Capítulo 14 - Diana

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O consultório com as paredes listradas em branco e amarelo, decorado com ursinhos usando chapéu, regando flores e segurando guarda-chuvas deveria ser acolhedor e alegre. Para mim, era cenário de terror. A pediatra, uma moça de trinta e poucos anos, alta, loira, um pouco gordinha e com cara de cansada , sentou atrás da mesa para explicar o que estava acontecendo. Ela tinha a voz suave e o olhar acolhedor, embora as notícias não tivessem nada disso. Ela foi atenciosa o suficiente para falar parte da conversa em inglês para facilitar a vida do pai da bebê.

_ Eu preciso explicar a vocês a real situação da... já escolheram o nome?

_ Ainda não - respondi.

_ Diana - ele respondeu ao mesmo tempo que eu.

_ Diana? Eu ia deixar você escolher um nome com J, como queria.

_ Sua mãe me disse que você chamou umas quatro bonecas e o hamster com esse nome. Além de ser uma deusa guerreira e acho que combina com ela. 

_ Diana, então. - Concordei quase sorrindo pela primeira vez desde que aquilo tudo começou.

_ Bem, então vou explicar a vocês tudo o que está acontecendo com a Diana. Ela é prematura extrema. Vocês sabem o que isso significa? - eu assenti e ele não. - Significa que ela nasceu com menos de 28 semanas e não deu tempo de se desenvolver completamente. No caso dela, com 25, é de se esperar que haja alguns problemas de saúde. Ela tem o forame oval patente, que a gente explica como se fossem "furinhos" no coração, que geralmente se fecham apenas nas últimas semanas da gravidez, os pulmões são imaturos e o fígado ainda não está completamente formado. As próximas 48 horas são fundamentais para um prognóstico, ou seja, para sabermos como ela ficará. Pais, eu preciso que vocês entendam que a equipe e o hospital vão fazer tudo pela recuperação e conforto da sua filha, mas que a situação é crítica e delicadíssima. Tudo depende muito do próprio organismo dela reagir.

Eu apertava a mão dele com força, sentindo o nó na garganta crescer. Jay já se desmanchava em lágrimas.

_ Doutora, eu li em algum lugar sobre aquele método do canguru. A gente pode fazer? - perguntei esperançosa

_ Ainda não. Ela precisa estar estabilizada, com os pulmões mais maduros, começar a mamar... aí a gente começa a inserir no método. Vamos nos concentrar no que podemos fazer agora. Vocês podem acompanhar de perto o desenvolvimento dela, mas vou repetir: a situação é grave e vocês precisam estar prontos para tudo.

Saí do consultório direto para a UTI. Se tudo o que eu podia fazer era ficar com ela até a situação mudar, era exatamente o que eu faria. Ficar sentada naquela poltrona o dia todo, observando cada movimento, as mínimas variações era o plano imediato. No horário em que era autorizada a estar lá, nada me tiraria dali. Ignorei minha mãe lembrando que eu devia estar de resguardo, prometi não exagerar, pedi umas palavras cruzadas e comecei meu plantão. A pouca luz, barulhos de sensores, cheiro de medicação eram estímulos ruins o suficiente para me fazerem apagar num sono agitado e nada reparador. Ela continuava na mesma posição quando a olhei de novo. A mãozinha apertou de leve o meu dedo num dos raros momentos em que ela esteve acordada e senti meu coração apertar junto.  Só saí de perto quando Jay ficou no meu lugar e fui almoçar e descansar um pouco, depois da bronca da obstetra. Ninguém devia ficar sentada o dia todo menos de 24 horas depois de um parto de alto risco. Já estava  alimentada e deitada quando os meninos chegaram com meu pai, depois de 5h da tarde. Minha mãe, que dormia de novo na cama auxiliar, acordou assustada quando eles entraram e saiu em seguida com ele, logo depois de me perguntar meia dúzia de vezes se eu precisava de alguma coisa. Os gêmeos me trouxeram uma orquídea e Pedro tinha uma sacola de papel na mão e o olhar preocupado que eu conhecia de longe.

_ O que foi, meu amor?

_ Quando a gente vai poder conhecer a Diana?

_ Acho que vai levar uns dias. Ela precisa ficar mais fortinha primeiro. Quando eu for lá, digo que vocês querem vê-la. Eu realmente acho que ela me entende quando eu falo. - sorri, tentando tranquilizar o mini adulto na minha frente.

_ Eu trouxe isso para ela. Lembra do senhor Coelho? O meu era verde e o do Victor, azul. Ele já destruiu o dele há tempos, mas eu ainda tenho. A tia Lucy lavou com água quente para tirar toda a sujeira e os micróbios. Pode entregar a ela?

Foi a primeira vez em que chorei naquele dia. Segurando aquele coelho de pano, meio desbotado, maior que a minha menina e tão carregado do amor mais puro e profundo. Jay entrou no quarto quando estávamos os três abraçados e nos soltamos assim que o vi.

_ Eles me expulsaram de lá às 6h. Acho que estavam doidas para me ver pelas costas por causa das perguntas e do português ruim. 

_ Alguma novidade? Ela está bem?

_ Está estável. Levantou a perna uma vez, bocejou, abriu os olhos. - ele deu o relatório depois de um beijinho em mim e em cada um dos meninos.

_ Acho que amanhã já posso ficar com ela de novo. Estou bem, sem dores.

_ Vamos ver o que a médica diz. Por enquanto, descanse. Vou ficar aqui com você essa noite e com ela durante o dia enquanto for necessário, mas por favor, cuide-se. Não quero te impedir de estar com ela, mas adoecer não vai ajudar em nada. - ele olhou para os meninos. - Agora eu preciso de um banho. Podem cuidar da sua mãe enquanto isso? - perguntou, piscando cúmplice para os dois.

 Era quase a hora dos meus pais levarem as crianças, quando Agda entrou no quarto com uma tipoia no braço esquerdo e uma cara péssima.

_ Garota, você está me devendo uma... - ela me abraçou com o braço livre e fez festinha na cabeça dos meninos. 

Contou detalhes da cirurgia, reclamou da cicatriz e fez planos para uma tatuagem no lugar.  Tia Rose quase precisou arrastá-la de volta ao próprio quarto quando eu já estava pescando de sono. Os meninos foram embora quase no mesmo minuto e ficamos, os dois ali, lutando contra o sono sem saber bem o porquê.

_ Desde quando você perde o sono? Esse papel é meu.

_ Desde que podia ter perdido a minha mulher de uma maneira estúpida e tenho uma filha lutando pra viver na UTI. Não estou sabendo digerir tudo isso.

_ Como você soube do assalto? Seu voo já tinha decolado quando tudo começou.

_ Tinha, sim. Quando desembarcamos, meu celular explodiu de mensagens. Parece que te identificaram logo no começo e muita gente queria saber notícias. Corri para o shopping sem nem falar com ninguém. Acho que os meninos guiaram a minha família para a casa dos seus pais, que aliás, estavam em frente à joalheria também. Acompanhei tudo e aquela sensação de impotência me matou por dentro, assim como está matando agora. Estou com raiva, triste e preocupado. Dormir não vai fazer parte da minha rotina tão cedo, mas tem que fazer da sua. 

Eu queria discordar, mas meus músculos tremiam de cansaço. Apaguei assim que ele deitou na cama comigo e me aninhei em seu peito.



Mais que perfeito vol.2 - Perfeição Em XequeOnde histórias criam vida. Descubra agora