37. Um segredo de 1938

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Já era fim da tarde. Dona Ruth preparou alguns pães de queijo, que não eram nada parecidos com o que conhecemos hoje, mas igualmente saborosos.

- Você é bem-vinda aqui, minha jovem...

- Eu estava certa de que me receberiam, pastor! Muita obrigada! Mas agora, com a cabeça mais tranquila, percebo que não será prudente. Quando Gorro descobrir que estou aqui, fará algum mal contra vocês e eu não me perdoarei.

- Eu não entendo como essas moças caem na conversa de um sujeito qualquer – resmungou dona Ruth, pensando alto.

- Não, não! A creditem no que digo! Não era assim ! Como falei antes, ele era um bom homem...

- Ana! Não se engane mais! Já passou da hora de você saber a verdade. Há uma conversa muito estranha que ronda a cidade há mais de dez anos. Não é todo mundo que sabe disso, apenas algumas famílias. Talvez senhorita Lis soubesse. Eu não posso contar detalhes, pois desconheço. O fato é que há fortes indícios de que o dono do Circo da Alegria foi o assassino do seu tio Edmondo Augustini.

Eu sei! É uma informação inesperada. Ana de Luz chegou a cair da cadeira. Ela pediu para que ele repetisse o segredo várias vezes e o negou milhares de vezes mais. Foram duas horas para conseguir se recompor.

- É por isso que tia Ofélia não me deixava ir ao circo! É por isso que ela o chamou de demônio! E por que eu nunca soube a verdade? Por que Gorro não está preso?

- Nunca entendi sua tia, filha! - respondeu dona Ruth lamentando – Uma vez, a encontrei na rua e disse que adoraria visitar você, mas ela deixou claro que a família não anda com protestantes. Mal sabe ela que o padre Firmino é nosso amigo chegado.

- Quanto a impunidade, é porque não há provas. Havia uma testemunha na época. Era um aventureiro que vivia bêbado e andando pelas ruas, chamava-se Neco. Depois que Gorro montou o circo e começou sua carreira, o rapaz o reconheceu e saiu contando para algumas pessoas, inclusive para sua tia. Ele me disse, numa conversa informal, que ela se negou a ouvir. Penso que Ofélia não é tão forte quanto quer parecer. Uma semana depois, a testemunha também foi assassinada. Isso não é estranho? O segundo crime acabou fortalecendo a desconfiança de quem ouviu a denúncia.

- Eu não sei o que dizer...

- Eu só quero que você saiba bem com quem está vivendo, querida! Este homem é realmente perigoso. Temos um dinheiro guardado, posso lhe dar para que tente a vida fora da cidade. Não é muito, mas dá para se manter por uma semana.

Ana ficou emocionada com aquele gesto de amor, mas não aceitou de imediato.

- Eu saí tão desesperada que não pensei em pegar nada. Vou voltar para casa, pastor! Lá posso preparar uma trouxa com roupas e o que tiver de valioso. Gorro não me nega dinheiro. O que eu puder juntar, juntarei. Quando chegar a hora, eu vou aceitar o empréstimo do senhor e fugir daqui.

Ana de Luz e o Circo da Alegria Onde histórias criam vida. Descubra agora