Capítulo 34 - Renascendo

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— O que aconteceu? - perguntei ainda nos últimos degraus, indicando o sofá que ele ignorou.

— Você sabe de onde eu estou vindo?

— Pra falar a verdade, não. Sei que está trabalhando na divulgação do filme, mas nem vi a agenda esses dias.

—Estava dando uma entrevista e você ganha um doce se adivinhar quem era a atração musical.

Qualquer vestígio de felicidade que eu estivesse sentindo sumiu diante daquela afirmação.

— O que aconteceu? - perguntei de novo, agora muito mais apreensiva.

— O seu amiguinho veio me cumprimentar no camarim e perguntar da sua recuperação depois do acidente. - eu não emitia nem um som, continuava no último degrau, com os olhos arregalados, respirando com cuidado. —Eu nem acreditei na cara de pau e dei-lhe um soco muito bem servido no queixo. - levei a mão à boca, mas ainda não disse nada. — Isso nem foi a coisa mais estranha dessa tarde. O pior foi a cara de susto e surpresa que ele fez quando estava no chão. Ele realmente não esperava por aquilo. Quando eu mandei ele respeitar a mulher alheia, ele respondeu que não sabia do que eu estava falando. Não dei a entrevista e vim pensando o tempo todo: por que raios um homem que dormiu com a minha mulher não saberia do que eu estava falando? Você consegue me explicar, Aurélia?

Eu tremia inteira e mal conseguia respirar. Dei os três passos que separavam a escada do sofá, fazendo força para não cair e tentando decidir o que diria a ele.

—Acho que te devo algumas explicações.

— Também acho. E eu prefiro ouvi-las de você.

— Em primeiro lugar, você está bem? Ele reagiu, te machucou? Sua mão parece inchada.

— Mesmo que ele reagisse, sei me defender. Dou um jeito na minha mão depois. Agora, por favor, me explica por que ele não sabia do que eu estava falando.

Respirei fundo, mordendo o lábio procurando desesperadamente a frase certa para começar a conversa. Que conversa? Nem tinha pensado no que dizer a ele sobre tudo aquilo. Teria que ser no improviso.

— Antes de qualquer coisa, tenha em mente que eu estava, digamos, um bocado fragilizada quando voltamos do Brasil. Eu tomei algumas decisões que você não concordaria na época e não vai gostar nada de saber agora.

— Essas decisões incluíram dormir com outro homem?

— Ouça tudo, por favor. - ele passou a língua nos lábios e sentou, de braços cruzados. — Tudo o que eu queria naqueles dias era esquecer todo o pesadelo que vivemos. Pensei que mergulhar no trabalho e deixar a vida seguir seu curso seria o suficiente.

— Não foi.

— Não. Não foi. Tinha uma cratera crescendo dentro de mim, uma escuridão tomava conta de tudo e eu mal conseguia respirar quando você viajou. Comecei a ver que se eu continuasse perto, esse buraco iria crescer até tragar todos que eu amava e eu precisava parar aquilo. Na noite em que você voltou, tomei a decisão. Só não sabia ainda como faria o que precisava ser feito. No aniversário dos meninos, quando a Bela me disse todas aquelas coisas, percebi que precisava agir rápido antes que te arrastasse comigo para o abismo. Por isso, fiz o que precisava fazer para te afastar antes de prosseguir.

— Eu te disse que era exagero da Bela, não era bem como ela disse.

— Era sim. - não consegui mais segurar as lágrimas que faziam meus olhos arderem. — Você estava péssimo e eu não podia lidar com a sua dor. Por Deus, eu não estava sabendo lidar com a minha! Eu não tinha mais o direito de prolongar aquilo. Foi por isso que inventei ter tido um caso com a primeira pessoa que me veio à cabeça. Eu sabia que era a única maneira de você me deixar. Era preciso que você não sentisse mais nada por mim para eu prosseguir com o planejado. Aí você foi perfeito, mais uma vez, e agiu ainda melhor do que eu esperava. Quando tive a certeza que você continuaria sendo o melhor pai possível para os meninos, soube que era o momento de concluir. Foi quando joguei o carro daquele precipício. Só depois de me certificar que todos vocês ficariam melhores sem mim.

