Era domingo. Ana de Luz ardia de febre. Carmélia acreditou ser o emocional. Gorro queria entrar para vê-la, mas Carmen temia que a jovem piorasse. O dia havia começado muito agitado no acampamento dos Rosenlonks.
— O que estão falando? Eu quero cuidar dela! Tenho direito! É a minha esposa – reclamou Gorro, invadindo a tenda das primas.
— Saia, por favor! Não estou pronta! - pediu a moça.
— Não há perdão para o que fiz, mas me deixe a menos cuidar de você. Eu te amo tanto, Ana – disse, beijando-lhe a mão.
A nossa bailarina não ouviu mais nada. Até hoje não sabe se foi vencida pelo cansaço da noite mal dormida ou teve um desmaio pelo pavor da presença indesejada.
Quando acordou, já era noite e todos estavam trabalhando no circo. As ciganas, como sempre, nas previsões. Gorro ainda descansava na arquibancada da área de luxo. Badoque foi o único que a viu e tentou impedir:
— Por Deus, Florzinha de luz! Você não pode fazer esforço! Está pálida!
Ana não deu atenção. Queria deixar de ser o sujeito passivo da própria história. Naquele momento, tudo o que desejava era sentir o impacto dos pés no chão do picadeiro. Esperou a melhor oportunidade, invadiu o palco e surpreendeu com uma bela dança.
Ao fim da apresentação, estava extremamente cansada. Saiu para tomar um ar fresco antes que pudesse cruzar com Gorro no caminho.
— Estava com medo de não encontrá-la.
Era Marcus.
— Você? O que está fazendo aqui? - perguntou preocupada, ainda tonta pelo esforço recente.
— Eu vi sua apresentação...Poucas vezes vi algo tão bonito. Deveria ter me dito quem era quando a conheci no centro da cidade. Teria me poupado tempo.
— Como assim? Que eu trabalhava no circo? O que tiver que me dizer, melhor que seja na presença de Gorro, Marcus!
— Eu vim a pedidos do meu tio. Há pouco mais de um ano, vimos, no jornal da nossa cidade, uma matéria sobre as grandes promessas do balé no Brasil. Seu nome estava lá. Ele quer fazer uma proposta pessoalmente. Adianto que pagamos bem.
Ela ficou impressionada, mas descartou a ideia assim que se lembrou de quantas vezes foi enganada por promessas nunca cumpridas.
— Por que seu tio não vem aqui e fala diretamente comigo?
— Ele não pisa em terras desconhecidas. Ainda mais quando sabe que não é bem-vindo. Pegue! Aqui está o bilhete! Voltarei próxima semana para buscar a resposta. Se aceitar ir comigo, a trarei de volta antes que sintam sua falta. Dou minha palavra!
Marcus deixou um pedaço de papel nas mãos de Ana e foi embora. O que eles não sabiam era que Zulka, de muito longe, via tudo.
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Ana de Luz e o Circo da Alegria
Literatura FemininaUma senhora, nascida em 1929, resolveu me contar sua história: uma infância solitária na mansão de tia Ofélia e uma juventude embevecida por um homem temido, vinte anos mais velho, dono do circo da cidade. Você vai se emocionar!