Capítulo XXI - O segredo da biblioteca
A promessa de um fim de semana inteiro de castigo no quarto se cumpriu. Ana não via a hora da segunda-feira chegar para abraçar o amigo e contar tudo o que aconteceu. Ela também queria matar a saudade. Era como se tivesse passado quase três dias sem respirar - estava sem vida.
O problema é que, para sua surpresa, tia Ofélia havia contratado uma senhora do círculo de oração para acompanhar a menina e garantir que ela não fosse nem voltasse com Josh. Não pense que se tratava de uma velhinha doce, como essas que a gente vê na igreja. Dona Margô não tinha piedade alguma: era fria, severa e bastante disciplinada.
Os dois passaram a se ver apenas no intervalo das aulas, mas isso era pouco demais para Ana. Eles ficavam trinta minutos, diários, em silêncio, olhando um para o outro, como se tivessem medo de que até aquele mísero momento também fosse arrancado a qualquer instante.
Então a menina teve uma ideia bastante ousada: se encontraria com Josh escondido, três vezes por semana (segunda, quarta e sexta) sempre nos fins de tarde, descendo pela janela do quarto. Primeiro, sentaria no parapeito, depois colocaria os pés no batente debaixo e, por fim, pularia com a habilidade que já imaginava ter.
Deu certo. No primeiro dia, eles se abraçaram e correram para se esconderem no quartinho do jardineiro, que ficava vazio, porque os Back não tinham dinheiro sobrando para contratar um. O quarto ficava do lado de fora, entre a casa e a mansão. Era pequeno, sujo e escuro, mas as crianças planejaram transformar aquele lugar numa casinha para os encontros clandestinos.
E assim foi. Josh contou para a família que queria ocupar o quartinho para fazer uma oficina – o pai ficou muito orgulhoso. Ana roubou uma toalha da cozinha e cobriu a mesa improvisada, que nada mais era do que uma tábua sobre dois latões.
- Ana...Eu tenho que te contar um segredo.
- Oba! Eu adoro segredos!
- Por quê? – perguntou desconfiado.
- Acho que eles provam a amizade, sabe? Você prova que confia em mim e eu provo que mereço.
- Você ainda não me contou um segredo...
- Ainda não tenho um, desculpa...Mas quando eu tiver, será dos bons! - sorriu.
- Tá bom! Mas o meu segredo é muito sério, é dos melhores! É que eu não moro só com meus pais...Moro com minha avó Adelina também.
- Que mentira! Eu estive lá e não vi!
- Ela geralmente fica no quarto. Está doente de tão triste...Porque não sabe falar português, então não pode sair de casa.
- Nunca?
- Nunca! Mas o segredo não é esse...O segredo é que ela sabe muitas mágicas e está me ensinando tudo escondido do meu pai. Foi ela quem me deu a capa preta e o pó colorido.
- Seu pai não deixa?
- Não... Ele diz que é tudo bobagem e que eu não deveria perder tempo isso. Quer que eu seja advogado quando crescer, mas... – neste momento, Josh engrossou a voz, como se fosse um gigante – Eu quero ser mágico – depois afinou, como um gasguita – e dono de um circo, é claro.
Ana riu e perguntou como ele conseguia fazer aquelas vozes tão engraçadas, mas o garoto não revelou a técnica.
- Você já foi a um circo, Ana?
- Não...
- Eu já! É o lugar mais mágico do mundo!
- Mágico como?
- Mágico como...Como sonhar com todas as fantasias e está bem acordado....A grama é tão verde que às vezes parece que brilha! As flores, ao redor da tenda, são amarelas, como o sol. Você não sabe, mas ali todo mundo se mistura e ninguém se importa se você é branco ou negro...luterano ou católico...Ou se é alemão ou brasileiro. Todo mundo ri junto! É maravilhoso, Ana! Eu já fui no circo daqui várias vezes! É o Circo da Alegria! Tem muitas ciganas e palhaços...Tem um palhaço pequeno com o cabelo de fogo...Ele parece ser tão feliz! Eu queria muito morar num circo, assim nunca ia ter medo de nada nem chorar.
- Eles não choram?
- Claro que não! Como chorar num lugar cheio de música, dança e coelhos na cartola? Quando eu crescer, quero ser igual ao dono daquele circo! Ele é o mais incrível de todos!
- Por quê? O que ele faz? - ela ouvia tudo com a boca entreaberta, imaginando cada detalhe.
- Porque só alguém tão espirituoso pode comandar a maravilhosa orquestra que é o Circo da Alegria! – respondeu, dando um salto enorme e imaginando estar diante de uma plateia.
O sonho de Josh ficou guardado no coração da menina, e não demorou muito para crescer como uma semente em brasa, queimando o peito por dentro. Ela também queria viver tudo aquilo que o melhor amigo lhe contava.
Quando não estava na companhia do alemãozinho, Ana de Luz morria de saudades do pai, e era uma grande alegria quando tia Ofélia dizia que havia chegado alguma carta dele.
Infelizmente, numa quinta-feira tão melancólica, a caixa do correio estava vazia. O que restava, era perambular pela mansão escura e cheia de portas, a fim de descobrir alguma coisa nova. Foi assim que ela, desfilando pelo corredor, acabou entrando no lugar mais proibido da casa: a biblioteca.
A tia preservava aquele cômodo como um mausoléu de Edmondo. Ali, a velha guardava as roupas, as taças, os livros e todas as preciosidades do falecido marido. Era comum Ofélia entrar na biblioteca uma vez por semana, num dia aleatório. Ela ficava lá dentro por horas e depois saia normalmente. Também era na biblioteca que a velha lia e respondia as cartas de Enzo – e só depois as entregava à pequena sobrinha.
Então voltemos ao corredor pouco iluminado. Ana de Luz percebeu que a porta destrancada, entreaberta para ser mais precisava. Ela sabia que a tia não estava lá dentro – havia acabado de se despedir, antes da velha sair para visitar o padre Firmino. Olhou para um lado, olhou para o outro. Entrou. Talvez eu deva lhe preparar antes: a biblioteca guardava um segredo antigo.
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Ana de Luz e o Circo da Alegria
Genç Kız EdebiyatıUma senhora, nascida em 1929, resolveu me contar sua história: uma infância solitária na mansão de tia Ofélia e uma juventude embevecida por um homem temido, vinte anos mais velho, dono do circo da cidade. Você vai se emocionar!