A vingança

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Ana de Luz nasceu. Enzo a segurou nos braços, ergueu, e pediu a bênção de Deus. Em seguida, entregou o bebê à mãe, que, em lágrimas de alegria, amamentou. Edmondo estava lá. Foi ele quem deu a primeira roupinha.

Aquele foi o ano da Quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, mais conhecida como crise de 1929. O mundo todo sentiu o impacto. Milhares de pessoas foram à falência. Bancos e indústrias fecharam as portas para sempre. Fazendeiros perderam suas propriedades. Na América, já não fazia tanto sentido dançar foxtrot. O Brasil, o maior exportador de café, queimou safras para manter o preço - foi inútil. A produção de navios diminuiu drasticamente na Inglaterra, afetando minas de carvão. A Alemanha entrou numa depressão profunda: precisava de dinheiro para reparar a destruição da Primeira Guerra.

Enzo sabia o que deveria fazer: diminuir o quadro de funcionários, reduzir os gastos e trabalhar intensamente - por sorte, não tinha uma vida extravagante.

Edmondo não poderia ajudar. Não desta vez. Por muitos anos, havia salvo a fábrica de várias crises, mas agora não tinha energia nem saúde psicológica para isso. Por outro lado, foi um verdadeiro pai para Enzo, pois enquanto o rapaz trabalhava, o velho dava total assistência a Lakina e ao bebê.

Foram nessas visitas que ele descobriu o quanto a pantaneira era apaixonante. A moça lhe contava histórias de quando era criança e falava sobre valores cristãos. As tardes eram tão agradáveis que o velho lamentava a hora que tinha que voltar para casa e encarar o infernal comportamento da esposa. Ofélia tornara-se maçante.

O desejo de tratar as feridas do casamento foi frustrado logo nos primeiros meses. Edmondo sofreu um ataque terrível, porque passou a dormir com um monstro. Ora! Esta história não é uma fantasia verniana. Eu estou falando de um monstro de verdade, desses que ao invés de comer o cérebro, consomem a energia e a paz de um homem. Ofélia Zancolleoni não conseguia produzir bons sentimentos e, para sobreviver, sugava todas as sensações prazerosas que o marido sentia ao longo do dia. Uma desgraça!

Bem, não vou me prolongar nesta triste declaração. O que aconteceu foi que Edmondo já amava Enzo, e aprendeu a amar Lakina e o bebê. Frequentar a casa deles era como comer doce durante uma crise de ansiedade: infinitamente prazeroso. Ofélia odiava perceber isso.

A cada ano, Enzo tinha a esperança de diminuir o ritmo de trabalho na fábrica para poder cuidar da filha. No entanto, a crise de 1929 persistiu ao longo da década de 30. Por isso, os primeiros três anos de vida da pequena Ana de Luz foram mergulhados nos braços da mãe e do tio-avô.

Quanto mais a criança crescia, mas Edmondo se realizava e enchia o quarto da sobrinha de presentes. Para cortar o cordão umbilical, Ofélia, diabolicamente, procurou dona Teresa. Você deve conhecer algumas por aí: aquele tipo de gente que consegue espalhar uma boa fofoca numa fração de segundos.

— Pois é, Teresinha... Eu ando tão preocupada...Meu Edmondo passa o dia inteiro com a esposa de Enzo, enquanto o pobre trabalha na fábrica. Sai arrumado...Os dois ficam lá sozinhos...Volta só à noite, quando meu sobrinho larga...

— Você acha que...

— Oh, Deus! Imagina! Quero dizer...Não por parte dele...Mas você sabe como são as moças humildes, não é? A pequena já está grandinha, já não precisa ficar no colo...

— Sim, sim! É preciso tomar cuidado, Ofélia! Aquela lá não me engana! É muito bonita e esperta! Veja como conseguiu fisgar o rapaz Enzo!

— Mas a senhora não conte para ninguém, está bem? Já faz três anos que estou sofrendo, mas prefiro aguentar calada e em oração.

Ana de Luz e o Circo da Alegria Onde histórias criam vida. Descubra agora