O domingo amanheceu cedo em Pedacinho do Céu. Gorro não conseguia descansar. A felicidade era uma pilha. Às 7h da manhã, preparou o cavalo para ir ao centro, a fim de contratar um pedreiro que pudesse começar a obra. Zulka, dissimulada, propôs que o primo levasse a esposa
junto.
— Não... você acha? Não seria melhor deixá-la de repouso?
— Ainda é cedo para isso, homem! Será bom para ela...vão tomar um café da manhã juntos, num lugar especial...
— Você tem razão! Obrigado, querida!
Por mais que a bailarina não desejasse um romance com o próprio marido, estava disposta a ajudá-lo. Aceitou o convite, mas, por questão de cuidado, foram de Ford.
A cigana aproveitou a ausência deles para entrar na tenda e procurar a carta que Marcus entregou a Ana. Mexeu nas roupas, nos portes e até debaixo dos travesseiros – até que encontrou o papel dentro do bolsinho de um vestido solto. Era a hora de se vingar do casal.
Quando voltaram, já no meio da tarde, Zulka estava fazendo uma bela trança nos cabelos de Carmélia. Gorro chegou sorrindo e carregava uma caixa grande, era o primeiro brinquedo do bebê.
— Meu primo é rápido para os assuntos que lhe interessam. A barriga ainda nem cresceu e o pequeno já ganhou um presente. Queria que tivesse essa pressa para conseguir um marido para mim – disse a moça atrevida.
— Zulka! - repreendeu a velha cigana, dando-lhe um beliscão.
— Não se importe, Carmélia! Zulka está com ciúmes! Verei o que posso fazer por ela depois que meu filho nascer – respondeu o homem, ainda feliz.
— Eu não esperava outra resposta. Você não chega aos pés de Tarim, Gorro!
O homem fechou as mãos sentindo muita raiva, mordeu os lábios e tentou se controlar, possivelmente em nome da mudança que havia se comprometido a fazer.
— Zulka! - desta vez, quem a repreendeu foi a bailarina.
— Ah, Ana! Queria mesmo te contar! Encontrei o bilhete que Marcus a entregou no domingo... A mim, ele deu um colar. A você, um convite carinhoso para fazer parte do Circo Blefuscu. Acho que o ruivo bonitão tem mais apreço pela bailarina, ou não? Quando ia me contar que estavam tão íntimos?
Gorro imediatamente largou a caixa do brinquedo, segurou firme a pistola que carregava na bainha, olhou nos olhos da esposa e disse:
"Eu sempre soube que não podia confiar em ninguém".
Essa frase ecoa na mente de Ana até os dias de hoje.
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Ana de Luz e o Circo da Alegria
ChickLitUma senhora, nascida em 1929, resolveu me contar sua história: uma infância solitária na mansão de tia Ofélia e uma juventude embevecida por um homem temido, vinte anos mais velho, dono do circo da cidade. Você vai se emocionar!