A vida tem dessas surpresas. Dizem que, enquanto alguém agoniza na própria morte, o tempo desacelera. Por outro lado, quem assiste a partida, sente que os minutos correm na velocidade da luz. Então, temos a mesma cena com dois ritmos contrastantes. Eu poderia narrar o sobrenatural, mas não é do meu feitio.
Vamos nos ater à realidade nua e crua de Josh Back. A infância dele pode ser bastante reveladora. Depois que o pai foi levado pela polícia de Getúlio Vargas, o menino partiu com a mãe e a avó para Joinville. Na nova cidade, o alemãozinho teve que descobrir, precocemente, como se tornar um homem. Foi quando conheceu o Circo Blefuscu. E, de repente, eu não saberia dizer como, tornou-se o braço direito de Tião. A confiança que construíram foi tão grande que mantiveram uma relação estreita, de pai e filho. O dono do circo não tinha família, apenas um sobrinho cigano que, vez ou outra, deixava tudo para se aventurar pelo país. Então, preocupado com o futuro, decidiu que Josh herdaria a maior parte de suas riquezas: a enorme tenda azul, uma trupe mágica e notoriedade. A Marcus, por outro lado, garantiu um valorizado pedaço de terra, em Santa Catarina, que estava sob posse da família há anos.
Enfim, o menino frágil de cabelos de ouro cresceu. Agora tinha barba no rosto. Era bonito, maduro e com aguçado senso de justiça. Soube de Ana de Luz e o Circo da Alegria por um jornal local. Estava disposto a conferir o sucesso de perto, por isso convenceu Tião a partir com a trupe para Pedacinho do Céu.
Quando descobriram a péssima fama de Gorro, a trupe, temerosa, quis retornar. No entanto, Josh estava decidido a proteger Ana, ainda que tivesse que ficar sozinho na cidade.
— Não sairemos daqui sem você! - disse Marcus, que o amava como irmão – Vou tentar me aproximar do Circo da Alegria e farei o que for possível para trazer sua amiga.
— Eu agradeço, mas não vou permitir que se exponha desse jeito! É uma obrigação minha! Aquele homem é louco! Como vai entrar sem ser visto?
— Serei visto. Vou atrás das cartas. Elas serão minha porta de entrada. Eu sou cigano, irmão, compartilho da mesma fé que os Rosenlonks. Eles não me farão mal, tenho certeza.
— Eu não sei... se o infeliz faz mal a quem diz quem ama, o que não faria a você?
— Josh! Por favor, me deixe fazer isso! Eu tenho uma dívida com você, e esta é uma causa nobre. Eu sou um andarilho atrás de aventuras. Não terei dificuldades alguma. Quanto mais tempo passar, mas a moça estará sofrendo.
Como você já sabe, nem tudo deu certo. Marcus tinha um espírito livre e desafiador. A presença dele costumava intimidar os mais conservadores. Gorro o odiou desde a primeira vez que o viu.
Depois que a poeira baixou, Josh e Ana puderam conversar em paz. E ela me disse que nunca o culpou pela tragédia daquele domingo. Um ajudou o outro a tratar as feridas do coração, como se as palavras fossem mirra. Tornaram-se família. Ali se iniciou a melhor fase da vida de Ana de Luz. Algumas vezes, ela ainda chorava com saudades do pai, mas isso foi diminuindo com o tempo.
Ah, tenho uma boa notícia! Badoque se juntou a nova trupe e Ana foi a única bailarina do Circo Blefuscu. A jovem conheceu as mais lindas cidades da terra Tupiniquim e pisou nos grandes teatros brasileiros, só mais tarde aposentou as sapatilhas porque decidiu descansar no litoral recifense com a família.
Por falar em família, o filho de Ana de Luz com Gorro cresceu gordinho, loiro e de bochechas rosadas. Quando ele completou dois anos, a moça achou prudente voltar a Pedacinho do Céu para que as ciganas o conhecesse, mas não viu nem vestígio do Circo da Alegria. Nessa viagem, descobriu que Ofélia havia falecido há poucos meses e que nenhum Zancolleoni foi visitá-la enquanto estava doente, restando apenas a piedade dos empregados.
Ana entrou na mansão acompanhada de Josh e com o pequeno Miro no braço. Ali encontrou o diário de Lorenzo e cartas recentes no nome de Enzo Zancolleoni. Ele estava vivo. Ofélia havia mentido durante todo aquele tempo.
Nesta altura da história, talvez você pense que Ana de Luz se casou com Josh Back, mas não foi isso o que aconteceu. A nossa bailarina amou um feliz bastardo da família real brasileira, ator de teatro, que conheceu em uma de suas apresentações. Com ele, teve mais um casal de filhos: Felipe e Isabel. Uma história digna de um romance.
Se você gosta de finais felizes e bem fechadinhos, pode dormir esta noite sem virar a próxima página.
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Ana de Luz e o Circo da Alegria
ChickLitUma senhora, nascida em 1929, resolveu me contar sua história: uma infância solitária na mansão de tia Ofélia e uma juventude embevecida por um homem temido, vinte anos mais velho, dono do circo da cidade. Você vai se emocionar!