36. Um gigante na fé

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O coração estava disparado. E quanto mais ela sentia o limite da batida, mais corria com o animal. Não sabia para onde ir. Voltar para casa de tia Ofélia estava fora de cogitação. Lembrou-se da senhorita Lis, mas seria muito vergonhoso pedir abrigo depois de tudo.

1. Por não ouvir os conselhos dela sobre Gorro.

2. Por decidir abandonar o balé, sem dizer nada, na mesma noite que fugiu da mansão.

A ingratidão é mesmo solitária.

Ana de Luz já estava atordoada de tantos pensamentos negativos, quando, de repente, lembrou-se de um lugar: a igreja luterana, na Rua 14. Chegou do jeito que havia partido: descalça, de cabelos assanhados e o rosto ensopado de choro.

Quando viu o pastor Augustus e dona Ruth varrendo o templo, correu para abraçá-los e só depois tomou a iniciativa de se justificar. O casal ficou emocionado com a visita e mais ainda com toda a história que ouviu.

- ...E é por isso que acho que não acredito mais em Deus – disse a menina.

- Se Deus não existe, querida, não devemos nos chocar nem nos indignar com este mundo tão desordenado.

- O que quer dizer? - perguntou enxugando as lágrimas.

- O que mais deveríamos esperar de um universo formado aleatoriamente e por um ser não inteligente? O que vier é lucro!

- Na verdade, eu acredito em Deus. Só não entendo porque Ele permite que tantas coisas ruins aconteçam comigo.

- O mal é resultado do nosso pecado original, Ana. Todo mundo sofre. Uns sofrem mais do que outros. Eu sofro coisas que você jamais sofrerá. No entanto, você já sentiu dores que eu nunca sentirei. E por quê? Só Deus sabe! Pedir para que Deus se explique é tão inútil quanto tentar explicar suas ações ao seu cavalo, ele jamais vai compreender porque você o tirou do estábulo mais cedo e o trouxe para cá.

Eu queria saber mais sobre as ideias daquele homem, mas quem me contava a história pouco conseguia expressar a profundidade daquelas palavras. Tenho para mim, que o pastor Augustus não era apenas um luterano de Pedacinho do Céu, mas um gigante na fé.

- Não posso dizer, querida, a causa específica do seu sofrimento, a não ser lembrá-la de que você está no mundo decaído. Não posso dizer que você sofre porque Deus está te castigando nem posso negar tal possibilidade. O motivo não pertence a nós, mas ao Senhor. Sabe o que podemos fazer com a dor? - silenciou por alguns segundos – Reciclar!

- Reciclar?

- Reciclar! Não há muita opção. Ou se fica com o lixo ou se recicla. Aproveite as injustiças, o luto, a perseguição, as injúrias que a vida traz, e fique bem atenta para descobrir como se tornar alguém melhor. Isso é reciclar o sofrimento! Transformá-lo em algo útil. Você me falou de uma garota...Elizabeth Justine... Pois ela é a prova viva do que digo! Quando temos tudo o que queremos, dificilmente somos maduros. Dificilmente temos a sensibilidade para ouvir a voz de Deus.

Ana de Luz e o Circo da Alegria Onde histórias criam vida. Descubra agora