havia uma chance enorme de nos vermos num beco sem saída logo na primeira etapa. Sem contar que mais noites em claro acabariam comigo.

- Eu sei que não é grande coisa. Mas precisamos tentar de alguma maneira - insistiu. - Se tivermos uma chance em um zilhão, precisamos nos agarrar a ela, certo?

- A essa altura do campeonato, acho que não temos mais nada a perder. - concordei, dando de ombros.

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OPA!!!! Será que é agora que a coisa anda?

Não esqueçam do votinho e dos comentários.

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A Terceira Criança - Livro 2Onde histórias criam vida. Descubra agora