Ana de Luz chorou por mais de uma semana. O rosto ficou inchado e era possível ver olheiras bem profundas. Por quê? Por que Deus permite que coisas ruins aconteçam a pessoas boas? Por que não deu tempo de, pelo menos, contar o seu segredo? Ela nunca havia tido um segredo antes – e aquele era cruel demais para suportar sozinha.
Por que Deus permitiu que Josh fosse embora sem se despedir? Se existe um ser divino, ele deve ser bem egoísta – pensou a menina, enquanto relembrava todos os acontecimentos de sua vida.
O corpo magro da criança parecia secar com tantas lágrimas escorrendo. Ela não tinha fome nem sede – logo adoeceu. Ofélia teve bastante medo quando percebeu que a sobrinha já não ia à escola nem frequentava as aulas de balé. Lembrou-se de Lorenzo.
— Por Deus! Não se entregue desse jeito!
— Eu queria morrer! Eu queria muito morrer!
— Ana! Que pecado! Não diga isso! Não amaldiçoe nossa vida com essas palavras. Eu não suportaria mais uma tragédia na família...
— E eu não suportarei ficar sozinha outra vez!
— Menina! Não diga que está só...Temos uma a outra. Eu já me acostumei com você aqui. Sei que temos nossas diferenças, mas é hora de deixá-las de lado e nos unirmos. Chegou uma carta de seu pai, mas está destinada só a mim. Para provar que estou disposta a ser sua amiga, deixarei que leia também.
À minha querida tia Ofélia, Brasil
Campos do Jordão, ?? de ?? de 1942
Como estou com saudades de casa! Aqui no sanatório, fiz muitos amigos, mas a morte não dá trégua, perdi alguns. Tenho descansado e me alimentado bem. Na verdade, acho que só tenho feito isso esse tempo todo. Por favor, tia, diga a Aninha que estou bem, conheci poetas maravilhosos e falei dos poemas dela, inclusive o nosso preferido, Bilinguis, e eles a elogiaram muito. O motivo de direcionar esta carta apenas à senhora é porque gostaria de contar uma notícia delicada: estou prestes a me arriscar numa cirurgia chamada "lobectomia pulmonar". Os médicos me dão esperança, mas tenho pesquisado muito e descobri que pelo menos metade dos pacientes que se submeteram ao procedimento morreram pouco tempo depois. É um risco que devo correr. Não aguento mais tossir e sentir esse mal em meu peito. Sinto-me fraco e quem escreve esta carta é meu amigo Assis. Caso eu venha a falecer, imploro que cuide bem da minha filha até que ela se case. Já deixei o testamento no nome dela. A única herdeira dos Zancolleoni.
Obrigado por todo o sacrifício, minha tia! Espero que nos encontremos em breve.
Enzo Zancolleoni
Eu confesso que não sei qual era a intenção de Ofélia em permitir que Ana de Luz lesse aquelas palavras tão tristes. Seria mesmo uma prova de amizade e confiança ou um diabólico plano para que a menina perdesse as esperanças?
Naquele ano, Ana de Luz reprovou na escola, mas compensou no maravilhoso resultado do concurso de danças clássicas da academia, organizado para crianças até doze anos. O prêmio, que seria hoje algo em torno de R$500,00, a tornou famosa na pequena cidade. Ofélia, ainda com o discurso de se unir à sobrinha, escreveu uma carta a Enzo, comunicando a conquista da menina.
Foi em 1943 que a nossa bailarina começou a ensaiar como uma profissional. Dia e noite. Seus movimentos foram aperfeiçoados até alcançarem graça. Ana aprendeu a esquecer os problemas com a música. Bastava uma melodia ao fundo e já ficava de ponta de pé, levantando levemente os bracinhos magros acima da cabeça.
Com tanto sucesso, logo foi colocada numa turma mais avançada - e lá conheceu Elizabeth Justine, que segundo a fama, era o próprio diabo. Adoraria dizer que Ana de Luz resistiu às tentações, mas não foi verdade.
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Ana de Luz e o Circo da Alegria
Literatura FemininaUma senhora, nascida em 1929, resolveu me contar sua história: uma infância solitária na mansão de tia Ofélia e uma juventude embevecida por um homem temido, vinte anos mais velho, dono do circo da cidade. Você vai se emocionar!