Capítulo XXII - A carta
A biblioteca era gigantesca para uma menina - mas nada fora do normal para um adulto. Eu estive lá. Hoje é só mais um ambiente de um restaurante bem frequentado de Pedacinho do Céu. Uma pena! Embora eu adore comida, prefiro os livros.
Do lado esquerdo, logo na entrada, havia a mesa que Edmondo se debruçava para lamentar os infortúnios da vida. Ana se lembrou do pai, que tantas vezes falou da maravilhosa coleção de livros de tio Ed.
Ela passou a mão, com certa velocidade, sobre uma enorme fileira de edições clássicas, então sentiu a deliciosa sensação entre os dedos. No entanto, quando percebeu o quanto estavam empoeirados, parou. Ana de Luz sabia que não poderia demorar ali dentro, por isso se apressou. Em procurar. Não sei se você já procurou por algo sem saber o quê, mas quando isso acontece, a pessoa se assemelha a um cão farejador em busca de um osso para se distrair.
Enfim, encontrou. Havia uma gaveta pequena em um dos compartimentos da mesa. Dentro dela, uma porção de cartas – todas pareciam ser endereçadas à Ofélia. Ana de Luz não sabia quem tinha as enviado, mas sentiu cheiro de segredo e o coração acelerou. Para que a tia não sentisse falta de nada, a menina pegou um dos últimos envelopes empilhados, certificou-se de que tudo estava como encontrou, fechou a gaveta e saiu.
À minha amiga Ofélia Zancolleoni, Brasil
Garibaldi, abril de 1928
É bem frustrante esperar que meu filho volte para casa, e, em vez disso, acabar recebendo uma carta sua dizendo que Enzo está ajudando na administração da fábrica. Não me diga que a culpa é de Edmondo, porque nós duas sabemos que quem manda na casa é você. Lorenzo, por exemplo, tornou-se um homem fraco e totalmente dependente da sua aprovação. Não é uma crítica. Eu a invejo por isso. Se eu conseguisse controlar Enzo, como você consegue controlar seu filho, com certeza eu não estaria escrevendo esta carta numa tarde bonita de sol. Ofélia, quanto amadorismo! Como deixou que seu sobrinho ganhasse tanto espaço na Cioccolato Zancolleoni? Não sabe que ele tem uma incrível capacidade de conquistar tudo e todos? Como sua amiga, eu aconselho que tome providências para que Lorenzo não seja esquecido pelo próprio pai. Já pensou no escândalo? Não se esqueça de que Edmondo adoraria ter sido o pai de Enzo. Quanto ao trapo, você me matou de rir quando disse que pagou aulas de etiqueta. Ela com certeza se tornou a pessoa mais cursi que alguém pode conhecer. Poupe o meu tempo, Ofélia. E cuide do seu filho apagado, porque eu quero o meu de volta! Faça Enzo sofrer com a decisão que tomou até que ele se arrependa.
Obrigada por sempre escrever para esta mãe tão aflita. Que Deus seja conosco.
Sua amiga que muito a estima , Maria Eduarda Zancolleoni
Ana de Luz, apesar da pouca idade, entendeu tudo e ficou profundamente triste. O lado bom é que finalmente tinha um segredo para contar a Josh, mas, para isso, teria que esperar até o outro dia.
Na manhã seguinte, chegou muito cedo na escola, mas não adiantou nada, porque o alemãozinho havia faltado. Ele também não apareceu no fim da tarde, para se encontrarem no quartinho do jardineiro. E Ana só descobriu o que aconteceu quando ouviu os empregados da casa comentando: a família Back havia ido embora do mesmo jeito que chegou, na calada da noite.
Parece que alguém denunciou o pai de Josh por ouvir a rádio alemã escondido no quarto dos fundos. Os agentes entraram na casa e reviraram tudo, destruindo o aparelho e queimando dois livros alemães que encontraram numa caixa de papelão. Eillen, dona Adeline e o menino fugiram para Joinville, em Santa Catarina, onde tinham parentes distantes. Rodolf, infelizmente, acabou sendo preso e nunca mais foi visto outra vez.
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Ana de Luz e o Circo da Alegria
ChickLitUma senhora, nascida em 1929, resolveu me contar sua história: uma infância solitária na mansão de tia Ofélia e uma juventude embevecida por um homem temido, vinte anos mais velho, dono do circo da cidade. Você vai se emocionar!