— Acho que me doeu menos quando achava que tinha sido traído. - ele estava todo vermelho, apoiando o rosto sobre as mãos entrelaçadas. — Por que você não me falou nada? Ficou bancando a durona e jogou tudo fora, ao invés de pedir ajuda.

— Não ia adiantar. Era mais fácil eu te derrubar do que você me ajudar a levantar. Eu não iria melhorar, ainda não sei se vou conseguir.

— Tem ideia de como foi quando recebemos a notícia do acidente? Os meninos apavorados e eu mal conseguia acalmá-los porque eu mesmo estava mais assustado que eles. Encarar o seu pai exigindo que eu explicasse por que havia alugado um apartamento, lidar com o medo de te perder para sempre. Eu enlouqueci o Josué esse tempo todo, pedindo todas as informações, porque eu não podia me aproximar demais sem passar por idiota. Fui eu quem implorou que ele viesse morar aqui para cuidar de você, já que eu não podia fazer isso.

— Não me orgulho de nada disso! Eu preferi fazer você me odiar a te fazer sofrer!

— Como você pode ser tão brilhante e tão burra ao mesmo tempo?

— Você me chamou de burra?

— Chamei. Você realmente achou que estar furioso com você anularia todo o amor que eu sinto? Que droga, Aurélia! Eu queria morrer todo dia também, não só pela Diana, mas por você. Os dias em que esteve desacordada, as cirurgias, a dor que eu sabia que você estava sentindo, sua memória que foi embora e, aparentemente, ninguém cogitou me avisar que voltou.

— Acabou de acontecer. Essa conversa contém as primeiras palavras que falo em inglês em meses.

— Ótimo. Bem, agora você sabe que não adiantou nada me magoar. Eu sou o marido trouxa que continua apaixonado pela mulher que o traiu.

— Mas você se envolveu com alguém. - o tom da conversa começava a diminuir. —Eu vi as fotos.

— Você tem tempo o suficiente em Hollywood para não acreditar em tudo o que a imprensa noticia. Não estou com ninguém.

— Você estava de mãos dadas com uma moça.

— Saí com ela algumas vezes. Gente boa.

— Enquanto eu estava internada.

— Sou um cara solteiro e você dormiu com outro enquanto minha mãe estava em risco de morte.

— Só que não.

— Eu não tinha como saber. E, caso queira saber, eu dormi com ela e não foi tão estranho quanto imaginei que seria.

— Touché, Jay Hite. - ele estava mais relaxado e eu, tentando controlar o ciúme que fazia o estômago doer. — Deixa ver essa mão, agora. Não tenho mais nada para te confessar.

Uma mancha roxa começava a se formar no dorso da mão direita e o dedo do meio estava um bocado inchado. Peguei um pacote de ervilhas, porque o gel térmico não estava onde devia. Ele fez uma careta exagerada.

— Com quanta força você bateu naquele homem que tem mais que o dobro da sua idade?

— Com a força de alguém que fez aquela maldita dieta proteica e achava que ele tinha tocado na minha mulher.

— Acha que é capaz de me perdoar?

Ele usou a mão livre para colocar o meu cabelo atrás da orelha e mexeu no meu brinco, que havia sido dado por ele no nosso segundo aniversário. Ousei me aproximar alguns centímetros e ele não se afastou. Continuei chegando, e já estava com a respiração ofegante quando ele acabou com os últimos centímetros que separavam nossas bocas, num beijo cheio de saudade, lágrimas incontidas e muito desejo.

Mais que perfeito vol.2 - Perfeição Em XequeOnde histórias criam vida. Descubra agora